ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



_____________________________________________________________________________



11 de junho de 2011

Oração de Jesus



Você já ficou com aquela sensação de ter algo martelando na sua cabeça? E quando isso persiste por dias, semanas e até mesmo anos? E quando a questão se refere à Palavra de Deus, portanto, à sua fé e à compreensão da vida em todas as suas dimensões? Pois bem, há gente que prefere, simplesmente, "deixar pra lá" o que, às vezes, é uma solução razoável e significa "dar tempo", permitir que a "coisa" evolua por conta própria para que se possa, um dia, voltar de novo ao assunto. Outros, diante do enigma, "jogam tudo para o alto", porque constatam o abalo em algum dos alicerces do seu sistema de valores e conceitos. Pior que, nesses casos, o que fica, é uma ruína. E a ruína não costuma ser coisa boa. Quando se trata de alguma "pergunta-sem-resposta" relacionada à Bíblia, muitos declaram - com aquela expressão de Einstein ou Cristóvão Colombo e com brilho nos olhos - "Viu? Não falei que a Bíblia é uma mentira?!". Eu, porém, prefiro admitir que o problema não esteja na Sagrada Escritura, mas na pequenez do meu intelecto. Por isso continuo aguardando a resposta e, quando possível, interrogando àqueles que poderiam ter alguma pista. Não foi por acaso que o Senhor disse: Não obstante, a casa de Israel diz: ‘A conduta do Senhor não é correta! É a minha conduta que não é correta, casa de Israel, ou antes, é a vossa que não é correta? (Ez 18, 29)

Depois dessa introdução, vamos ao que interessa. Nesta semana (7ª da Páscoa, dias da novena de Pentecostes e Semana de Oração pela Unidade de Cristãos), ouvimos na liturgia as passagens do Evangelho de João, acompanhadas por trechos dos Atos dos Apóstolos. Na quarta-feira passada, a meu ver, os textos entraram em choque (At 20, 28-38; Sl 67[68], 29-30. 33-36; Jo 17, 11b-19). Vou começar pelo Evangelho: Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um assim como nós somos um. (Jo 17, 11b) A leitura mais ampla deste capítulo mostra Jesus que, várias vezes, suplica ao Pai o mesmo dom para os seus discípulos: que sejam um (cf. Jo 17, 19. 21-23). O Salmo 67 parece reforçar ainda mais essa prece: Suscitai, ó Senhor Deus, suscitai vosso poder, confirmai este poder que por nós ma­nifestastes (v. 29). Como na liturgia é o Evangelho que define o contexto de todas as leituras, permito-me ter essa interpretação do Salmo. Até aqui, tudo bem.

Providencialmente, nessa mesma semana, eu estava lendo o 2° volume do livro "Jesus de Nazaré" de Bento XVI. Isso é dito pelo Senhor muito claramente: a unidade não vem do mundo; é impossível extraí-la das forças próprias dele. Bem vemos como essas forças levam à divisão. (...) A unidade só pode vir do Pai por meio do Filho. (...) Mas a força de Deus age penetrando no meio do mundo, onde vivem os discípulos. Aquela deve ser uma qualidade tal que permita ao mundo reconhecê-la e, desse modo, chegar à fé. O que não deriva dele, pode e deve absolutamente ser algo que seja eficaz no mudo e para o mundo e também para que lhe seja perceptível. É precisamente isto que a oração de Jesus pela unidade tem em vista: que se torne visível aos homens a verdade da sua missão, por meio da unidade dos discípulos. A unidade deve ser visível, reconhecível; e reconhecível precisamente como algo que não existe em qualquer outra parte do mundo; algo que é inexplicável com base nas forças próprias da humanidade e, consequentemente, torna visível o agir de uma força diversa. Por meio da unidade humanamente inexplicável dos discípulos de Jesus através dos tempos, é legitimado o próprio Jesus. Torna-se evidente que Ele é verdadeiramente o "Filho". Desse modo, Deus aparece reconhecível como Criador de uma unidade que supera a tendência do mundo à desintegração. Foi por isso que Jesus rezou: por uma unidade, que só é possível a partir de Deus e por meio de Cristo, mas uma unidade que aparece de modo tão concreto que se torna evidente a força presente e operante de Deus. (Bento XVI, "Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição"; Editora Planeta do Brasil; São Paulo, 2011; p. 95). Eu sei que o conceito de um blog prevê, geralmente, as postagens mais curtas, mas achei indispensável essa argumentação do Papa.

Pois bem, voltemos às leituras bíblicas. Na primeira leitura, Paulo, em sua comovente despedida com os anciãos de Éfeso, disse: Eu sei que, depois que eu for embora, aparecerão entre vós lobos ferozes, que não pouparão o rebanho. Além disso, do vosso próprio meio aparecerão homens com doutrinas perversas que arrastarão discípulos atrás de si. (At 20, 29-30) É o mesmo Apóstolo que escreveu: Rejeitamos todo procedimento dissimulado e indigno, feito de astúcias, e não falsificamos a palavra de Deus. Pelo contrário, manifestamos a verdade e, assim, nos recomendamos a toda consciência humana, diante de Deus. (2Cor 4, 2) Ou seja, Paulo não estava "inventando modas". Podemos constatar isso, não apenas lendo a Bíblia, mas analisando a história e olhando aos tempos atuais. Mas, o que, de fato, quer dizer isso tudo? A conclusão à qual cheguei é inacreditável. Por isso escrevi no início que a "coisa" está martelando na minha cabeça. Parece que o Pai não atendeu a oração de Jesus, seu Filho amado! E isto fica ainda mais grave, quando comparado com outro episódio, do mesmo Evangelho de João. Diante do túmulo de seu amigo Lázaro, Jesus, levantando os olhos para o alto, disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste! Eu sei que sempre me ouves, mas digo isto por causa da multidão em torno de mim, para que creia que tu me enviaste”. Dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, com as mãos e os pés amarrados com faixas e um pano em volta do rosto. (Jo 11, 41-44) Notemos que é o mesmo argumento que Jesus usa para "convencer" o Pai, pedindo a unidade dos discípulos: para que sejam perfeitamente unidos e o mundo conheça que tu me enviaste (Jo 17, 23). Pode parecer uma constatação grosseira, mas Lázaro saiu vivo do túmulo, enquanto os discípulos de Jesus, desde o início é até hoje, continuam "perfeitamente" desunidos. Falando sobre a oração de Jesus, houve, sim, um caso de Ele não ser atendido pelo Pai, mas foi uma situação totalmente diferente e o próprio Jesus tinha feito essa ressalva: Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres. (Mt 26, 39) Como sabemos, o Pai não afastou o cálice do seu Filho. Alguém já imaginou a semelhança dessas duas preces? Jesus teria dito: "Meu Pai, se é possível, guarda-os em teu nome, para que eles sejam um assim como nós somos um! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres!" Até porque, no projeto do Pai, há superação do pecado e de todas as suas consequências, inclusive da divisão. Enquanto no episódio de Babel, o próprio Deus teria impedido a orgulhosa pretensão de união entre homens que queriam, por conta própria, chegar com uma torre até o céu (cf. Gn 11, 1-9), em Jesus quis fazer, exatamente, o contrário. Entretanto, parece que a maldição de Babel continua sobre a humanidade que não se entende, inclusive entre os que falam o mesmo idioma. Se o Pai não escutou a prece de Jesus, para que serve a fé ou a oração? Mas, será que não escutou mesmo? Qual é a resposta? Não sei se existe uma. Há teorias.

Uma delas parece interpretar a oração de Jesus como a ordem dirigida aos discípulos. É como se Jesus fizesse de conta que estava orando, mas na realidade estava "mandando recado" para os discípulos de todos os tempos. É na mesma página do citado livro de Bento XVI que lemos: (...) a fadiga em prol de uma unidade visível dos discípulos de Cristo permanece uma tarefa urgente para os cristãos de todos os tempos e lugares. (p. 95) Em sua catequese, proferida na ocasião da Semana de Oração pela Unidade de Cristãos 2011 (celebrada no hemisfério norte em janeiro), o Papa disse que é importante crescer cada dia no amor recíproco, comprometendo-nos a superar as barreiras que ainda existem entre os cristãos; sentir que existe uma verdadeira unidade interior entre todos aqueles que seguem o Senhor; colaborar o mais possível, trabalhando juntos sobre as questões ainda abertas; e sobretudo permanecendo conscientes de que neste itinerário o Senhor deve assistir-nos, ainda nos deve ajudar muito, pois sem Ele, sozinhos, sem «permanecer nele», nada podemos (cf. Jo 15, 5) (leia o texto aqui). De acordo com estas palavras (diferentemente daquelas escritas no livro e citadas anteriormente), existe uma "unidade interior" dada, certamente, por Deus, mas cabe a nós construir a exterior. Quer dizer que o Pai atendeu Jesus em parte? E o que seria essa unidade interior, já existente? Indiretamente, ainda no mesmo livro, Bento XVI parece tocar neste assunto: Jesus rezou por qual unidade? Qual é o seu pedido para a comunidade dos crentes ao longo da história? (p. 93) Depois de elogiar o teólogo luterano Rudolf Bultmann (1884-1976) e, também, de polemizar com ele, o Papa chega às conclusões citadas acima. Estamos, portanto, de volta ao ponto de partida.

Existe outra teoria, bastante simples e muito comum em toda a doutrina/espiritualidade católica, que responde à pergunta: "O Pai não atendeu a prece de Jesus?". O Pai atendeu, sim, a oração do Filho e concedeu o dom da unidade aos cristãos. Eles, porém, nunca souberam acolher este dom. Que ótimo! Mas, Deus não podia fazer com que soubéssemos fazê-lo, como Ele mesmo prometeu na profecia de Ezequiel: Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo. Removerei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Porei em vós o meu espírito e farei com que andeis segundo minhas leis e cuideis de observar os meus preceitos. (Ez 36, 26-27)? Este já seria assunto para outra reflexão para abordari a relação do plano de Deus com a livre vontade do homem...

Para concluir, proponho a minha teoria, parecida - em parte - com a anterior: O Pai atendeu o pedido de Jesus e concedeu o dom da unidade aos cristãos, mas não do jeito que nós imaginamos. Um pouco nesta linha responde o Beato João Paulo II à pergunta de Vittorio Messori, no livro "Cruzando o limiar da esperança" (Editora Livraria Francisco Alves; Rio de Janeiro, 1994). V. Messori: Por que o Espírito Santo teria permitido tantas e tais divisões e inimizades entre aqueles que no entanto se dizem seguidores do mesmo Evangelho, discípulos do mesmo Cristo? [De acordo com a nossa reflexão, podemos traduzir essas palavras, sem alterar o sentido delas: Por que o Pai não atendeu ao pedido de Jesus, ou, se atendeu, como fez isso?]. João Paulo II: Para esta pergunta podemos achar duas respostas. Uma, mais negativa, vê nas divisões o fruto amargo dos pecados dos cristãos. A outra, pelo contrário, mais positiva, é gerada pela confiança Naquele que tira o bem até mesmo do mal, das fraquezas humanas: por isso, não poderia ser que as divisões tenham sido também um caminho que levou e leva a Igreja a descobrir as múltiplas riquezas contidas no Evangelho de Cristo e na redenção operada por Cristo? Talvez tais riquezas não pudessem vir à luz de maneira diferente... (p. 147)

Seria, talvez, uma analogia com as palavras de Jesus: Pobres vós tereis sempre convosco. (Mt 26, 11) que em nosso contexto, diria: "Divisões vós tereis sempre entre vós". Em ambos os casos, a necessidade (carência), torna-se ocasião para o exercício de caridade.

Para complementar esta reflexão, leia o texto sobre a ideia de ecumenismo que envolve homo e heterossexuais (aqui).

Nenhum comentário:

Postar um comentário