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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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20 de setembro de 2013

Atrás da cortina de ferro


O termo "cortina de ferro" foi usado para designar a divisão da Europa em duas partes (ocidental e oriental), como áreas de influência político-econômica distintas, após a II Guerra Mundial, no período chamado "guerra fria", enquanto existia a União Soviética. Um fenômeno que dura várias décadas, ainda que acabe, continua exercendo a sua principal influência que consiste, sobretudo, em divisões e diferenças culturais. A maioria das fontes atribui a autoria deste termo ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill que teria usado tal expressão em um discurso no ano de 1946. O outro termo, um pouco menos conhecido, é "homo sovieticus" que facilmente traduzimos do latim como "o homem soviético", para designar um tipo de mentalidade que se formou, justamente, pelas décadas de uma sistemática lavagem cerebral, através de educação e propaganda, acompanhadas pela cruel opressão.
 
Quando lemos as notícias sobre os atos de homofobia - tanto em forma oficial, digamos, estatal, quanto em sua dimensão popular, cultural - por exemplo na Rússia, ou em outros países que, neste sentido, ainda permanecem atrás da "cortina de ferro", precisamos ter em conta este contexto da história recente. É por isso que merecem um destaque especial todos os sinais positivos daquilo que podemos chamar de "primavera de tolerância". É o caso do filme polonês, cujo título podemos traduzir como "Em nome (de)" e que faz referência direta ao sinal da cruz: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". O filme foi apresentado no Festival de Cinema de Berlim (Berlinale), neste ano e, embora não tenha recebido o sonhado Urso de Ouro, ganhou o prêmio independente Teddy Award, como melhor filme com temática gay do Festival de Berlim.
 

É muito importante notar que o objetivo do filme e a sua mensagem principal não formam qualquer acusação ou julgamento, antes, retratam a realidade que, não apenas atrás da "cortina de ferro", é uma experiência, vivida por vários (não poucos, mesmo!) padres católicos. Fala sobre isso, por exemplo, Pe.  José Lisboa, em seu livro “Acompanhamento de vocações homossexuais” (falei sobre este livro aqui e aqui):
 
Hoje, em toda parte, aumenta cada vez mais o número de vocacionados e vocacionadas homossexuais. (...) No Brasil, a presença de homossexuais nos seminários, no meio da hierarquia, já é bem visível. (...) Na maioria das vezes, os casos permanecem velados, pois ainda existe muito preconceito contra esse tipo de conduta sexual. Além do mais, os altos escalões da hierarquia ainda preferem negar e até proibir a reflexão pública sobre essa realidade. Há os que, consciente ou inconscientemente, escondem a sua condição debaixo da capa das aparências da ortodoxia, da fidelidade, do rigorismo, do moralismo e das vestes eclesiásticas. (...) Diante disso, percebo que a confusão é geral. A hierarquia, na maioria das vezes, encontra-se perdida e não sabe o que fazer. (...) Penso, porém, que é preciso encarar essa realidade de maneira diferente. Deixando de lado os preconceitos, com bastante naturalidade e tranquilidade, sem superficialidade, e sem fazer vista grossa para as questões mais sérias e delicadas. (p. 5-7)
 
O resumo do filme encontrei na página CineSplendor:
 
O filem segue a história do padre católico Adam, responsável pela paróquia de um pequeno vilarejo polonês ao mesmo tempo em que trabalha com um grupo de jovens desajustados. Assediado por uma das moradoras, ele diz já estar comprometido e, aos poucos, vai admitindo para si mesmo seu desejo por um de seus garotos. Abordando o tema do celibato e, simultaneamente, da homossexualidade de forma direta e natural, a diretora Malgorzata (ou Malgoska, em forma crinhosa) Szumowska constrói um extraordinário filme não para chocar, mas para nos fazer refletir. O padre Adam nunca é retratado como um predador, mas sim como uma vítima de uma situação que não tem saída. Religioso devoto, ele vive sempre em conflito consigo mesmo, apelando para o álcool ocasionalmente como forma de fuga.
 
Suas caminhadas – filmadas com uso de bela fotografia e com planos gerais que tiram proveito da estupenda paisagem local –, descobrimos mais tarde, quando o vemos sugerindo a um jovem homossexual que corra 5km como forma de penitência, são mais uma forma de tentar desviar seus pensamentos das tentações de pecar. As caminhadas, diga-se de passagem, não são apenas belas, mas brilhantes em seu significado. Usando-as como interlúdios durante o filme, elas são os únicos trechos do longa que possuem trilha – composta unicamente com o uso de violinos, com apenas uma exceção – e mostram gradualmente sua aceitação/compreensão de sua “doença“.
 
Com menos simbolismo, mas igualmente genial ao dizer tanto em uma conversa tão curta, é em uma ligação – via skype – que ele faz para a irmã, que todas as dificuldades de sua vida são expostas. Primeiramente pelo fato dele, por vezes, tentar sem sucesso entrar em contato com a irmã. Passando por um momento difícil, quando ele finalmente consegue falar com ela, a conversa se mostra como um desabafo por parte dele, enquanto ela demonstra clara falta de interesse. E ao confessar para ela que ele se sente atraído por homens, os comentários dela de que “você não é doente” e “mas você sempre gostou de mulheres” demonstram o claro preconceito que há – não apenas – por parte da família, além de também revelar o fato de que ele vinha escondendo isso há muito tempo, mesmo de entes queridos.
 
Não fugindo de mostrar como a Igreja católica trata desse assunto, o filme nos permite testemunhar a conversa de um membro da paróquia de Adam com o bispo responsável pela região, onde ele acusa o padre de ser homossexual – após tê-lo flagrado em um momento íntimo com um garoto. Evitando qualquer conflito, o bispo diz não ser nada demais o que ocorreu e que ele resolverá a questão, o que resulta na transferência de Adam para outra cidade.
 
O filme ainda conta com boas atuações por parte de seu elenco, mas real destaque vai mesmo para a fenomenal e tocante performance de Andrzej Chyra como o Padre protagonista que, embora sempre contido, consegue claramente transmitir uma sensação de serenidade quando está “a trabalho”, enquanto demonstra claro desconforto em sua vida pessoal, mesmo antes de suas crises depressivas. Nos poucos momentos de prazer e felicidade em que o vemos, é comovente notar a dificuldade que Adam tem para se entregar por completo, para verdadeiramente desfrutá-los.

Só nos resta aguardar o lançamento deste filme aqui, no Brasil...

Enquanto isso, veja o trailer (legendas em inglês):

 

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