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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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30 de setembro de 2013

A coragem do diálogo

 
Mais uma vez, as palavras do Papa Francisco. Mais uma vez, o receio de que a sua voz tenha sido aquela que grita no deserto, portanto, ouvida por... ninguém. Ou, mesmo ouvida, ignorada por todos. Pior: ouvida e entendida, mas "traduzida", isto é, distorcida, para que não alcance o seu objetivo.
 
O Papa discursou hoje aos participantes do encontro internacional para a paz, promovido pela Comunidade de Santo Egídio. O encontro, chamado “A coragem da esperança - religiões e culturas em diálogo”, reuniu em Roma 400 representantes das principais religiões e representantes da vida política e cultural da Europa e do mundo vindos de 60 países. Entre as palavras do Santo Padre, destaco:
 
No mundo, na sociedade, há pouca paz também porque falta o diálogo, é difícil sair do estreito horizonte dos próprios interesses para abrir-se a uma verdadeira e sincera comparação. Pela paz é necessário um diálogo determinado, paciente, forte, inteligente, para o qual nada está perdido.  O diálogo pode vencer a guerra. O diálogo faz viver junto pessoas de diferentes gerações, que muitas vezes se ignoram; faz viver junto cidadãos de diversas proveniências étnicas, de diversas convicções. O diálogo é o caminho da paz. Porque o diálogo favorece o entendimento, a harmonia, a concórdia, a paz. Por isto é vital que cresça, que se alargue entre os povos de toda condição e convicção como uma rede de paz que protege o mundo e, sobretudo, protege os mais frágeis.
 
De modo especial, digamos com força, todos, continuamente, que não pode haver alguma justificativa religiosa para a violência. Não pode haver alguma justificativa religiosa para a violência, de nenhum modo que essa se manifeste. (...) Os líderes religiosos são chamados a ser verdadeiros “dialogantes”, a agir na construção da paz não como intermediários, mas como autênticos mediadores. (...) Cada um de nós é chamado a ser um artesão da paz, unindo e não dividindo, eliminando o ódio e não o conservando, abrindo os caminhos do diálogo e não levantando novos muros! Dialogar, encontrar-nos para instaurar no mundo a cultura do diálogo, a cultura do encontro.
 
Para que um diálogo seja possível, é necessário remover os principais obstáculos, inclusive alguns conceitos ultrapassados. Foi isso que aconteceu no início de uma nova fase de diálogo entre católicos e judeus. Em 1963, por ocasião da Sexta-Feira Santa, João XXIII mandou suspender a oração da liturgia que se referia aos judeus por “pérfidos” (leia mais aqui). Naquela mesma época foi dado um passo para frente no diálogo entre católicos e ortodoxos: em 1965, mediante um ato conjunto, o Patriarca Ecumênico Atenágoras e o Papa Paulo VI eliminaram e cancelaram da memória e da vida da Igreja a sentença da excomunhão entre Roma e Constantinopla. Recentemente o Conselho Pontifício da Cultura, inspirado nas palavras do Papa Bento XVI, criou  um projeto chamado "Átrio dos gentios", como lugar de encontro e de diálogo, espaço de expressão para os que não creem e para os que se colocam questões sobre a própria fé, uma janela sobre o mundo, sobre a cultura contemporânea e uma escuta das vozes que aí ressoam.
 
Será possível o diálogo entre as pessoas homossexuais e a Igreja? Quais são os (pre)conceitos que deveriam ser repensados, antes de sentar à "mesa redonda" e conversar?
 
A Igreja, mesmo tendo declarado ser de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objeto de expressões malévolas e de ações violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam, continua insistindo que a necessária reação diante das injustiças cometidas contra as pessoas homossexuais não pode levar, de forma alguma, à afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada. Em outro documento, a Igreja afirma: A homossexualidade, que impede à pessoa de alcançar  a sua maturidade sexual, seja do ponto de vista individual, como interpessoal, é um problema que deve ser assumido pelo sujeito e pelo educador, quando se apresentar o caso, com toda a objetividade. A ideia de definir a homossexualidade como falta de maturidade, aparece em outros textos e parece ser a base de toda a doutrina da Igreja sobre este assunto.
 
A consequência direta de considerar as pessoas homossexuais como imaturas é a categórica negação de quaisquer direitos, inclusive civis, a essas pessoas. O texto de "Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais", assinado em 1992 pela Congregação para a Doutrina da Fé, diz, por exemplo:  As pessoas homossexuais, como seres humanos, têm os mesmos direitos de todas as pessoas, inclusivamente o direito de não serem tratadas de maneira que ofenda a sua dignidade pessoal. Entre outros direitos, todas as pessoas têm o direito de trabalhar, de ter uma habitação, etc. Todavia, estes direitos não são absolutos. Podem ser legitimamente limitados por motivos de conduta externa desordenada. Isto, às vezes, é não só lícito, mas obrigatório. (...) Incluir a «tendência homossexual» entre as reflexões, na base das quais é ilegal discriminar, pode facilmente levar a afirmar que a homossexualidade é uma fonte positiva de direitos humanos, por exemplo, no que se refere aos chamados direitos de ação afirmativa ou ao tratamento preferencial no que se refere à admissão ao trabalho. Isto é ainda mais deletério se considerarmos que não existe um direito à homossexualidade, o que não deveria, portanto, constituir a base para reivindicações jurídicas. A passagem do reconhecimento da homossexualidade como fator, na base do qual é ilegal discriminar, pode facilmente levar, se não de modo automático, à proteção legislativa e à promoção da homossexualidade. A homossexualidade de uma pessoa seria invocada em oposição a uma discriminação declarada e, assim, o exercício dos direitos seria defendido exatamente mediante a afirmação da condição homossexual, em vez de em termos de uma violação dos direitos humanos básicos. (...) Além disso, existe o perigo de a legislação, que faz da homossexualidade uma base para certos direitos, encorajar deveras uma pessoa tendencialmente homossexual a declarar a sua homossexualidade ou até mesmo a procurar um parceiro, aproveitando-se assim das disposições da lei.
 
Se não fosse tão triste, mereceria uma boa gargalhada. O problema consiste na postura da Igreja que nega às pessoas homossexuais (por serem imaturas) os mais básicos direitos humanos. Muito provavelmente, o direito ao diálogo, encontra-se no meio da lista de "direitos inexistentes", declarada pela Igreja. A minha esperança está nos exemplos da história recente. Os inexistentes (pérfidos) judeus foram, finalmente, considerados dignos de diálogo, assim como os inexistentes (excomungados) ortodoxos, sem falar dos gentios que, apesar desse nome, nitidamente pejorativo, foram admitidos ao "átrio" da Igreja...
 
Quanto à imaturidade, vale a pena citar aqui a opinião de A. W. Richard Sipe, da Escola de Medicina da Universidade John Hopkins (o texto reproduzido no livro "Abuso espiritual & vício religioso" de Matthew Linn, Sheila Fabricant Linn e Dennis Linn; Ed. Verus, Campinas, SP; 2000):
 
É evidente que a Igreja instituída está num estágio pré-adolescente de desenvolvimento psicossexual. Este é um período tipicamente anterior aos 11 anos de idade. (...) Em geral o sexo é exteriormente rejeitado com rigor, mas é secretamente explorado. A severidade se estende a regras rigorosas de inclusão e de exclusão. Controle e anulação são de extrema importância. Essa estrutura instituída, apesar de incluir os indivíduos que a superaram em maturidade, está dominada e entrincheirada num nível de funcionamento que não pode enfrentar as realidades sexuais da adolescência, muito menos a igualdade e sexualidade de homens e mulheres maduros (p. 50).
 
Os autores do livro desenvolvem este pensamento: Uma Igreja estagnada, presa no estágio pré-adolescente de desenvolvimento, é limitada em sua habilidade de lidar com questões sexuais e ditar normas sexuais (...). Assim sendo, muitos católicos questionam as normas da Igreja em assuntos da sexualidade, tais como divórcio, novo casamento, controle de natalidade, aborto, homossexualidade, celibato obrigatório para os padres, ordenação de mulheres e limitações, para os homens, do poder de tomar decisões importantes. Muitas dessas pessoas apreciam os bons valores da Igreja, tais como a sacralidade em todas as circunstâncias da vida humana, a intuição de que a reprodução é um elo sagrado com a criatividade de Deus e o valor sacramental do amor conjugal. Contudo esses valores se perdem nas discussões sobre questões sexuais. Uma das razões por que isso acontece pode ser o fato de a Igreja instituída, que interpreta e promove esses valores, estar frequentemente presa no estágio pré-adolescente do desenvolvimento psicossexual. Assim, a mensagem principal que muitas pessoas recebem não é a dos bons valores da Igreja, mas o medo fundamental das mulheres e da sexualidade. É essa atitude negativa e medrosa que muitas pessoas rejeitam quando questionam os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade (p. 50-51).
 
Sem dúvida, a coragem de dialogar, é um dos elementos fundamentais de maturidade.

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