Recebo, via e-mail, os anúncios de novas edições do programa de Padre Paulo Ricardo e de seus artigos, através de assinatura que fiz, há algum tempo. O nome do site é "Christo nihil praeponere". Nestes dias aconteceu algo curioso: recebi o anúncio de um novo artigo, abri, dei uma olhada e deixei para ler melhor, mais tarde. Aconteceu, porém, o misterioso sumiço da matéria (veja aqui) e a página não está mais disponível. Ainda bem que estamos lidando com o pessoal fervoroso e muito ágil. Há, no espaço cibernético, muitos seguidores desta "doutrina". Encontrei o artigo, assinado pela "Equipe Christo nihil praepondere", na página "Amor mariano", mas, como se trata da mesma linha de pensamento, provavelmente, em breve, o texto também não estará mais disponível.
O título do artigo é: "Alguém deixou as janelas abertas" e faz referência muito clara às ideias e atitudes do Beato Papa João XXIII, especialmente à sua decisão de convocar o Concílio Vaticano II. O texto cita o famoso trecho da homilia de Paulo VI de 1972 (original, em italiano, no site do Vaticano), especialmente a afirmação: “por alguma brecha a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”. Em seguida, os autores (?) citam a constatação de seu mestre maior, Olavo de Carvalho: "Ao confessar que (…) ‘a fumaça de satanás entrara pelas janelas do Vaticano’, o papa Paulo VI esqueceu de observar que isso só podia ter acontecido porque alguém, de dentro, deixara as janelas abertas". Diga-se de passagem que, talvez esteja na hora de definir quem é o mestre do Padre Paulo Ricardo: Olavo de Carvalho, ou Jesus Cristo...
Vale
a pena confrontar aquela frase do "filósofo", com as
palavras do próprio Papa Paulo VI:
"Para
algumas categorias de pessoas olha a Igreja com particular interesse,
da janela
do Concílio aberta sobre o mundo:
para os pobres, para os necessitados,
para os aflitos,
para os famintos,
os
que
sofrem, os encarcerados, os que têm fome; isto é, olha para toda
a humanidade que sofre e chora,
pois a Igreja sabe que esta lhe pertence, por direito evangélico; e
gosta de repetir a quantos a compõem:
«Venite
ad me omnes»: vinde a mim todos. (Paulo VI, Discurso na Inauguração
da 2a
Sessão
do Concílio Vaticano II, 29. 09. 1963).
O
texto do site de Padre Paulo Ricardo,
especializado em lançar as mais diversas teorias de conspiração e
em criar (ou reproduzir do seu mestre) os neologismos, cheios de amor fraterno (por exemplo
"gayzismo"), prossegue: Pensou-se estar inaugurando na
Igreja um “novo Pentecostes”. A perspectiva de muitas pessoas na
década de 1960 e também nas gerações seguintes era que se vivia
uma “primavera” na Igreja. Ao contrário, hoje se experimenta o
que o Cardeal Walter Kasper chamou de “uma Igreja com aspecto de
inverno”, com “claros sinais de crise”.
Façamos mais uma
acareação. O Papa Bento XVI, durante a sua viagem a Portugal em
2010, disse no encontro
com os bispos: "confesso-vos a agradável surpresa que tive
ao contatar com os movimentos e novas comunidades eclesiais.
Observando-os, tive a alegria e a graça de ver como, num momento de
fadiga da Igreja, num momento em que se falava de
«inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma nova primavera,
fazendo despertar nos jovens e adultos a alegria de serem cristãos,
de viverem na Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos
carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo objetivo da fé, o
fluxo vivo da sua tradição comunicam-se persuasivamente e são
acolhidos como experiência pessoal, como adesão da liberdade ao
evento presente de Cristo."
A constatação que o
texto desaparecido, originalmente publicado na página do Padre Paulo
Ricardo, que, talvez, precisasse de uma modificação do nome, para
"Ego nihil praepondere", é seguinte: "Não
é preciso ir muito além para perceber que inúmeras ovelhas, ao
redor do mundo, ao invés de serem apascentadas por bons pastores –
exemplos do Pastor supremo das almas, Jesus Cristo –, eram
conduzidas e ameaçadas por lobos vorazes. Estes lobos vestidos em
pele de cordeiro, ao invés de oferecer aos filhos da Igreja o seu
ensinamento de dois mil anos, o seu riquíssimo patrimônio
espiritual e o valoroso exemplo dos santos, deixavam perdidas as
ovelhas com um falso evangelho que eles mesmos tinham inventado."
Ainda que não diga claramente, o "autor" faz alusão às
expressões de São Paulo: Estou admirado de que tão depressa
passeis daquele que vos chamou à graça de Cristo para um evangelho
diferente. De fato, não há dois (evangelhos): há apenas pessoas
que semeiam a confusão entre vós e querem perturbar o Evangelho de
Cristo. Mas, ainda que alguém - nós ou um anjo baixado do céu
- vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado,
que ele seja anátema. Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém
pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!
(Ga 1, 6-9).
Tudo bem, vejamos como é
que se cria um "evangelho diferente", fazendo com que a boa
nova deixa de ser tão boa. Quando não é possível ocultar aquilo
que já foi dito (o exemplo é o mencionado artigo, publicado e
retirado do site), trata-se de desvirtuar o sentido das palavras -
algo que, inclusive, os mesmos "donos da verdade" atribuem
aos seus adversários. Podemos lembrar aqui mais uma expressão de
Paulo que diz, logo depois de ter abordado os assuntos ligados aos
"homens [que] arderam em desejos uns para com os outros"
(Rm 1, 27): Assim, és inescusável, ó homem, quem quer que
sejas, que te arvoras em juiz. Naquilo que julgas a outrem, a ti
mesmo te condenas; pois tu, que julgas, fazes as mesmas coisas que
eles. (Rm 2, 1).
Vamos ao que interessa.
Nestes dias, as palavras do Papa Francisco, pronunciadas em uma
entrevista,
repercutiram bastante na mídia. Algumas afirmações foram recebidos
com entusiasmo por muitos que identificaram nelas a boa nova de
esperança. As palavras do Papa são claras. Como fazer, então, para
que perdessem essa clareza? Vejamos em outro blog, ainda mais radical
do que aquele do Padre Paulo Ricardo.
Chama-se "Deus lo vult" (de Jorge Ferraz de Recife que apresenta a sua obra assim: "Deus lo vult", é a versão latina do “Dieu le veut!” francês, que significa “Deus o quer!” e que foi o grito dado pelos soldados franceses em resposta à convocação das Cruzadas feita pelo Papa – brado que se tornou daí em diante o grito de guerra dos cruzados) e fala, inclusive, no tom tão característico e conhecido, por exemplo, nas ruas do Brasil e do mundo, sobre os homossexuais e, de modo particular, sobre os homossexuais católicos e as suas associações, tais como "Diversidade Católica" (se quiser, leia aqui: Deus lo vult).
Mas, não é sobre isso que pretendo falar hoje. Volto às repercussões da entrevista do Papa. O blog (por que não mudar, para "Deus non lo vult", ou "Ego lo vult"?) - visivelmente assustado com a clareza das expressões do Santo Padre - "ajuda" a interpretar o pensamento do Pontífice, para que se possam evitar perturbações provocadas pela situação atual e por outras idênticas a ela que já apareceram e sem dúvidas ainda haverão de aparecer enquanto houver jornalismo medíocre no mundo [sic!]. Qual é o método? É o mesmo que tentou argumentar a respeito de pequeno (ou nenhum) valor das declarações do Papa sobre os gays, só por terem sido dadas em um avião e não em forma de algum documento pontifício. Desta vez, a alegação é seguinte: Como se trata de uma entrevista, o Papa Francisco está dando uma resposta para uma pergunta específica, e portanto é óbvio que o alcance de suas palavras deve estar circunscrito ao contexto dela. É evidente que elas não servem para guiar toda e qualquer ação dos católicos, pela simples razão de não ter sido isso o que foi perguntado a Sua Santidade.
Deu para perceber? Resposta do Papa a uma pergunta específica, não serve para guiar toda e qualquer ação dos católicos. Vejamos, qual foi uma dessas perguntas específicas (notemos que o próprio Papa facilita aqui a reflexão, até de gente pouco inteligente, ou cega no seu fundamentalismo): Uma vez uma pessoa, de modo provocatório, perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu, então, respondi-lhe com uma outra pergunta: “Diz-me: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a?” É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Um pouco antes, no mesmo texto, o Santo Padre faz referência às pessoas homossexuais que se sentem rejeitadas pela Igreja: Em Buenos Aires recebia cartas de pessoas homossexuais, que são “feridos sociais”, porque me dizem que sentem como a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isto.
Estas são as (tristes e perigosas) curiosidades do fundamentalismo.
Jesus quer outra coisa:
Nenhum comentário:
Postar um comentário