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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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22 de setembro de 2013

Mês da Bíblia (8) - Celebração final


[A introdução baseada no texto da Editora Paulinas] A celebração final é o resumo dos 4 encontros e é baseada no texto de Lc 24,13-35 - o relato exclusivo de Lucas, marcado pelo escutar e reler as Escrituras, à luz do Mistério Pascal de Jesus na certeza de que é no partir o pão, que o encontro com o Ressuscitado se faz sempre presente. É por meio desse encontro que somos chamados a anunciar a Alegre Notícia: Jesus ressuscitou e vive em nosso meio.

Uma celebração que imagino, requer a presença de algumas pessoas... Bem, pelo menos de mais uma pessoa. Seria ótimo poder celebrar o dom da Palavra de Deus, ao lado de uma pessoa amada. Algumas propostas do "Desafio de amar" falam, justamente, sobre isso. No meu caso, isso é uma lembrança do passado e faz parte de sonho sobre o futuro. Na verdade, já cogitei a possibilidade de namorar uma pessoa de outra religião, porém, a realidade da vida em comum, na qual se compartilha tudo, inclusive a espiritualidade, é um ideal.

Deixando de lado essas divagações, vamos ao que interessa. Temos o material de reflexão, dividido em 4 partes (estão aqui os encontros: , , , ). Por mais que uma parte pareça diferente da outra, podemos encontrar um "fio condutor", um caminho, como aquele que percorreram dois discípulos, rumo a Emaús, acompanhados por Jesus Ressuscitado.

O ponto de referência pode ser a "mentalidade do descartável", sobre a qual o Papa Francisco tem falado ultimamente com frequência.

Em sua carta, dirigida ao Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, o Santo Padre escreveu: Quer as medidas de longo alcance para assegurar uma adequada instância de legalidade que oriente todas as decisões econômicas, quer as urgentes medidas comuns para resolver a crise econômica mundial devem ser norteadas pela ética da verdade que inclui, antes de tudo, o respeito pela verdade acerca do homem, que não é um elemento adicional da economia, nem um bem descartável, mas algo dotado de uma natureza e de uma dignidade que não podem ser reduzidas a um simples cálculo econômico. (15. 06. 2013)

Aos jornalistas, durante o voo ao Brasil, o Papa declarou: Temos de acabar com esse hábito de descartar. Ao contrário, cultura da inclusão, cultura do encontro, fazer um esforço para integrar a todos na sociedade. (22. 07. 2013)

Na Comunidade de Varginha, no Rio, ouvimos a advertência: Não deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável! Não deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável, porque nós somos irmãos. Ninguém é descartável! (25. 07. 2013)

Durante uma breve entrevista, no estúdio da Rádio Catedral, o Papa voltou a este assunto: Que todos trabalhemos por esta palavra que hoje em dia não é bem aceita: solidariedade. É uma palavra que procuram deixar de lado, sempre, porquê incômoda. Todavia, é uma palavra que reflete os valores humanos e cristãos que hoje nos pedem para ir contra; da cultura do descartável, de que tudo é descartável. Uma cultura que sempre deixa as pessoas de fora: deixa à margem as crianças, deixa à margem os jovens, deixa à margem os idosos, deixa a fora aos que não servem, aos que não produzem, e isso não pode acontecer. (27. 07. 2013)

Na Catedral do Rio, durante a Missa com os bispos e padres da JMJ, o Papa disse: Em muitos ambientes, e de maneira geral neste humanismo economicista que impôs-se no mundo, ganhou espaço a cultura da exclusão, a “cultura do descartável”. (27. 07. 2013)

Pensando bem, os dois discípulos do Senhor que estavam caminhando a Emaús, haviam descartado a pessoa de Jesus e, também, os sonhos que, eles mesmos, associavam a Ele:  Perguntou-lhes ele: Que foi? Disseram: A respeito de Jesus de Nazaré... Era um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. Os nossos sumos sacerdotes e os nossos magistrados o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel e agora, além de tudo isto, é hoje o terceiro dia que essas coisas sucederam. (Lc 24, 19-21)

Nós, os gays, temos uma experiência a mais que nos ajuda a compreender melhor esta passagem do Evangelho. Muitos de nós já viveu, ou ainda vive, a sua "caminhada a dois" que, exatamente por causa de sua dimensão gay, está sendo descartada pela Igreja, pela família e pela sociedade em geral. Não poucos, gays e lésbicas, que alcançaram a meta de tantos esforços e, finalmente, formam casais, sentem-se em obrigação de descartar Jesus, a fé e a Igreja de sua vida. A eles - a todos nós - Jesus dirige as mesmas palavras: Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! (Lc 24, 25). É incomparável o momento, quando, um ao outro, podemos dizer: Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras? (Lc 24, 32). Afinal, Ele não nos descarta!

Jesus foi descartado, também, pelos habitantes de Nazaré, após a revelação de sua identidade messiânica. Como meditamos no 1° encontro (também aqui), de certa maneira, Jesus "saiu do armário" e encontrou-se com uma reação violenta: a estas palavras, encheram-se todos de cólera na sinagoga. Levantaram-se e lançaram-no fora da cidade; e conduziram-no até o alto do monte sobre o qual era construída a sua cidade, e queriam precipitá-lo dali abaixo. Ele, porém, passou por entre eles e retirou-se (Lc 4, 28-30).

Vimos no 2° encontro que o ato de descartar, no sentido mais profundo do Evangelho, refere-se a todas aquelas coisas que não nos permitem seguir a Jesus. Em primeiro lugar, evidentemente, está o pecado. Destaca-se, porém, um tipo específico de pecado, frequentemente difícil a ser admitido e que consiste no apego às coisas ou às ideias. É, especialmente, aquela maneira de avaliar as coisas e as pessoas - inclusive a si mesmo - de acordo com alguns rótulos que a mentalidade vigente entrega, já prontos, em nossas mãos. Ainda que o texto bíblico, proposto para este encontro, consista em apenas um versículo (Lc 5, 11), temos ali o contexto mais amplo:  (...) apanharam peixes em tanta quantidade, que a rede se lhes rompia. (...)  Vendo isso, Simão Pedro caiu aos pés de Jesus e exclamou: Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador. (...) Então Jesus disse a Simão: Não temas; doravante serás pescador de homens. (Lc 5, 6. 8. 10). Simão Pedro descartava a si mesmo, mas Jesus o resgatou. O Mestre não pronunciou qualquer tipo de julgamento. Ele não necessitava que alguém desse testemunho de nenhum homem, pois ele bem sabia o que havia no homem. (Jo 2, 25). Apenas disse a Simão e repete a cada um de nós: Não temas! O eco destas palavras de Cristo, encontramos na expressão que o Papa Francisco usou recentemente, referindo-se às pessoas homossexuais: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a? É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. A verdade é que muitos homossexuais, oprimidos pela mentalidade reinante, incorporam a cultura do descartável, a partir de si próprios. Sentem-se indignos, até mesmo de existir, o que tem a sua mais trágica manifestação em tantos suicídios.

O 3° encontro nos levou a contemplar as (mais descartadas pela cultura do seu tempo) mulheres, no seguimento de Jesus. Podemos acrescentar aqui mais um trecho da Carta Apostólica de João Paulo II "Mulieris dignitatem", já citada no próprio encontro: Admite-se universalmente — e até por parte de quem se posiciona criticamente diante da mensagem cristã — que Cristo se constituiu, perante os seus contemporâneos, promotor da verdadeira dignidade da mulher e da vocação correspondente a tal dignidade. Às vezes, isso provocava estupor, surpresa, muitas vezes raiando o escândalo: « ficaram admirados por estar ele a conversar com uma mulher » (Jo 4, 27), porque este comportamento se distinguia daquele dos seus contemporâneos. « Ficaram admirados » até os próprios discípulos de Cristo. O fariseu, a cuja casa se dirigiu a mulher pecadora para ungir os pés de Jesus com óleo perfumado, « disse consigo: "Se este homem fosse um profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que o toca: é uma pecadora" » (Lc 7, 39). Estranheza ainda maior ou até « santa indignação » deviam provocar nos ouvintes satisfeitos de si as palavras de Cristo: « Os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus » (Mt 21, 31) [n. 12]. A mesma "santa indignação" - como ironicamente comenta João Paulo II - está sendo provocada, ainda hoje, no coração piedoso dos discípulos de Jesus, diante da profissão de fé cristã, feita pelas pessoas homossexuais.

Chegamos, finalmente, ao 4° encontro, no qual detectamos a mesma "cultura do descartável", como o maior desafio e problema no seguimento de Jesus, de acordo com o capítulo 15 do Evangelho de Lucas. Recentemente, tive a ocasião de ouvir a pregação de um padre que analisava esta passagem bíblica. Dizia, logo no início, que existe uma conexão direta entre as duas pequenas parábolas de Jesus (sobre a ovelha perdida e sobre a mulher que perdeu uma moeda) com a grande história do pai e de seus dois filhos. O padre dizia que, assim como a ovelha, o filho mais novo, perdeu-se longe de casa, mas, com o filho mais velho, aconteceu o mesmo, só que dentro de casa - assim, como a moeda que foi perdida dentro de casa. E acrescentava: toda essa parábola foi contada por causa do filho que se perdeu por perto. Nunca saiu de casa, mesmo assim, conseguiu se perder. E pior, diferentemente do seu irmão mais novo, ele não foi capaz de admitir isso. Assim chegamos à conclusão, respondendo ao questionamento proposto, de que os desafios e os problemas no seguimento de Jesus, associam-se, também, à mentalidade do descartável. O irmão mais velho descartou o seu irmão (a ponto de não conseguir mais chamá-lo de irmão), descartou o pai e o seu amor. É muito provável que tenha descartado, também, a chance de reencontro, de inclusão, de diálogo e de reconciliação.

Jesus - tantas vezes descartado - aposta nos descartados (e, até naqueles que se autodescartam) e não descarta ninguém. Aqueles que aceitam o chamado do Senhor e se tornam discípulos-missionários, seguem o mesmo caminho. Por mais que tenham sido descartados, não descartam a esperança de um mundo melhor e, na eternidade, a plenitude da vida feliz.

Como dizia a introdução, estamos percorrendo o caminho catequético-litúrgico, marcado pelo escutar e reler as Escrituras, à luz do Mistério Pascal de Jesus e o reavivar, na certeza de que é no partir o pão, que o encontro com o Ressuscitado se faz sempre presente. É por meio desse encontro que somos chamados a anunciar a Alegre Notícia: Jesus ressuscitou e vive em nosso meio.

Não descartemos essa alegria!

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