ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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28 de maio de 2014

Uma bela tentativa, mas...


A homossexualidade continua despertando grandes polêmicas em todos os campos, desde o religioso, pelo moral, social e cinematográfico, até o político. Enquanto a reflexão não sai da pura teoria, os efeitos de tal discussão - além de elevar a temperatura do discurso - geralmente permanecem na mesma dimensão, quer dizer, na teoria. Eu sempre senti  falta de uma voz nestas polêmicas. A voz essencial e mas preciosa: de próprias pessoas homossexuais que não se limitariam ao que "está escrito na Bíblia" ou ao que "dizem as estatísticas", mas compartilhariam a sua experiência pessoal. Foi por isso que fiquei tão feliz, quando o Papa Francisco, em sua entrevista à revista "La Civiltá Cattolica", no ano passado, disse: "Deus, quando olha a uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a? É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem". [Leia mais aqui

Pois bem... A quem "eles" irão querer escutar? Um(a) homossexual que se sente feliz, ao realizar o maior sonho de sua vida, tendo vivido em um relacionamento duradouro e feliz? Certamente não, pois o objetivo "deles" é encontrar mais um pau para bater no cachorro. A meta aqui, por mais que pareça ser, não é um diálogo, nem qualquer tentativa de conhecer objetivamente o "nosso" lado. Quando se parte daquela predominante repulsa à homossexualidade (leia-se: a homofobia), nenhum diálogo é possível, tampouco qualquer conhecimento objetivo.

Achei necessária esta introdução à leitura de uma entrevista, publicada recentemente no portal "Alateia" e intitulada "Ser homossexual é um sofrimento, não uma escolha nem um pecado em si". O entrevistado é Philippe Ariño, homossexual espanhol de 34 anos, que mora atualmente na França.

Nesta entrevista (e também em outra, ao portal "Zenit" - aqui), Philippe faz uma apologia à continência sexual, o que, em si, até parece louvável. Como o seu argumento, porém, usa o exemplo das próprias frustrações nos relacionamentos homossexuais do passado: "Ao me relacionar com outros homens ou olhar para eles de maneira possessiva, eu sentia satisfação no momento. Mas estava sozinho e nunca me sentia completo. É então que caímos na tentação de achar que podemos viver a sexualidade como os outros, mas, na verdade, a sexualidade só pode ser vivida na diferença sexual".

A mesma frustração pessoal do rapaz aparece ainda mais claramente em seguida: "Antes eu me sentia sempre inferior aos homens, porque a homossexualidade é invejosa. Agora, após descobrir que Deus me ama e que sou seu filho, querido e amado, não me sinto inferior a nenhum homem. Assim, depois de muitos anos, descobri a beleza da amizade masculina, que eu não trocaria pelas relações do passado - quando eu fingia estar me realizando".

Sem dúvida, para quem nunca experimentou o amor em sua relação homossexual, não é tão difícil preferir a amizade e não querer trocá-la pelas relações frustradas do passado. A lógica das afirmações acima lembram-me muito aqueles testemunhos fervorosos de ex-católicos que "encontraram Jesus" em uma comunidade evangélica e se tornaram fiéis devotos (não raramente fanáticos), só porque - devido à própria ignorância e à preguiça - no passado viviam como "católicos de carteirinha". Nada mais fácil do que transferir aos outros a culpa pelos próprios defeitos pessoais...

A frustração do passado é uma geradora de desprezo em relação a todos que, numa realidade semelhante, conseguiram ser felizes. O texto da entrevista traz a pergunta (associada a uma imposição): "Pessoas como você, que abandonam seu passado, não são muito queridas pela comunidade LGBT. Como você se relaciona com o universo que frequentava?". A resposta revela o real objetivo da entrevista "politicamente correta":

"Eles me colocaram na lista negra. Ficam me ameaçando [sic!] e me etiquetam de homofóbico, mas eu não teria sobrevivido junto deles: é um mundo de mentiras, que exteriormente se mostra alegre, mas dentro está cheio de raiva e tristeza. (...) Os ativistas podem aplaudir quando você fala, mas você só é visto em sua sexualidade, como se fosse um animal [sic!] ou um indivíduo de série B que precisa ter direitos especiais. É por isso que eu digo que somos os piores inimigos de nós mesmos".

Quem quiser, leia o texto inteiro da entrevista. Entre outros assuntos, há indiretas à adoção das crianças pelos casais homoafetivos, junto com a crítica do casamento entre as pessoas do mesmo sexo e, finalmente, a "definição" do relacionamento homossexual como "uma amizade ambígua, incapaz de amor, da qual só deriva o sofrimento".

Uma analogia simples que me vem à mente é com alguém que, por algum motivo, nunca aprendeu a nadar (ou a andar de bicicleta) e agora cria uma "definição" daquilo, como algo terrível, impossível, prejudicial e, certamente, antinatural. Isso acontece sempre quando se procura colocar as próprias frustrações pessoais como uma base do discurso.

Enfim, Philippe Ariño, por mais que se apresente como um homossexual e católico, não me representa...

16 de maio de 2014

Onde está o Demônio?


É um saco viver numa época em que a menor notícia boa tem que ser ofuscada pelos fanáticos da Igreja Católica Apostólica Furiosa. Coitados, não sabem (porque não consta na Bíblia) que a mentira - à qual com tanta frequência recorrem - tem pernas curtas e ainda é a obra do Demônio (isso sim, eles devem saber, pois consta na Bíblia: Jo 8, 44). Vamos, porém, aos poucos, seguindo a ordem das coisas...

1. A NOTÍCIA BOA
No último dia 6 de maio (terça-feira), o Papa Francisco teve como um dos concelebrantes da Santa Missa na capela da Casa de Santa Marta, o Padre Michele De Paolis (salesiano italiano, nascido em 09 de março de 1921), um dos fundadores da Comunidade "Emmaus" (1978) e, segundo algumas fontes, cofundador do grupo  italiano AGEDO (associação de amigos, parentes e pais de pessoas homossexuais e transexuais, fundada em 1992 na cidade de Milão [breve história em italiano, aqui]). O próprio Padre Michele assim relata o encontro [fonte, em italiano - o texto traduzido graças aos recursos da tecnologia]: 

Eu concelebrei com o Papa Francisco. Li o Evangelho. Após a celebração, o Papa recebeu os presentes em outra sala. Eu e o meu companheiro fomos os últimos. Em apenas alguns minutos - muito intensos - eu falava de "pedras rejeitadas", com as quais convivo. Entreguei ao Papa alguns presentes (um crucifixo, um cálice com a patena em madeira de oliveira, belíssimos) e falei sobre as nossas iniciativas em andamento, relacionadas aos imigrantes de Lampedusa. O Papa ficou muito feliz. Eu disse ao Papa: "Nós adoraríamos ser recebidos em uma audiência com o pessoal da [Comunidade] Emmaus! É possível?" Ele respondeu: "Tudo é possível! Converse com o Cardeal Maradiaga e combine tudo com ele". Em seguida, ele beijou a minha mão! Eu o abracei e chorei... 

A informação sobre o encontro do Padre Michele com o Papa Francisco foi publicada na página "Católicos LGBT's" no facebook. A mesma página cita o trecho de um artigo do Padre Michele De Paolis, escrito para um grupo LGBT de Lecce (Itália):

Aqueles que desejam transformá-los em 'heterossexuais', por assim dizer, estarão forçando-os a agir contra a sua natureza e tornando-os psicopatas infelizes. Precisamos colocar em nossas cabeças que Deus, nosso Pai, quer que nós, suas crianças, sejamos felizes e frutifiquemos com os dons que Ele colocou em nossa natureza! (...) Vocês têm o direito de procurar um parceiro. E não se preocupem: onde existe o ágape, existe Deus. Vivam a sua vida com alegria. E com a nossa mãe Igreja precisamos ter paciência. A atitude da Igreja com os homossexuais mudará. Neste sentido, inúmeras iniciativas já foram empenhadas. 

2. A NOTÍCIA RUIM
A "fumaça de Satanás", isto é, a repercussão na "mídia católica [furiosa]" foi abundante. As aspas referem-se tanto ao termo "mídia" (pois trata-se de portais, páginas etc. - nada que seja um veículo oficial da Igreja, enquanto instituição), quanto à palavra "católica" (porque, no momento em que o autor questiona a legitimidade do ministério petrino do Papa Francisco, de fato, deixa de ser católico).

A notícia sobre o encontro do Padre Michele De Paolis com o Papa Francisco foi repetida pelos blogueiros (ditos) católicos e - como de costume - distorcida. 

Um blog de Portugal, "perspectivas", assinado por Orlando Braga, abre mão de sua "catolicidade" ao dizer (aqui): 

A quem "o papa" beija as mãos? Na foto, vemos o cardeal Bergoglio, também conhecido por "papa Francisco", a beijar as mãos de Michele de Paolis, um clérigo salesiano de 93 anos. (...) O beija-mão aconteceu no passado dia 6 de Maio depois de uma missa em Santa-Marta. O dito "papa" convidou Michele de Paolis para ler o Evangelho do dia. Depois da missa, o "papa" inclinou-se profundamente perante ele e beijou-lhe as mãos. (...) Estará o leitor a imaginar o "papa" a beijar as mãos a um franciscano da Imaculada, ou a um qualquer membro da SSPX [Associação de São Pio X - veja aqui]? Se imagina, desiluda-se! O "papa" só demonstra a sua infinita humildade e beija as mãos a quem defende o "casamento" gay, o "casamento" gay entre sacerdotes da Igreja Católica [sic!], a legalização da pedofilia e da eutanásia [sic! sic!]. É desta gente que o "papa" gosta.

A verdadeira cusparada de desprezo (baseada em uma série de equívocos) encontrei na página "Rainha Maria" (olha o nome!). O autor do texto, Dilson Kutscher, publica uma foto e escreve a seguir:



Quando o demônio faz homilia em missa concelebrada pelo Pontífice no Vaticano [é o título da matéria]. (...) Padre Michele que apoia a ordenação de mulheres, o casamento gay, o fim do celibato, faz homilia em missa concelebrada pelo Pontífice (que festa para Satanás ver aquele que se diz servo de Cristo apoiar tais coisas e ainda fazer homilia numa missa concelebrada por um papa em pleno Vaticano). Dom [quer dizer, Padre] Michele concelebrou com o Papa argentino e pregou, como mostra a imagem acima, a homilia na Casa Santa Marta. Pelo visto, o Papa Francisco, ao permitir que este padre apóstata modernista, concelebre junto com ele e ainda faça a homilia, deve concordar em seu coração, com as mesmas posições apóstatas modernistas deste padre. Francisco concelebrando com este padre e permitindo que o mesmo faça a homilia, passa de forma sutil e indireta, uma mensagem de apoio à ordenação das mulheres, ao casamento gay e ao fim do celibato (as vezes os atos demonstram mais do que palavras escritas em documentos, declarações etc.).

Talvez não seja suficiente citar, mais uma vez, o relato do próprio Padre Michele que disse: "Li o Evangelho", nem mesmo a afirmação do citado acima esquisitão que, mesmo tratando o Papa de cardeal Bergoglio, também conhecido por 'papa Francisco', escreveu que o Padre foi convidado pelo Papa para ler o Evangelho do dia. Recorrendo a mais uma fonte, o portal "Especial sobre o Papa" da Comunidade Católica "Canção Nova", encontramos [AQUI] o texto da homilia proferida pelo próprio Santo Padre no dia 06 de maio na capela da Casa da Santa Marta no Vaticano. Logo, dizer que "o demônio faz homilia em missa concelebrada pelo Pontífice", é a prova não apenas de uma total incompetência jornalística, mas, antes de tudo, o sinal claro da falta de boa vontade e de compromisso com a verdade.

O mesmo ponto de vista, privado de boa vontade e baseado na mentira, encontramos em outras páginas na internet, por exemplo:

"blogonicus": "Papa Francisco beija a mão de sacerdote anti-clerical (sic!) e gayzista". Aqui, o autor (Danilo) reproduz a matéria (e as inverdades) da página "Rainha Maria", acrescentando apenas o neologismo "gayzista" (criado provavelmente por Olavo de Carvalho e repetido pelo Padre Paulo Ricardo). A mesma matéria foi reproduzida pela página "Sinais do Reino" (de uma autoria desconhecida).

O portal "Fratres in unum", além de repudiar o encontro do Papa com o Padre Michele (e ironizar, especialmente a atitude do Santo Padre de beijar a mão do sacerdote), presta, de fato, um serviço à verdade, citando algumas frases do Padre Michele (sem mencionar as fontes):

Estou espantado com o fato de que muitos homens da Igreja (...) ignoram completamente o fenômeno da homossexualidade, que a ciência já esclareceu de modo inequívoco: a orientação homossexual não é escolhida livremente pela pessoa. O rapaz e a moça se descobrem dessa maneira: trata-se de uma abordagem profundamente enraizada na personalidade, que constitui um aspecto essencial da própria identidade: não é uma doença, não é uma perversão. O rapaz ou a moça homossexual podem dizer a Deus: "Você nos fez assim!". 

Algumas pessoas de Igreja dizem: "Tudo bem ser homossexual, mas não deve ter relações sexuais, não podem amar uns aos outros!" Isso é a máxima hipocrisia. É como dizer a uma planta que cresce: "Você não deve florescer, não deve dar frutos!". Isso sim é contra a natureza.

Confesso a vocês que no começo eu também tinha meus preconceitos. Então, estudei e consegui. Sucessivamente tentei entrar na lógica do Evangelho; eu queria olhar para as coisas da parte de Deus. Entendo que o Pai não exclui do seu amor nenhum de seus filhos e não julga a pessoa com base em seus impulsos sexuais, que são atribuições da natureza e não de uma escolha voluntária.

1 de maio de 2014

Novidades...


Realmente, abandonei um pouco este blog. Sinceramente, todo esse papo sobre a busca de diálogo entre o "mundo LGBT" e o "mundo católico", já conseguiu encher o meu saco (desculpem pela expressão!), embora tenha sido eu mesmo quem se comprometeu com esse assunto. A minha ausência - só para não ser totalmente injusto comigo mesmo - surgiu também devido às buscas em outras áreas, digamos, profissionais que, graças a Deus, ocupam uma parte do meu tempo (e da minha mente). Talvez, um dia, escreva sobre isso por aqui. 

Isso foi uma tentativa de justificar a escassez das novas postagens no blog. E peço desculpas aos (eventuais) Leitores que, mesmo assim, procuram as novidades aqui. Eu realmente fico muito feliz com a presença e atenção de cada Leitor  que o meu "contador de visitas" consiga detectar...

Um tanto desanimado distraído, encontrei hoje uma notícia interessante que gostaria de reproduzir aqui. Antes, queria dizer que percebo a diferença entre as opiniões pessoais de quem quer que seja (e por mais "católicas" que pareçam ser) e uma declaração oficial da Igreja, ou de uma instituição direta e legalmente ligada à Igreja. Ainda que as mais azedas declarações de um Padre Ricardo da vida tenham a grande influência na formação de mentes fanáticas de certos católicos, evidentemente, uma declaração clara (diria: feita com todas as letras) de uma instituição da Igreja católica tem - para mim - o peso e a importância muito maiores. E quando tal declaração é, finalmente, positiva e sensata, não posso não enxergar aqui um sinal de esperança dos tempos melhores. 

Estou falando de uma nota oficial da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, publicada no perfil oficial da mesma no facebook (aqui) e divulgada, também, pelo portal 'brasilpost'.

Parabenizo os membros da Comissão Justiça e Paz pela coragem e clareza de sua declaração!

Eis a nota:

Nota da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo

Fiel à sua missão de anunciar e defender os valores evangélicos e civilizatórios dos Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJPSP) vem a público manifestar-se por ocasião da 18ª Parada do Orgulho LGBT que se realiza na Av. Paulista no próximo domingo, dia 04 de maio de 2014.

Nosso posicionamento se fundamenta na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, aprovada pelo Concílio Vaticano II, que diz: “As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrais e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.”

Assim, a defesa da dignidade, da cidadania e da segurança das pessoas LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – é imprescindível para a construção de uma sociedade fraterna e justa. Por isso não podemos nos calar diante da realidade vivenciada por esta população, que é alvo do preconceito e vítima da violação sistemática de seus Direitos Fundamentais tais como a saúde, a educação, o trabalho, a moradia, a cultura, entre outros. Além disso, enfrentam diariamente insuportável violência verbal e física, culminando em assassinatos, que são verdadeiros crimes de ódio.

Diante disso, convidamos as pessoas de boa vontade e, em particular, a todos os cristãos, a refletirem sobre essa realidade profundamente injusta das pessoas LGBT e a se empenharem ativamente na sua superação, guiados pelo supremo princípio da dignidade humana.


São Paulo, 30 de abril de 2014.