ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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30 de junho de 2011

Cardeal insiste

É impressionante a insistência do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, quanto ao caráter ofensivo das imagens de santos usadas na recente Parada do Orgulho GLBT em São Paulo. Vale citar aqui as palavras do Evangelho: Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? (Mt 9, 4). Será que Dom Odilo tem, também, o poder de conhecer os pensamentos dos outros? Em mais um artigo, publicado no site de sua arquidiocese (aqui), o cardeal diz: Eu não queria escrever sobre esse assunto; mas diante das provocações e ofensas ostensivas à comunidade católica e cristã, durante a Parada Gay deste último domingo, não posso deixar de me manifestar em defesa das pessoas que tiveram seus sentimentos e convicções religiosas, seus símbolos e convicções de fé ultrajados. Ficamos entristecidos quando vemos usados com deboche imagens de santos, deliberadamente associados a práticas que a moral cristã desaprova e que os próprios santos desaprovariam também. (...) O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos, que viveram dignamente; e ofende também os sentimentos religiosos do povo. Ninguém gosta de ver vilipendiados os símbolos e imagens de sua fé e seus sentimentos e convicções religiosas. Da mesma forma, também é lamentável o uso desrespeitoso da Sagrada Escritura e das palavras de Jesus – “amai-vos uns aos outros” – como se ele justificasse, aprovasse e incentivasse qualquer forma de “amor”; o “mandamento novo” foi instrumentalizado para justificar práticas contrárias ao ensinamento do próprio Jesus.

Interrompo aqui a transcrição das palavras de Dom Odilo, para abrir o espaço ao autor das imagens, o fotógrafo Ronaldo Gutierrez (a entrevista com ele pode ser lida aqui). Não é bom ouvir na TV e ler nos jornais pessoas dizendo que você as está ofendendo, quando minha única intenção era ajudar. Venho recebendo algumas mensagens pesadas, que machucam. Mas já esperava por essa reação negativa. Não é com a religião que estou mexendo, é com as pessoas que dizem que mandam nela. (...) Acho a vida dos santos um exemplo de bondade e amor ao próximo, mas não é isso que vejo naqueles que comandam. Sei que a grande maioria dos católicos é formada por gente muito boa e que quer ajudar. Outros, infelizmente, aqueles que detêm os meios de comunicação, são preconceituosos e ignorantes.

Voltando ao texto do cardeal, lemos: A Igreja católica refuta a acusação de “homofóbica”. Investiguem-se os fatos de violência contra homossexuais, para ver se estão relacionados com grupos religiosos católicos. A Igreja Católica desaprova a violência contra quem quer que seja; não apoia, não incentiva e não justifica a violência contra homossexuais.

Após essa contradição (um tanto velada), o autor comete outras. Ao dizer sobre o atendimento aos portadores do vírus HIV, lemos que a Igreja a Igreja foi pioneira no acolhimento e tratamento de soro-positivos, sem questionar suas opções sexuais. Logo em seguida o cardeal (visivelmente indeciso) afirma que a sexualidade não depende de “opção”, mas é um fato de natureza e dom de Deus, com um significado próprio, que precisa ser reconhecido, acolhido e vivido coerentemente pelo homem e pela mulher.

Ainda mais curiosa é a frase que diz: Embora respeitando as pessoas homossexuais e procurando acolhê-las e tratá-las com respeito, compreensão e caridade, ela [a Igreja] afirma que as práticas homossexuais vão contra a natureza; essa não errou ao moldar o ser humano como homem e mulher. Essa coisa de acolher as pessoas homossexuais pela Igreja e tratá-las com respeito, nem vou comentar...

O fragmento a seguir requer uma reflexão especial. Antes, responda quem quiser, a duas perguntas: [1] Qual é a organização interessada em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano? [2] Será que colocar no mesmo saco a homossexualidade, o descontrole nos ecossistemas, doenças e desastres ambientais, não induz o leitor (e o fiel católico) à homofobia?

Dom Odilo continua: Causa preocupação a crescente ambiguidade e confusão em relação à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico, que merece uma séria reflexão, em vez de um tratamento superficial e debochado, sob a pressão de organizações interessadas em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano. Mais do que nunca, hoje todos concordam que o desrespeito às leis da natureza biológica dos seres introduz neles a desordem e o descontrole nos ecossistemas; produz doenças e desastres ambientais e compromete o futuro e a sustentabilidade da vida. Ora, não seria o caso de fazer semelhante raciocínio, quando se trata das leis inerentes à natureza e à identidade do ser humano? Ignorar e desrespeitar o significado profundo da condição humana não terá consequências? Será sustentável para o futuro da civilização e da humanidade?

O final do texto revela mais um equívoco: As ofensas dirigidas não só à Igreja Católica, mas a tantos outros grupos cristãos e tradições religiosas não são construtivas e não fazem bem aos próprios homossexuais, criando condições para aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito contra eles. E não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles; e são filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros.

Falando de ofensas à Igreja católica e a tantos outros grupos cristãos, no contexto das imagens usadas na Parada, o cardeal, provavelmente, esqueceu-se de um fato, conhecido por todos e não apenas pelos teólogos. É, justamente, o uso das imagens pela própria Igreja católica, que tantos outros grupos cristãos (sobretudo evangélicos) consideram ofensivo em si. Quanto à última frase, só posso dizer que, exatamente, é com dignidade, em paz conosco mesmos e com os outros que queremos viver. Mas, por enquanto, a Igreja (que o cardeal representa) não deixa!

29 de junho de 2011

Reações à Parada

O avanço da tecnologia fez com que muita gente se tornou escritor, filósofo, jornalista, fornecedor de ideias, promotor de campanhas. Sem dúvida, podemos chamar isso de progresso. Por outro lado, a poluição ideológica torna-se mais provável. Também, com a quantidade de mensagens, é difícil responder a todas (e se responder, não há garantia de que tal resposta seja compreendida).

Uma das pessoas, cujo perfil consta na minha lista de amigos de Facebook, escreveu [transcrevo literalmente]: Todo cristão é contra a homofobia, se não é contra, NÃO é cristão. Nossos valores estão baseados no amor e respeito ao próximo, até msm qdo ñ somos amados e respeitados! Usar Ícones cristãos e textos da Sagrada Escritura p debochar e ridicularizar nossa fé cristã, é desrespeitar nossos valores. Quem quer respeito, precisa saber respeitar! DIGA "NÃO" A HOMOFOBIA E TB "NÃO" AO DESRESPEITO A RELIGIÃO.

Concordo com a primeira parte (desde que não fique apenas no nível de belas teorias). Quanto à segunda parte, pergunto: quem disse que os organizadores da recente Parada do Orgulho GLBT em São Paulo usaram as imagens de santos para debochar e ridicularizar a fé cristã? Só porque retrataram santos musculosos, ou seja, bonitos? Cada um tem o seu padrão de beleza. E se, tanto o uso das imagens, quanto o lema da Parada ("Amai-vos uns aos outros"), tidos como deboche (conhecemos a opinião do cardeal Scherer), fossem, de fato, um gesto sincero (ainda que um pouco desajeitado) de estender mão na direção dos cristãos, para iniciar uma conversa?

Para mim, as reações "do lado de lá", mostram a persistência do preconceito. Dessa maneira, tudo que for feito ou dito "do lado de cá", será entendido como provocação.

28 de junho de 2011

Não quero brigar

A comemoração do Dia Mundial do Orgulho LGBT (hoje, 28 de junho), leva-me à reflexão futurista. Compreendo, apoio e acompanho a luta atual pelos direitos e pela dignidade do povo LGBT (com o qual me identifico de coração). Reconheço, também, que - como em todo tipo de guerras e revoluções - nem todos os métodos possuam a mesma eficácia (ou, mesmo, razão) e, às vezes tenho a impressão de termos dado um ou outro passo para trás. Mas, como dizem, isso faz parte de todo um processo. É, justamente, nesta concepção - de um processo - que ponho a minha esperança. Espero estar ainda vivo quando o processo em questão der fruto principal que é a normalidade. Ou seja, quando não vamos precisar mais lutar. Ah, sim! Sempre haverá uma necessidade de novas conquistas e de - digamos - manutenção das metas alcanaçadas anteriormente. Espero, porém, o fim daquela guerra desesperada. Não quero mais brigar. Quero viver em paz. Neste sentido, vêm à minha mente as figuras de Martin Luther King, Mahatma Gandhi ou de Nelson Mandela. Ninguém vai dizer que os seus sonhos realizaram-se completamente, mas, ainda que faltem coisas para consertar, aquilo que existe, pode ser chamado de certa normalidade. Espero, portanto, que daqui a uns anos, o Dia Mundial do Orgulho LGBT (quem sabe, um feriado), será a ocasião para fazer piquenique no parque (depois de uma Missa de ação de graças) e relembrar o passado doloroso que tinha valido a pena de ser vivido, mas que, felizmente, será mesmo um passado. Alguém pode me chamar de otimista exagerado. Eu sei, também, que alguns militantes GLBT só se veem lutando, mas, repito, eu não quero mais brigar.

26 de junho de 2011

um copo de água

Acho incríveis aquelas imprecisões linguísticas em alguns trechos da Bíblia? Seria algo proposital? Ou, talvez, seja apenas uma questão de tradução? Pode ser, também, que tenha sido eu quem dormiu nas aulas de português. No Evangelho de hoje (Mt 10, 37-42), Jesus diz, entre outras coisas: Quem der, ainda que seja apenas um copo de água fresca, a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa. (v. 42) Quem teria de ser o discípulo do Senhor: um desses pequeninos, ou quem está dando o copo de água fresca? O versículo anterior (Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a recompensa de justo. v.41), sugere a primeira resposta. Seria uma atitude de exercer a caridade para com um cristão, por ele ser cristão. Mas, isso não parece estranho, diante de outras afirmações de Jesus? Por exemplo: Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? (Mt 5, 46-47) Ou seja, se dais um copo de água fresca somente ao pequenino que pertence à vossa tribo, que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Vejamos, então, a segunda opção: Dê um copo de água fresca a quem quer que seja, por você ser o cristão. Até porque, se aplicarmos a analogia daquele versículo de "receber um profeta, por ser profeta e um justo, por ser justo", teria que ser: "dar um copo de água a um desses pequeninos, por [ele] ser pequenino". Infelizmente, na prática, temos ainda muito daquela postura partidária entre nós, cristãos. Talvez, por termos algum tipo de medo (fobia) daquilo e daquele que é diferente. Mas, isso significa que o Evangelho não penetrou suficientemenete a nossa mentalidade e o nosso coração. Ainda estamos no nível dos pagãos e precisamos de evangelização, ou, usando o termo de Pe. Alírio Pedrini, de amorização. Precisamos aprender a acolher e/ou dar um copo de água fresca a um desses pequeninos, por exemplo, um[a] homossexual. Acolher, por sermos cristãos...

25 de junho de 2011

as razões cardeais

Confesso! Estou fazendo um jogo de palavras, lembrando de virtudes cardeais (prudência, justiça, fortaleza e temperança), ou de pontos cardeais (os quatro pontos de referência que permitem a orientação: leste, sul, oeste, norte). "Cardo", em latim, quer dizer dobradiça, eixo em torno do qual gira alguma coisa. No caso da dobradiça, gira a porta, no caso do eixo da terra, giram os quatro pontos cardeais. No caso das virtudes, em torno das quatro virtudes cardeais, giram as outras virtudes. Mas, também, o cardeal é um alto dignitário da Igreja Católica, que assiste o Papa em diversas competências. Entre todos os seus atributos, encontram-se (certamente) as quatro virtudes cardeais. E as pontas do crucifixo que ele carrega no seu peito, simbolizam, também (por que não?), a sua nobilíssima missão de orientar (e não desorientar!) o povo de Deus. Por isso estou falando das "razões cardeais" que, perfeitamente, poderiam ter o nome de "razões do cardeal".

O meu problema, que vou tentar apresentar hoje, consiste em concordar com a maioria das razões que o cardeal Odilo Scherer apresenta em mais um artigo e, ao mesmo tempo, saber que as mesmíssimas razões estão sendo usadas por ele, para defender as teses com as quais não concordo. Deu para entender? Pois é. Eu também tenho essa dificuldade.

O artigo "Homem e mulher ele os criou", curiosamente, não foi publicado no portal da CNBB, mas está disponível no site da Arquidiocese de São Paulo (aqui). O sugestivo título, bem como o contexto de afirmações anteriores (comentadas por mim aqui, e aqui), inscrevem-se claramente na crescente onda de polêmicas sobre a homossexualidade, em perspectiva da próxima Parada do Orgulho LGBT em São Paulo. Ninguém tem dúvida sobre o ponto de vista da Igreja (e do cardeal em particular) sobre esse assunto. Uma leitura atenta, porém, deixa o leitor um tanto desorientado. Você já tentou tomar uma sopa com o garfo? Ou tirar água do poço com uma peneira? É, mais ou menos, essa impressão que tenho ao ler o texto de Dom Odilo. Vamos tentar ler e analisar...
O pensamento cristão procura compreender e explicar o ser humano à luz do desígnio de Deus sobre o homem e a mulher; esse desígnio pode ser conhecido pela natureza das coisas e pela revelação divina, recolhida na Sagrada Escritura. Assim, a antropologia cristã afirma que o ser humano é composto de dois gêneros: masculino e feminino. “Homem e mulher Deus os criou” (Gn 1,27), constata o autor sagrado, depois de relatar de maneira poética que Deus decidiu criar o ser humano à sua imagem e semelhança.
Ainda que o autor não esteja dizendo isso abertamente, supõe-se aqui a tese, segundo a qual Deus teria criado apenas o ser humano heterossexual. Aquela frase bíblica, repetida com insistência em todos os textos doutrinais da Igreja, é tida como o argumento fundamental para condenar a homossexualidade, como se um gay fosse menos homem e uma lésbica menos mulher. Deixando essa ideia de lado, o texto do cardeal está perfeitamente aceitável, bem como o trecho em seguida:

Afirma ainda a antropologia cristã que o ser humano não é fruto de uma evolução caótica, mas de um querer divino, sábio e bom, que não é difícil de ser reconhecido na própria natureza humana: na sua corporeidade, sua inteligência, vontade e capacidades naturais, orientadas não apenas para a sobrevivência, mas também para a busca da verdade e da plenitude do viver. O homem é dotado de liberdade e tem a capacidade de discernir e de decidir-se pelo bem ou pelo mal. No exercício da liberdade está uma das bases da grandeza e da dignidade do homem.

O ser humano, portanto, não é ‘esta metamorfose ambulante’, que segue vagando pela vida sem saber quem é, o que quer, para quê vive, por que é aquilo que é; nem está preso a um determinismo cego, que o acorrenta aos acontecimentos, sem que ele possa fazer-se senhor das próprias decisões. Cabe-lhe tomar conta de si mesmo e viver de forma responsável, conforme sua dignidade e sua natureza.
Tenho aqui uma observação semelhante à anterior. Somente sustentando a estranha tese de que a homossexualidade é algo contra a natureza que as nobres afirmações do prelado ganham o tom de acusação ou condenação da homossexualidade. Ao abandonarmos tal equívoco, vamos concordar com o cardeal sobre a importância de tomar conta de si mesmo e viver de forma responsável, conforme sua dignidade e sua natureza.

Agora vem a bomba. Um verdadeiro espetáculo digno de aplausos (caso não exista todo um contexto antigay). Um aspecto importante desse “viver conforme à sua natureza” consiste em assumir a própria identidade sexual. Há muita confusão sobre isso na cultura atual e a sexualidade já não é levada a sério, como um fato de natureza, mas é tida como um fenômeno cultural. Nem mesmo a diferenciação sexual entre masculino e feminino é levada a sério; corre muito a idéia de que a identidade sexual é moldada pela cultura e pela subjetividade e que cada um “constrói” a sua identidade sexual; a diferenciação sexual no corpo humano seria apenas um “fato secundário” e contaria mais aquilo que o sujeito decide ser. Identidade sexual seria uma questão de opção.
O interessante é que, justamente, a própria Igreja parece sustentar a teoria de "opção sexual". Nenhum homossexual sensato acredita ter escolhido a própria identidade sexual. De novo, vejo-me aplaudindo o arcebispo que, querendo ou não, acaba denunciando a fragilidade de toda argumentação católica vigente. Tenho, para mim, duas explicações distintas: ou o cardeal mudou de lado, ou continua andando para trás, repetindo as ideias que vigoravam há 30-40 anos (ou mais).

A consequência disso é que aumentam os comportamentos sexuais pouco definidos, nem masculinos, nem femininos. Sempre mais se fala de homossexuais, bissexuais, transexuais... Em tal contexto, ser heterossexual, com identidade definida de homem (masculino) e de mulher (feminina) aparece apenas como uma entre as tantas possibilidades e opções quanto à identidade sexual. A pergunta que fica no ar é, se não há um grave equívoco nisso? Vai ficar assim daqui por diante? Aonde vai levar isso?!
As interrogações são interessantes. E as afirmações, geram novas perguntas, por exemplo, o que seria o tal de "comportamento masculino ou feminino"? Concordo plenamente com a parte que diz: "ser heterossexual (...) aparece apenas como uma entre as tantas possibilidades quanto à identidade sexual". Retirei o termo "opções", de acordo com as (minhas) conclusões anteriores. Por isso respondo: Sim, Eminência! Há um grave equívoco em falar de opção! E espero que não vai ficar mais assim daqui por diante (compartilho a sua preocupação!). A pergunta mais importante á a última: Aonde vai levar isso?! Aqui, sim, há duas opções. Ou "isso" vai nos levar, finalmente, à plena aceitação do desígnio de Deus que quis ter a sua obra-prima tão rica e diversificada, ou então, infelizmente, vai nos levar a atitudes ainda mais preconceituosas, anticristãs e desumanas. Esta é, justamente, a opção de cada um de nós.

Para a antropologia cristã, a confusão quanto à identidade sexual, que se espalha sempre mais na cultura, não deixa de levantar uma séria preocupação. Para o pensamento cristão, a diferenciação sexual (homem e mulher) deve ser levada plenamente a sério; a sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, na sua unidade de alma e corpo. Ela diz respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar; de maneira mais geral, diz respeito à aptidão de criar vínculos serenos de comunhão com os outros.
Devo acrescentar aqui que a confusão quanto à identidade sexual, espalha se não somente na cultura, mas também na Igreja e realmente deve preocupar. Concordo plenamente que a diferenciação sexual (homem e mulher, homossexual, bissexual, heterossexual, etc.) deve ser levada plenamente a sério, pois a sexualidade afeta todos os aspectos da vida. Até agora, mesmo sem a capacidade de procriar dentro do relacionamento que lhes é próprio, os homossexuais sofrem uma pressão insuportável por parte da grande parte da sociedade que, apoiada pela doutrina oficial da Igreja, tenta privá-los do direito de viver a sua afetividade e de criar vínculos serenos de comunhão com os outros. Obrigado, Dom Odilo, por perceber e apontar isso!

Cabe a cada homem e mulher reconhecer e aceitar a própria identidade sexual. As diferenças e complementariedades físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do casamento e da família. A harmonia do casal e da sociedade depende, em parte, da maneira como se vivem entre os sexos a complementariedade e o apoio recíprocos. A pretensão de mexer nessa harmonia que Deus estabeleceu entre os sexos e de submeter a identidade sexual ao arbítrio da vontade, tão influenciável por fatores culturais e dinâmicas sócio-educativas (ou ‘deseducativas’...), é uma temeridade, que não promete bons frutos para o futuro da humanidade.
Fiquei admirado com a primeira (espetacular) frase desse trecho. Espero que a Igreja, por exemplo, através de uma Pastoral de Diversidade Sexual, ajude a todos os que tiverem alguma dificuldade ou medo de reconhecer e aceitar a própria identidade sexual. Espero que a Igreja também reconheça e aceite a identidade sexual de todos. Não seria nisso, porventura, a realização das palavras divinas "Chegou até vós o Reino de Deus"? Concordo, também com as frases seguintes que falam sobre tudo aquilo que contribui para o bem da família e da sociedade. De fato, mexer nessa harmonia e nessa diversidade que o próprio Deus estabeleceu, não promete bons frutos para o futuro da humanidade.

A Igreja Católica, portanto, vê com preocupação a crescente ambiguidade quanto à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico. Evidentemente, isso não justifica qualquer tipo de violência e agressão contra homossexuais ou quem quer que seja, mas é um convite a uma reflexão séria. Não é possível que a natureza tenha errado ao moldar o ser humano como homem e mulher. Isso tem um significado e é preciso descobri-lo e levá-lo a sério.
Aqui fiquei na dúvida se a Igreja vê com preocupação a crescente ambiguidade quanto à identidade sexual, que vai tomando conta dela própria. Se não tiver percebido isso, cada uma de suas advertências sobre a violência e agressão contra homossexuais, continuará sendo pura hipocrisia. Fiquei curioso um pouco com a personificação da natureza, pois sempre pensei que foi o próprio Criador que tenha moldado o ser humano, mas, também, não posso esperar tanta precisão do autor...

Para quem deseja a verdade e busca conformar sua vida ao desígnio de Deus, permanece o convite a se deixar conduzir pela luz da Palavra de Deus e pelo ensinamento da Igreja também no tocante à moral sexual. O 6º mandamento da Lei de Deus (“não pecar contra a castidade”) não foi abolido e significa, positivamente, viver a sexualidade de acordo com o desígnio de Deus.
Pois é, senhor cardeal. Acho que toda a questão está em nosso entendimento do desígnio de Deus. Quanto ao 6° mandamento, a Bíblia transmite-o de forma um pouco diferente daquela versão fornecida pelos catecismos católicos e citada pelo cardeal ("não pecar contra a castidade"), isto é: Não cometerás adultério. (Ex 20, 14; Deut 5,18). Mas isso já é outro assunto...

24 de junho de 2011

Corpus Christi

Transcrevo algumas frases da homilia de Bento XVI, pronunciada nesta quinta-feira (Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo), na Basílica de São João de Latrão em Roma. O texto na íntegra pode ser encontrado no site da Canção Nova (aqui). Como de costume, sublinhei algumas afirmações do Papa.

Aquilo que Jesus nos deu na intimidade do Cenáculo, hoje o manifestamos abertamente, porque o amor de Cristo não é reservado a alguns, mas é destinado a todos.

A Eucaristia, enquanto une-nos a Cristo, abre-nos também aos outros, torna-nos membros uns dos outros: não somos mais divididos, mas uma coisa somente n'Ele. A comunhão eucarística me une à pessoa que tenho ao lado, e com a qual talvez não tenha sequer um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as partes do mundo.

Quem reconhece Jesus na Hóstia Santa reconhece-o no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é forasteiro, nu, doente, encarcerado; e está atento a cada pessoa, compromete-se, de modo concreto, com todos aqueles que estão em necessidade. Do dom de amor de Cristo provém, portanto, a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa, fraterna.

O Evangelho procura sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou econômicos, mas sim a partir do senso de responsabilidade de uns com relação aos outros, porque nos reconhecemos membros de um mesmo corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e aprendemos constantemente do Sacramento do Altar que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.

Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhamos pelas estradas do mundo, levando dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber-nos simples grãos, preservamos a firme certeza de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e terra nova, em que reinam a paz e a justiça – e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria.

23 de junho de 2011

Analogias de Corpus Christi

Em grande parte do mundo celebra-se hoje a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi). Algumas regiões têm os mesmos festejos transferidos para o próximo domingo. De acordo com a doutrina da Igreja católica, esta festa, estendida pelo papa Urbano IV, em 1264 a toda a Igreja Latina, constitui, por um lado, uma resposta de fé e de culto às doutrinas heréticas acerca do mistério da presença real de Cristo na Eucaristia e, por outro, foi a coroação de um movimento de grande devoção ao augusto Sacramento do altar. A Igreja sempre defendeu o seu direito de manifestar publicamente a própria fé, quer dizer, a sua identidade de um povo reunido em torno de Cristo vivo, realmente presente na Santíssima Eucaristia. A motivação original de responder às heresias do século XIII, ganhou um novo sentido diante da crescente laicização da sociedade moderna. É como dizer ao mundo de hoje: nós, católicos, não concordamos em permanecer trancados em nossas igrejas e, por isso, saímos pelas ruas e praças públicas para manifestar a todos quem somos e em que acreditamos. Uma vez por ano, portanto, tiramos Jesus Eucarístico do sacrário para levá-lo, atravessando cidades e aldeias.

Ora, quem não sabe, o sacrário (ou tabernáculo) é uma espécie de armário, onde fica guardado o Santíssimo Sacramento (as Hóstias consagradas durante a Missa). Seria uma blasfêmia dizer que, na Solenidade de Corpus Christi, o próprio Jesus, sai do armário? Seria um abuso tecer analogias entre a procissão eucarística pelas ruas, com a manifestação pública realizada, também, uma vez por ano e promovida pelas pessoas que vivem a sua realidade de GLBTS? Aqui e ali, trata-se de mostrar o conteúdo das convicções pessoais, ou melhor, o amor que essas ou aquelas pessoas vivem e cultivam. Ambos os grupos não concordam em levar uma vida clandestina e, por isso, fazem questão de manifestar-se publicamente. E essa regra vale tanto para os momentos solenes (procissões e paradas), quanto para todas as manifestações públicas, ainda que feitas individualmente. Assim como um católico pode fazer o sinal da cruz ao passar em frente de uma igreja, do mesmo modo, as pessoas que se amam, têm o direito de expressar o seu afeto em público. A proibição arbitrária desses gestos deve ser vista como intolerância. Sabemos que, na prática, não é bem assim. Enquanto a Igreja protesta contra qualquer legislação que pretenda limitar a sua liberdade religiosa, ela mesma toma atitudes exatamente contrárias quando a questão é a liberdade de expressão do mundo GLBTS.

Observação final [1]: Não concordo com as iniciativas de alguns militantes da diversidade sexual que fazem questão em promover eventos, justamente, nos dias de comemorações religiosas. A ideia de confronto não me soa bem. Por outro lado, não compreendo e não aceito a incoerência daqueles que defendem o seu direito de expressão pública e, ao mesmo tempo, condenam os outros por lutarem pelo mesmo direito.

Observação final [2]: Ao falar sobre analogias, não pretendo dizer que a procissão de Corpus Christi seja a mesma coisa que a Parada do Orgulho Gay. Estou mostrando apenas as motivações e dinâmicas parecidas, bem como a semelhança maior que consiste em manifestação pública do amor. Evidentemente, há diferenças. Na procissão eucarística adoramos a divindade do Filho do Homem. Na parada do orgulho GLBT proclamamos a humanidade dos filhos de Deus.

Leia, também, aqui sobre Jesus que sai do armário.
Outros textos para a Festa de Corpus Christi:

22 de junho de 2011

pérolas e porcos


Confesso que sempre quando escrevo aqui, tenho a sensação de um olhar crítico que (supostamente) me acompanha. Aquela sensação (suposição) diminui, ao lembrar-me de que, provavelmente, não tenho tantos leitores assim e, estes que tenho, estão no "mesmo barco", portanto a leitura deles, talvez, não tenha sido tão crítica. Mesmo assim, algo me diz que, caso as minhas reflexões chegassem às pessoas, digamos, "cristãs-ortodoxas" (no sentido de uma adesão incodicional à doutrina oficial da Igreja e não de uma denominação), logo teria recebido as mais duras críticas, relacionadas, sobretudo, ao simples fato de escrever do ponto de vista de um homossexual e católico, mais do que, propriamente, ao conteúdo dos meus textos. Uma das coisas que imagino, desde o dia em que comecei a comentar as leituras bíblicas proclamadas na liturgia, é aquela observação sarcástica de um "alguém" que diria: "Tá vendo! Não tem coragem de falar sobre todos os textos!". O Evangelho de ontem (terça-feira) seria um dos exemplos dessa minha "omissão". Por isso, mesmo tendo passado de meia-noite, recorro às passagens bíblicas do dia que, há pouco, acabou. Não quero me justificar ou tentar explicar qualquer coisa, até porque, não assumi compromisso algum com ninguém sobre isso. Ou seja, não sou (ainda) um colunista em nenhum dos sites ou jornais católicos. Quem sabe, um dia...

Fiquei pensando o dia inteiro sobre as palavras de Jesus que alguém, talvez, gostasse de "jogar na minha cara", justamente, devido ao fato de eu ter "ousado" tocar nos assuntos sagrados. Não deis aos cães as coisas santas, nem atireis vossas pérolas aos porcos; para que eles não as pisem com o pés e, voltando-se contra vós, vos despedacem. (Mt 7, 6) Não tenho a menor dúvida de que existem - e muitos - os católicos e evangélicos "ortodoxos" (não quero usar o termo "fundamentalistas" embora o sentido seja o mesmo) que digam: "Permitir que um gay fale sobre a Bíblia é o mesmo que dar aos cães as coisas santas e atirar pérolas aos porcos". E nem preciso dizer quem seriam esses cães ou porcos (nós, homossexuais, já ouvimos coisas piores a nosso respeito). Permito-me, entretento, propor uma interpretação diferente e a minha argumentação não terá nada inventado, mas vem da própria leitura. Aliás, do conjunto das leituras, conforme a orientação da própria Igreja: A estrutura atual [do Lecionário], além de apresentar com frequência os textos mais importantes da Escritura, favorece a compreensão da unidade do plano divino, através da correlação entre as leituras do Antigo e do Novo Testamento, centrada em Cristo e no seu mistério pascal. Certas dificuldades que se sentem ao querer identificar as relações entre as leituras dos dois Testamentos devem ser consideradas à luz da leitura canônica, ou seja, da unidade intrínseca da Bíblia inteira. Onde se sentir a necessidade, os organismos competentes podem prover à publicação de subsídios que tornem mais fácil compreender o nexo entre as leituras propostas pelo Lecionário, que devem ser todas proclamadas na assembleia litúrgica, como previsto pela liturgia do dia. (Bento XVI, Exortação Apostólica Verbum Domini, n° 57)

Pois bem. É, justamente, no "nexo entre as leituras", que vejo uma pista para esta reflexão. A primeira leitura, tirada do Livro de Gênesis (Gn 13,2.5-18), além de contar sobre a sábia decisão de Abrão (de se separar de Ló, para evitar a discórdia), menciona a cidade de Sodoma e os seus habitantes que eram péssimos, e grandes pecadores diante do Senhor. (v. 13) Faço uma simples pergunta (que vejo, justamente, no conjunto de dois textos): será que insistir em usar as passagens bíblicas, referentes à cidade de Sodoma, como o "martelo dos gays", não é o mesmo que dar as coisas sagradas aos cães e atirar pérolas aos porcos? Só que, neste caso, os cães e os porcos, não são os homossexuais, mas aqueles que os odeiam e perseguem. O uso da Sagrada Escritura para incitar o ódio e o preconceito é ilícito e indigno do nome de cristão. À luz dessa observação, ganham um novo sentido as palavras de Jesus da mesma leitura do Evangelho: Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. Nisto consiste a Lei e os Profetas. (v. 12) Você quer ser respeitado? Respeite! Até as frases seguintes podem ajudar aos cristãos a compreenderem e aceitarem a diversidade dos outros, por mais estreita seja a porta e apertado o caminho, o ato de acolher os irmãos "diferentes", leva à vida! (cf. v. 14)

19 de junho de 2011

Trindade = AMOR


Neste domingo, dedicado à Santíssima Trindade, deixo aqui as palavras do Papa Bento XVI, pronunciadas na mesma solenidade, em 2009 (aqui):

Em tudo o que existe está num certo sentido gravado o "nome" da Santíssima Trindade, porque todo o ser, até às últimas partículas, é um ser em relação, e assim transparece o Deus-relação, transparece por fim o Amor criador. Tudo deriva do amor, tende para o amor e se move impelido pelo amor, naturalmente com diferentes graus de consciência e de liberdade. (...) A prova mais forte de que fomos criados à imagem da Trindade é esta:  somente o amor nos torna felizes, porque vivemos em relação, e vivemos para amar e ser amados. Utilizando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano traz no seu "genoma" o vestígio profundo da Trindade, de Deus-Amor.

18 de junho de 2011

Deus Trindade

Por que os cristãos acreditam na Trindade? Não é já bastante difícil crer que existe Deus como para acrescentarmos o enigma de que é «uno e trino»? - pergunta Pe. Raniero Cantalamessa (capuchinho, pregador da Casa Pontifícia) em sua homilia (aqui). E continua: A resposta é que os cristãos acreditam que Deus é trino porque creem que Deus é amor! (...) Deus é amor em si mesmo, antes do tempo, porque desde sempre tem em si mesmo um Filho, o Verbo, a quem ama com amor infinito, que é o Espírito Santo. Em todo amor há sempre três realidades ou sujeitos: um que ama, um que é amado e o amor que os une. Ali onde Deus é concebido como poder absoluto, não existe necessidade de mais pessoas, porque o poder pode ser exercido por um só; mas não é assim se Deus é concebido como amor absoluto.

A contemplação da Trindade pode ter um precioso impacto em nossa vida humana. É um mistério de relação. As pessoas divinas são definidas pela teologia como «relações subsistentes». Significa que as pessoas divinas não têm relações, mas que são relações.

A felicidade e a infelicidade na terra dependem em grande medida, sabemos, da qualidade de nossas relações. A Trindade nos revela o segredo para ter relações belas. O que faz bela, livre e gratificante uma relação é o amor em suas diferentes expressões. Aqui se vê quão importante é contemplar a Deus antes de tudo como amor, não como poder: o amor doa, o poder domina. O que envenena uma relação é querer dominar o outro, possui-lo, instrumentalizá-lo, em vez de acolhê-lo e entregar-se.

A primeira leitura da Solenidade [Ex 34, 4b-6. 8-9] nos apresenta o Deus bíblico como «misericordioso e clemente, lento para a cólera e rico no amor e na fidelidade». (...) As guerras santas do passado e o terrorismo religioso do presente são uma traição, não uma apologia, da própria fé. Como se pode matar no nome de um Deus ao qual se continua proclamando «o Misericordioso e o Compassivo»?

Celebremos, portanto, a Solenidade da Santíssima Trindade e, ao contemplarmos o seu mistério indizível, aprendamos a cultivar as nossas relações (para que sejam belas!). Se você tem a felicidade de amar e de ser amado(a), saiba que a própria Trindade Santa se revela em e para você. O seu amor é a epifania de Deus no mundo.

Viver na Igreja

Mencionei, há um tempo, a Terceira Lei de Newton (“Para cada ação há sempre uma reação, oposta e de mesma intensidade”) [aqui] e hoje volto a usá-la como o ponto de partida para nova reflexão. Confesso (mais uma vez) que o artigo de Dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, deixou-me um tanto inquieto/irritado. Daí a minha reação [1, 2], talvez dura demais. Continuo sustentando a minha opinião de que o autor (naquele texto) tenha usurpado para si o direito divino de julgar as pessoas (e o amor delas), o que, para um representante de Cristo na terra, simplesmente, não convém. Jesus deixou isso muito claro: Não julgueis, e não sereis julgados (Mt 7, 1) e São Paulo (no final do texto interpretado por muitos como condenação da homossexualidade), também adverte: Assim, és inescusável, ó homem, quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. (Rm 2, 1 - tradução da Bíblia Ave Maria). Percebi, entretanto, que eu mesmo, ao entrar nessa "briga", caí na mesma cilada, ainda que indiretamente. Quer dizer, julguei-o, por ele ter julgado. É que a minha crítica, mesmo que se refira a um texto apenas, pode deixar uma impressão generalizada (e injustamente negativa) sobre o autor em questão. Certamente, trata-se de um servo de Deus, pastor da Igreja, homem de confiança do Papa, etc. Sim, sendo um homem, é passível de erros (só o Papa é infalível, e só em alguns casos específicos), mas não é por isso que vamos jogar no lixo tudo o que ele escreve. Como prova, recomendo agora um artigo diferente (e excelente) de Dom Odilo. Não espero que o cardeal aprove o contexto desta minha recomendação, mas acho que as suas palavras possam servir perfeitamente para motivar as nossas tentativas em promover uma séria e bem estruturada Pastoral de/para Homossexuais (ou, melhor, da Diversidade). Transcrevo apenas um trecho, mas o artigo inteiro merece atenção (leia aqui). Sublinhei algumas frases...

A vida cristã pode ser definida como “seguimento de Cristo”; é estar a caminho com Jesus Cristo, pela vida afora (“eu estarei sempre com vocês...”), deixando-se atrair sempre mais por ele, aprendendo dele e tentando praticar o que dele aprendemos. Não vamos sozinhos, mas conosco seguem, no mesmo caminho, tantos outros irmãos, também discípulos do Senhor e membros da Igreja, que nos apóiam e aos quais devemos apoiar; acompanham-nos os santos do céu com sua intercessão e seu exemplo de vida, dando-nos força e coragem para perseverar e seguir em frente.

Viver “na Igreja” e sentir-se parte dela é essencial na vida cristã; caminhar sozinhos é muito difícil e desaconselhável; vamos com os irmãos, na Igreja, comunidade de fé, na comunhão dos santos. Ninguém é filho de Deus sozinho, nem discípulo solitário do Senhor... Por isso, a vida cristã requer a participação nos atos de vida comunitária, como a santa Missa dominical, as outras celebrações da Igreja e os sacramentos. Em tempos de afirmação crescente do individualismo, é necessário cultivar intensamente a dimensão comunitária da fé e da vida cristã.

17 de junho de 2011

olho doente

O olho é a lâmpada do corpo. Se o teu olho é sadio, todo o teu corpo ficará iluminado. Se o teu olho está doente, todo o corpo ficará na escuridão. Ora, se a luz que existe em ti é escuridão, como será grande a escuridão. (Mt 6, 22-23)

Depois da última postagem (aqui) fiquei inquieto por não ter comentado mais sobre aquele artigo do cardeal Scherer (aqui). A primeira ideia que me vinha era a respeito da arte de escrever. O texto pode estar dentro dos padrões de gramática/linguística, teologia e até - quem sabe - lógica. Mas, ao mesmo tempo, pode ser altamente antipedagógico. Os professores de língua portuguesa, os teólogos e os profissionais em direito, podem se debruçar sobre tal redação e dizer que tudo está em ordem. Quando, porém, um "leitor comum" lê aquilo, as coisas ficam diferentes. Um redator sábio e respeitador da pessoa do leitor, pensa nos efeitos de sua própria erudição e não usa truques baratos de lavagem cerebral (leia sobre isso aqui). O que dizer sobre a frase na qual Dom Odilo põe na mesma linha (equipara): amor possessivo, ciumento, irresponsável diante das consequências, anárquico, promíscuo, violento, sádico, devasso, egoísta, comprado ou vendido, contrário à natureza? Um dos truques que revelam má fé é colocar o termo mais importante no final da frase. Acrescente ainda o contexto geral do artigo - a condenação da Parada Gay de São Paulo pelo uso das palavras de Jesus "Amai-vos uns aos outros" - e você terá o perfil completo do autor e a intenção real para escrever tais coisas. O problema é o mesmo que Jesus aponta no Evangelho de hoje: Se o teu olho está doente, todo o corpo ficará na escuridão. Ora, se a luz que existe em ti é escuridão, como será grande a escuridão. Ninguém duvida que, ao falar do "amor contrario à natureza", o cardeal tenha se referido aos homossexuais. Ainda que não concordemos com tal conceito (debatido veementemente pela ciência), vamos tolerá-lo por um instante, para perceber o pecado ainda mais grave. Apresentar a lista que comporta - e tem intenção de igualar - o amor homossexual com amor possessivo, ciumento, irresponsável diante das consequências, anárquico, promíscuo, violento, sádico, devasso, egoísta, comprado ou vendido, é um ato anticristão e desumano. Os bajuladores do cardeal, juntamente com os católicos ingênuos de um lado e, de outro, os preconceituosos homofóbicos, acabam de receber mais uma arma para odiar e agredir os homossexuais. A esperteza do autor do texto consiste em falar muito mais nas entrelinhas do que literalmente. Já imagino aquele sorriso cínico e a resposta: "mas eu nem usei a palavra homossexual!".

Não sei até quando vamos suportar as autoridades (religiosas, políticas, etc.) que nos acham idiotas. Pior que, enquanto tenhamos como dar (ou não) o voto de confiança a um representante político do povo, não podemos fazer o mesmo em relação às autoridades eclesiásticas. Por isso temos prelados que, não raramente, mostram-se possessivos, ciumentos, irresponsáveis diante das consequências, anárquicos, promíscuos, violentos, sádicos, devassos, egoístas - pelo menos seus sermões e artigos, pois é Deus (e só Ele) quem julga a sua vida pessoal e a sua consciência. E se alguém usurpa para si o direito de julgar o meu amor, é porque os seus olhos estão doentes (cf. Mt 6, 22).

16 de junho de 2011

amai-vos

A 15ª Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, marcada para o próximo dia 26 de junho (veja a programação completa aqui), tem como o lema as palavras de Jesus "Amai-vos uns aos outros", complementadas pelo apelo "Basta de homofobia!". Como era de se esperar, os representantes de Igrejas cristãs, não deixam de reagir. No site da CNBB (aqui) e na "Folha de São Paulo" foi publicado o artigo do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo. Entre outras coisas, Dom Odilo escreve: Jesus não excluiu a ninguém do seu amor. Amou pessoas concretas, defendendo e restituindo a dignidade aos humilhados; amou os doentes, os pobres, as crianças, os homens, as mulheres. Em cada pessoa viu e amou um filho de Deus. Acolheu e perdoou os pecadores, mesmo não aprovando todos os seus comportamentos e atitudes, recomendando-lhes que não voltassem a pecar. Ensinou a amar também os inimigos e, ainda no momento extremo de seu suplício na cruz, ele próprio perdoou aos algozes: “Pai, perdoai-lhes; não sabem o que fazem”. Amou com amor puro, genuíno, transparente, sem apossar-se das pessoas como se fossem objetos de desejo; amou como Deus ama. Sim, amadas por Jesus, as pessoas sentiam-se amadas por Deus, dignificadas, profundamente valorizadas, restituídas à vida, felizes.


Logo em seguida, porém, manda um recado para os organizadores e participantes da Parada: “Amai-vos uns aos outros”, é apenas uma parte do mandamento novo de Jesus; sem a outra parte – “como eu vos amei” -, as belas palavras de Jesus ficam genéricas, ambíguas, expostas à instrumentalização subjetiva e ao deboche desrespeitoso. De fato, várias supostas maneiras de amar não são recomendadas por Jesus: amor possessivo, ciumento, irresponsável diante das consequências, anárquico, promíscuo, violento, sádico, devasso, egoísta, comprado ou vendido, contrário à natureza... Não são expressões de autêntico amor e, no mínimo, não podem pretender-se legitimadas pela recomendação de Jesus – “amai-vos uns aos outros”.

E encerra o seu artigo com a seguinte conclusão: Instrumentalizar essas palavras sagradas para justificar o contrário do que elas significam é profundamente desrespeitoso e ofensivo, em relação àquilo que os cristãos têm como muito sagrado e verdadeiro.

A eloquência do discurso não é capaz de substituir a razão, mas, infelizmente, mostra a enorme dificuldade (ou mesmo inviabilidade) de qualquer diálogo. Ainda bem que haja alguém que discorde com essa (minha) opinião desanimadora sobre a (impossível) comunicação entre a Igreja e o mundo GLBTS.

No último sábado (11/06), o 9º. Ciclo de Debates (que faz parte da programação oficial do 15º Mês do Orgulho LGBT de São Paulo) discutiu as relações entre religião, Estado e movimento LGBT. A pesquisadora associada do Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS (NEPAIDS/USP), Cristiane Gonçalves da Silva, disse que é possível dialogar com a base de religiosos, independente do reacionarismo que têm manifestado suas lideranças parlamentares e clericais (leia matéria sobre isso aqui). Para Cristiane, há uma falta de espaços reais de diálogo sobre o assunto. Por isso, uma parcela grande dos religiosos ficam restritos ao acesso às informações de seus pastores, que por interesses particulares, distorcem os fatos e as argumentações para seu público. “Ainda que alguns achem utópico, considero o diálogo com estes setores um caminho possível, pois a maioria dos crentes só recebe a mensagem de que têm que ser contra os direitos LGBT para não serem presos, conforme prevê a lei em discussão”, apostou ela, ressaltando que as autoridades religiosas representam o dogma muito mais do que as vivências religiosas individuais. A escola se constitui o lugar privilegiado para o diálogo com comunidades religiosas mais fechadas, já que na mídia a maioria dos debates se dá entre radicais. Para ela, é possível, também, utilizar da internet como ferramenta para esse diálogo possível e necessário.

É aqui que entramos nós, blogueiros, apesar de toda a modéstia de meios que temos...

nossa oração




Ouvimos na liturgia destes dias o ensinamento de Jesus sobre a oração. É importante não tirarmos conclusões equivocadas que poderiam colocar em dúvida a nossa vida espiritual e, portanto, a nossa fé. Os textos do Evangelho de hoje (Mt 6, 7-15) e de ontem (Mt 6, 1-6. 16-18) trazem algumas afirmações enigmáticas de Jesus: [ontem] Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. (...) Quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. (Mt 6, 5-6); [hoje] Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. (Mt 6, 7) Diante deste ensinamento, parece que a maior parte da prática devocional da Igreja está errada. A própria Missa, as procissões (como na festa de Corpus Christi) e tudo o mais que contém a oração pública por um lado e, por outro, os terços, ladainhas e até a liturgia das horas, entre outros - tudo parece contradizer a orientação do Senhor sobre a oração discreta, individual e com poucas palavras. Na prática, as conclusões rápidas, levam-nos a contestar e abandonar a Igreja ou, pelo menos, alimentam o fervor de nossas criticas. Qual é a solução?

A leitura mais atenta permite-nos perceber as referências que Jesus faz para ilustrar os erros de postura de quem ora: os hipócritas e os pagãos. A primeira “categoria” é constituída, sem dúvida, pelos religiosos judaicos da época (fariseus, doutores da Lei, etc.), o que podemos constatar em outras passagens (cf. Mt 23, 1- 36; Mc 12, 38-40; Lc 11, 37-54. 20, 45-47). A segunda engloba os pagãos (isto é, todos os não-judeus). Em ambos os casos, o que desqualifica a oração, não é a sua forma (pública/privada, muitas/poucas palavras), mas, sim, a motivação. Os hipócritas oram e fazem várias outras coisas para serem vistos pelos homens. Os pagãos acreditam no poder de suas próprias palavras, mais do que no poder de Deus, aproximando-se assim de um conceito mágico da prece.

No contexto, digamos, máximo da revelação bíblica, a oração nada é senão o colóquio amoroso do homem com Deus. O Catecismo da Igreja Católica fala que a fé (expressa, entre outras formas, em oração), é a resposta ao amor revelado de Deus. Todo mundo sabe perfeitamente que quem ama, embora consiga expressar os sentimentos sem palavras, vive multiplicando, e até inventando, as palavras dirigidas ao amado. Se analisarmos, por exemplo, a ladainha ao Sagrado Coração de Jesus (ou qualquer outra), vamos notar uma analogia nítida com aquela linguagem de apaixonados que substituem o nome da pessoa amada por “lindo(a)”, “fofo(a)”, “bem”, “amor”, entre milhares de outros termos. Ao tratar-se de uma resposta amorosa, percebemos que Deus que nos amou primeiro (cf. 1Jo 4, 19), também fala de maneiras mais variadas, entre as quais, destaca-se a Sagrada Escritura. Ali, o próprio Deus, multiplica as palavras. O interessante é que essa multiplicidade, paradoxalmente, chama-se a Palavra de Deus (em singular). Aí percebemos o segredo. Deus nos dirige uma única palavra: “eu te amo” de muitíssimas maneiras, sem alterar a mensagem, a ponto de a própria mensagem tornar-se o Verbo Encarnado, Jesus Cristo. Podemos dizer, portanto, que Deus espera de nós, também, uma única palavra de resposta: “eu te amo”, ainda que falada de milhares de formas. Assim Jesus corrige a postura de quem, ao orar, mistura a declaração de amor com, por exemplo, barganha ou chantagem (o famoso “toma lá dá cá”). Quanto à oração pública, esta também não está proibida pelo fato de ser pública, desde que tenha a motivação correta, isto é, o amor. Desta maneira, a oração inscreve-se na lista das formas de testemunhar a fé. O próprio Jesus que passava noites inteiras em oração pessoal, não evitava as ocasiões para orar em público. O exemplo clássico é a súplica diante do túmulo de Lázaro: Pai, eu te dou graças porque me ouviste! Eu sei que sempre me ouves, mas digo isto por causa da multidão em torno de mim, para que creia que tu me enviaste. (Jo 11, 41-42) Ou, um pouco mais tarde: Pai, glorifica o teu nome! Veio, então, uma voz do céu: “Eu já o glorifiquei, e o glorificarei de novo”. A multidão que ali estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”. Jesus respondeu: “Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por vossa causa. (Jo 12, 28-30)

Percebemos que a essência da oração consiste no amor e a coerência da postura de quem ora, chama-se sinceridade. Ser autêntico na oração e na vida descarta qualquer tipo de fingimento. Isso é importante também para nós homossexuais. A identidade sexual, por mais que leve esse nome, não diz respeito apenas ao sexo, mas a tudo que somos e fazemos. Não será, portanto, exagero dizer que a nossa oração é homossexual.

15 de junho de 2011

verdadeira adoração

O Papa Bento XVI dedicou a sua catequese de hoje ao profeta Elias (leia na íntegra aqui). Já é o sexto discurso nessa série de catequeses sobre a oração, proferidas pelo Papa no Vaticano às quartas-feiras. Ao concluir o resumo da história bíblica sobre Elias, Bento XVI disse: Os Padres dizem-nos que também essa história de um profeta é profética, está – dizem – à sombra do futuro, do futuro Cristo; é um passo no caminho rumo a Cristo. E dizem-nos que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que guia o Senhor até a cruz, até o dom total de si. A verdadeira adoração de Deus, portanto, é dar a si mesmo a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração a Deus não destrói, mas renova, transforma. Certamente, o fogo de Deus, o fogo do amor queima, transforma, purifica, mas mesmo assim não destrói, mas sim cria a verdade do nosso ser, recria o nosso coração. E, assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade.

Em nossa realidade de pessoas homossexuais, muitas vezes ouvimos - e acabamos acreditando - que amar (de um determinado jeito) é errado, portanto, proibido. Entretanto, amamos de maneira que nos foi dada pelo Criador. Como disse o Papa, o amor cria a verdade do nosso ser. Quanto mais nos damos conta do nosso amor, descobrimos melhor quem somos. É interessante, também, olhar ao amor do ponto de vista proposto pelo Papa. A verdadeira adoração é o amor. Será um equívoco dizer: o amor é a verdadeira adoração?

Bento XVI falou sobre o significado da palavra "adoração" aos jovens reunidos na Esplanada de Marienfeld em Colônia, durante XX Jornada Mundial da Juventude (2005): A palavra grega ressoa proskynesis. Ela significa o gesto da submissão, o reconhecimento de Deus como a nossa verdadeira medida, cuja norma aceitamos seguir. Significa que liberdade não quer dizer gozar a vida, considerar-se absolutamente autônomos, mas orientar-se segundo a medida da verdade e do bem, para, desta forma, nos tornarmos nós próprios verdadeiros e bons. Este gesto é necessário, mesmo se a nossa ambição de liberdade num primeiro momento resiste a esta perspectiva. Fazê-la completamente nossa só será possível na segunda passagem que a Última Ceia nos apresenta. A palavra latina para adoração é ad-oratio - contato boca a boca, beijo, abraço e, por conseguinte, fundamentalmente amor. A submissão torna-se união, porque Aquele ao qual nos submetemos é Amor. Assim, submissão adquire um sentido, porque não nos impõe coisas alheias, mas liberta-nos em função da verdade mais íntima do nosso ser. (Leia a homilia do Papa aqui).

Quando você estiver experimentando o amor e, por exemplo, beijando a boca da pessoa amada, não-se esqueça que está adorando a Deus.

Prêmio Ratzinger




De acordo com o Portal GaudiumPress (aqui), um patrólogo italiano (leigo), um sacerdote espanhol e um jovem cisterciense alemão são os primeiros vencedores do "Prêmio Ratzinger", instituído pela "Fundação Vaticana Joseph Ratzinger - Bento XVI". A cerimônia de entrega será na Sala Clementina do Palácio Apostólico, no Vaticano, no próximo dia 30 de junho, e contará com a presença do próprio Papa, que entregará pessoalmente os prêmios. Cada um dos vencedores receberá um diploma do Papa com um cheque de 50 mil euros. Os fundos provêm dos direitos de autoria dos livros do Papa, mas também de doadores particulares. A escolha dos três ganhadores foi feita pelo comitê científico da Fundação e confirmada pelo Santo Padre. Os critérios para a escolha, segundo os organizadores, são três: a excelência do estudo; pessoas pouco conhecidas e premiadas até agora, e/ou jovens teólogos; não exclusão de teólogos de outras profissões cristãs, não se restringindo a católicos somente. A Fundação Vaticana Joseph Ratzinger - Bento XVI, com sede na Via della Conciliazione, em Roma, pretende promover o pensamento teológico através de diversas iniciativas culturais e científicas. A primeira delas é o "Prêmio Ratzinger", entregue uma vez por ano.

Não sei bem como fazer isso na prática, mas gostaria que fosse inserido na lista de candidatos para este prêmio, quem sabe, no ano que vem, o jovem teólogo, ainda pouco conhecido e premiado até agora que, entretanto, apresenta a excelência do estudo em uma área pouco explorada pela teologia católica. O candidato, JAMES ALISON, nascido em 1959 em Londeres, é sacerdote jesuíta, teólogo e escritor. Estudou, viveu e trabalhou no México, Brasil, Bolívia, Chile e Estados Unidos, bem como sua terra natal, a Inglaterra. Obteve o doutorado em Teologia pelas Faculdades Jesuítas de Belo Horizonte. Na introdução ao livro de James Alison "Fé Além do Ressentimento: Fragmentos católicos em voz gay" (São Paulo: É Realizações, 2010), o seu professor de Belo Horizonte, Pe. João Batista Libanio escreveu: Conheci Alison quando fez teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, tendo-o como aluno. (...) Já naqueles idos percebia que ali jazia enorme potencial cultural, que se desabrochou em teologia tão criativa como aparece no livro. Vale dele naquele tempo o provérbio latino: ex digito gigans. Pelo dedo se conhece o gigante. (...) Alison trabalha com imensa originalidade textos e contextos bíblicos do Primeiro e do Segundo Testamento. Consegue, sem forçar a exegese, conduzir o leitor à profunda compreensão da passagem bíblica. Logo no primeiro capítulo, nos surpreende com releitura extremamente original e fecunda da cura do cego de nascimento. Escapa das interpretações comuns e conhecidas, introduzindo o leitor, com sutileza, em novo campo hermenêutico. (...) Não se trata de clássica obra acadêmica, mas de ensaio com toques geniais e originais. Esse tipo de escrito não necessita de carregar-se de outras autoridades. Vale por ele mesmo. Isso o autor passa com modéstia no livro.

Enfim... Em outra postagem (aqui) deixei mais algumas informações, além das dicas sobre como adquirir o livro. Agora é só promover uma campanha para levar James Alison ao "Prêmio Ratzinger". Alguém tem ideia como fazer isso?


14 de junho de 2011

A Igreja



O "Portal Um" publicou (aqui) a homilia de Bento XVI proferida no dia de Pentecostes. Além das belas frases sobre Jesus [que] tem dignidade divina e Deus [que] tem o rosto humano de Jesus, o Papa fala bastante sobre a Igreja. Esperamos, cada vez mais, que essas palavras não fiquem, simplesmente, no ar, mas que se tornem realidade:

Recitando o Credo, nós entramos no mistério do primeiro Pentecostes: da confusão de Babel, daquelas vozes que clamam uma contra a outra, acontece uma transformação radical: a multiplicidade torna-se unidade multiforme, do poder unificador da Verdade cresce a compreensão. No Credo que nos une de todos os cantos da Terra, que, através do Espírito Santo, faz com que nos compreendamos mesmo na diversidade de línguas, através da fé, esperança e amor, se forma a nova comunidade da Igreja de Deus.

O Espírito Santo vivifica a Igreja. Ela não deriva da vontade humana, da reflexão, da habilidade do homem e da sua capacidade de organização, porque se assim fosse há muito tempo ela teria morrido, conforme passam todas as coisas humanas. Ela é o Corpo de Cristo, animada pelo Espírito Santo.

A Igreja é Católica desde o primeiro momento, que a sua universalidade não é fruto da inclusão sucessiva de várias comunidades. Desde o primeiro instante, o Espírito Santo a criou como a Igreja de todos os povos; ela abraça o mundo inteiro, supera todas as fronteiras de raça, classe e nação; derruba todas as barreiras e une as pessoas na profissão do Deus Uno e Trino. Desde o início, a Igreja é una, católica e apostólica: esta é a sua verdadeira natureza e como tal deve ser reconhecida. Ela é santa, não por causa da capacidade de seus membros, mas porque o próprio Deus, com o seu Espírito, a cria e santifica para sempre.

Eu já li (ou ouvi), em algum lugar que, em muitos ambientes e por várias autoridades, os termos "raça" e "classe" são considerados ultrapassados. Por outro lado, nunca me reparei com a expressão "raça/classe" homossexual (ou, mais aplamente: GLBTT), mas - tirando qualquer impressão pejorativa - acredito que, tal (pelo menos) "classe" exista mesmo e, apesar de algumas dificuldades, aos poucos, esteja tomando consciência disso. E não é a "classe" no sentido marxista, quer dizer, não é um grupo de pessoas que procura apenas estar contra outras classes, mas é - como se costuma dizer às vezes - uma comunidade. Como seria bom e bonito, se os gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais e transgêneros, construíssem uma "classe", baseada no respeito mútuo, no intercâmbio de seus conhecimentos e experiências e não apenas numa luta contra alguém (muitas vezes, contra o "resto do mundo"). E, seria ainda melhor e mais bonito se essa comunidade/classe fosse reconhecida e acolhida pela Igreja, como sugere - ainda que indiretamente - o discurso do Papa.


mitologia católica


São muito de recomendar os exercícios piedosos do povo cristão, desde que estejam em conformidade com as leis e as normas da Igreja, e especialmente quando se fazem por mandato da Sé Apostólica. (Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum concilium sobre a Sagrada Liturgia, n° 13)

Na ocasião da memória litúrgica de Santo Antônio, aparecem os problemas antigos e nunca resolvidos que podemos chamar de "mitologia católica". Justamente como na religiosidade da Grécia Antiga havia Afrodite - deusa do amor e da beleza, Ares - deus da guerra, Hades - deus da morte, e Atena - deusa da sabedoria e da coragem (e muitos outros personagens), assim nós temos Santo Antônio casamenteiro, São Pedro que cuida (ou não) da meteorologia e, também, uma série de especialistas em causas impossíveis. Para conseguir um marido (não sei se vale para uniões de pessoas do mesmo sexo), aconselha-se colocar o Santo de cabeça para baixo em um copo d'água, ou tirar o Menino Jesus do colo da imagem, e só devolver depois que se consegue um marido (ou, pelo menos, namorado). Vale muito, também, uma promessa, por exemplo, de comparecer nas 13 novenas, ininterruptamente, durante um ano. Sem falar das coisas mais modernas e bastante simples, como mandar imprimir alguns milhares de "santinhos", certamente com alguma "oração milagrosa" no verso. Não falta, nessas horas, a presença generosa da soberana mídia, que faz questão de dedicar a esse assunto seus preciosos minutos. E como sabemos, uma grande parte do "povo católico" costuma basear as suas convicções, inclusive religiosas, naquilo que vê e ouve na telinha. Não é de estranhar que os evangélicos zombam da Igreja católica. Culpados somos também nós, os "devotos".

Achei interessante como a liturgia de hoje parece trazer a resposta clara a este tipo de equívocos. Vale lembrar que trata-se, simplesmente, de segunda-feira da XI semana do tempo comum e não de um formulário próprio, dedicado a Santo Antônio.  

Na primeira leitura (2Cor 6,1-10) temos a exortação e uma espécie de autodefesa de Paulo: Nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus (v. 1). Em tudo nos recomendamos como ministros de Deus, com muita paciência, em tribulações, em necessidades, em angústias, em açoites, em prisões, em tumultos, em fadigas, em insônias, em jejuns, em castidade, em compreensão, em longanimidade, em bondade, no Espírito Santo, em amor sincero, em palavras verdadeiras, no poder de Deus, em armas de justiça, ofensivas e defensivas, em honra e desonra, em má ou boa fama; considerados sedutores, sendo, porém, verazes; como desconhecidos, sendo porém, bem conhecidos; como moribundos, embora vivamos; como castigados, mas não mortos; como aflitos, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo muitos; como quem nada possui, mas tendo tudo. (vv. 4-10) Parece que Santo Antônio (o ministro de Deus, como conhecido, sendo porém, bastante desconhecido), também quer se defender de todo exagero e distorção. Mas, ele não precisa de defesa, porque está na glória do céu e nada o pode atingir. Ele, de fato, gostaria de defender o próprio povo. E, certamente, conta com os pregadores e catequistas (que o têm por padroeiro), que teriam coragem de repetir a expressão de Jesus do Evangelho de hoje (Mt 5,38-42), também no contexto das devoções, ou melhor, da espiritualidade: Ouvistes o que foi dito...? Eu, porém, vos digo... (cf. vv. 38-39). Ou seja, não é bem assim...

O mesmo serve para muitos outros assuntos. Também para o tema da homossexualidade. Ouvistes o que foi dito? Eu, porém, vos digo...

13 de junho de 2011

Igreja é diversidade



A Solenidade de Pentecostes inspirou vários bispos a escreverem as suas reflexões que, suponho, tenham sido expostas, também, em seus sermões. No site da CNBB (aqui) alguns textos chamaram a minha atenção. Dom Pedro Carlos Cipolini, Bispo Diocesano de Amparo – SP, em seu artigo “Pentecostes: Festa da Unidade na Diversidade” (aqui), escreve: Pela linguagem do amor, o Espírito une a diversidade na força do ressuscitado: “Um só Senhor, uma só fé um só batismo” (Ef 4,5). O mesmo Espírito produz a multiplicidade de dons e ao mesmo tempo produz a unidade, pois o Espírito Santo é o amor de Deus que tudo une. O mundo de hoje, maravilhoso no seu aspecto tecnológico e científico, precisa de um novo Pentecostes, para perceber que é o Espírito Santo de Deus, a fonte de toda novidade, inspiração e força criativa do ser humano. Desde o início, o Espírito pairava sobre tudo o que era criado (Gn 1,2). É necessário considerar que em nível interno da Igreja, o Espírito Santo nos convida à unidade. A paixão pelo Reino é inseparável da paixão pela unidade: somos membros diversos do mesmo Corpo (Rm 12, 3-8; 1Cor 12, 3-13).

Ideologizar a mensagem do Evangelho é um perigo que ronda nossas comunidades. Quando isto acontece, a Igreja se torna “casa de estranhos”, como um hotel onde as pessoas estão juntas, mas não unidas, reunidas, mas não unidas. Em nível externo, a força e o dinamismo do Espírito Santo, impelem a Igreja para a missão. O Espírito Santo desinstala sempre a comunidade, para que vá avante e seja criativa nos meios, métodos e linguagem, que a evangelização exige.

E hoje, em tempo de mudanças, ou melhor, em mudança de época como se convencionou caracterizar nossa realidade vista de forma abrangente, mais que nunca é necessário ouvir o que diz o Espírito Santo à Igreja (cf. Ap 2,27). Mais que nunca é necessário perceber os “sinais dos tempos” que pedem uma “conversão pastoral” (cf. Doc. de Aparecida n. 365-366). Conversão pastoral que só é possível, na fidelidade ao Espírito Santo que conduz a Igreja, inspirando-lhe “a necessidade de uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais” (Doc. De Aparecida n. 367).

Na força do Espírito que recebemos, o qual nos inspira e ampara, tenhamos a paixão pela unidade, saibamos sofrer para construí-la na diversidade e adversidade. Ao mesmo tempo tenhamos a paixão pela missão, cada dia mais urgente e exigente.

Há quem diga que os homossexuais apropriaram-se do termo “diversidade”. Não concordo com isso, antes acredito que nós, o “mundo GLBTS”, somos como uma pedrinha no rico e belo mosaico (e não no sapato) da humanidade e, portanto, da Igreja. Algo neste sentido fala o outro artigo da mesma coleção, usando a figura de vitral que não deixa de ser uma espécie de mosaico. É o texto de Dom Salvador Paruzzo, bispo de Ourinhos – SP que diz (aqui): Admirando o maravilhoso efeito destes vitrais compostos por centenas de pedaços de vidros coloridos, harmoniosamente coligados e chumbados, fiquei imaginando como será a Igreja quando se realizará o sonho de Jesus, expresso na oração sacerdotal. Polemizando com o conceito do “sonho de Jesus” (leia aqui a minha reflexão sobre a oração de Jesus), dou plena razão ao autor em uma das frases subsequentes: Certamente o Inimigo, que é chamado de Diabo, cuja palavra originária significa “aquele que divide”, continua realizando a sua missão sem parar, continua separando as famílias, os partidos políticos, os torcedores de futebol, as raças, os povos, ricos e pobres, jovens e adultos etc. Dom Salvador conclui: Certamente vai chegar o tempo em que todas estas igrejas e comunidades, que nascem para ir ao encontro das necessidades da humanidade, como tantos pedaços de vidros de diferentes cores, pela força do Espírito Santo, se harmonizarão entre elas para formar um maravilhoso vitral. Será a glória de Jesus, a unidade realizada, a Igreja que Ele sonhou e pela qual derramou o seu sangue.

Só posso dizer: Amém!

Namoro é Pentecostes



Não sei se você costuma assistir o seriado "CSI-Las Vegas/Nova York/Miami" na Rede Record. Há uma cena que se repete em quase todos os capítulos. O perito insere no sofisticado sistema de identificação os vestígios de impressões digitais coletados na cena do crime. Você já sabe o resultado. Quando a impressão encontrada naquele local corresponde aos dados armazenados no sistema, acende-se uma luz e o sinal sonoro é acionado.

Por que estou falando nisso? Nós também temos um sistema parecido e ainda mais sofisticado. É quando encontramos aquela pessoa única que dará o novo sentido à nossa vida. Justamente, como na tela do computador de um investigador forense, passam diante dos nossos olhos milhares de rostos e siluetas, mas o sistema só apita e acende aquela luz verde, quando encontramos a pessoa certa. Sem dúvida, é um mistério que não acontece sem que o próprio Deus tenha metido o seu dedo ali. Costuma-se chamar isso de química ou, mais popularmente, de um "clima que pinta". Mas não é um clima qualquer e, quando pinta, é algo totalmente diferente. A sensação que a gente tem é como se conhecesse aquela pessoa há séculos, quem sabe, numa outra encarnação (caso a reencarnação existisse). Surgem fenômenos de comunicação ultra-sensorial, algum tipo de telepatia ou, pelo menos, a compreensão instantânea em um só olhar, sorriso ou gesto. Nasce o amor. Começa o namoro.

Veja agora o Cenáculo de Pentecostes. De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava. (At 2, 2-4) Deus também gosta de usar os sinais sonoros e a luz que se acende no momento certo. Maria, os Apóstolos e os demais discípulos foram identificados e alcançados pelo amor de Deus em Pessoa, o Espírito Santo. Cheios deste amor, saíram, corajosos e proclamaram em todas as línguas, o fim da solidão do mundo. Deus começou a namorar a humanidade de um jeito novo.

Por isso acho que a coincidência, neste ano, de Pentecostes com o Dia dos Namorados, não é coincidência.