Ouvimos na liturgia destes dias o ensinamento de Jesus sobre a oração. É importante não tirarmos conclusões equivocadas que poderiam colocar em dúvida a nossa vida espiritual e, portanto, a nossa fé. Os textos do Evangelho de hoje (Mt 6, 7-15) e de ontem (Mt 6, 1-6. 16-18) trazem algumas afirmações enigmáticas de Jesus: [ontem] Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. (...) Quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. (Mt 6, 5-6); [hoje] Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. (Mt 6, 7) Diante deste ensinamento, parece que a maior parte da prática devocional da Igreja está errada. A própria Missa, as procissões (como na festa de Corpus Christi) e tudo o mais que contém a oração pública por um lado e, por outro, os terços, ladainhas e até a liturgia das horas, entre outros - tudo parece contradizer a orientação do Senhor sobre a oração discreta, individual e com poucas palavras. Na prática, as conclusões rápidas, levam-nos a contestar e abandonar a Igreja ou, pelo menos, alimentam o fervor de nossas criticas. Qual é a solução?
A leitura mais atenta permite-nos perceber as referências que Jesus faz para ilustrar os erros de postura de quem ora: os hipócritas e os pagãos. A primeira “categoria” é constituída, sem dúvida, pelos religiosos judaicos da época (fariseus, doutores da Lei, etc.), o que podemos constatar em outras passagens (cf. Mt 23, 1- 36; Mc 12, 38-40; Lc 11, 37-54. 20, 45-47). A segunda engloba os pagãos (isto é, todos os não-judeus). Em ambos os casos, o que desqualifica a oração, não é a sua forma (pública/privada, muitas/poucas palavras), mas, sim, a motivação. Os hipócritas oram e fazem várias outras coisas para serem vistos pelos homens. Os pagãos acreditam no poder de suas próprias palavras, mais do que no poder de Deus, aproximando-se assim de um conceito mágico da prece.
No contexto, digamos, máximo da revelação bíblica, a oração nada é senão o colóquio amoroso do homem com Deus. O Catecismo da Igreja Católica fala que a fé (expressa, entre outras formas, em oração), é a resposta ao amor revelado de Deus. Todo mundo sabe perfeitamente que quem ama, embora consiga expressar os sentimentos sem palavras, vive multiplicando, e até inventando, as palavras dirigidas ao amado. Se analisarmos, por exemplo, a ladainha ao Sagrado Coração de Jesus (ou qualquer outra), vamos notar uma analogia nítida com aquela linguagem de apaixonados que substituem o nome da pessoa amada por “lindo(a)”, “fofo(a)”, “bem”, “amor”, entre milhares de outros termos. Ao tratar-se de uma resposta amorosa, percebemos que Deus que nos amou primeiro (cf. 1Jo 4, 19), também fala de maneiras mais variadas, entre as quais, destaca-se a Sagrada Escritura. Ali, o próprio Deus, multiplica as palavras. O interessante é que essa multiplicidade, paradoxalmente, chama-se a Palavra de Deus (em singular). Aí percebemos o segredo. Deus nos dirige uma única palavra: “eu te amo” de muitíssimas maneiras, sem alterar a mensagem, a ponto de a própria mensagem tornar-se o Verbo Encarnado, Jesus Cristo. Podemos dizer, portanto, que Deus espera de nós, também, uma única palavra de resposta: “eu te amo”, ainda que falada de milhares de formas. Assim Jesus corrige a postura de quem, ao orar, mistura a declaração de amor com, por exemplo, barganha ou chantagem (o famoso “toma lá dá cá”). Quanto à oração pública, esta também não está proibida pelo fato de ser pública, desde que tenha a motivação correta, isto é, o amor. Desta maneira, a oração inscreve-se na lista das formas de testemunhar a fé. O próprio Jesus que passava noites inteiras em oração pessoal, não evitava as ocasiões para orar em público. O exemplo clássico é a súplica diante do túmulo de Lázaro: Pai, eu te dou graças porque me ouviste! Eu sei que sempre me ouves, mas digo isto por causa da multidão em torno de mim, para que creia que tu me enviaste. (Jo 11, 41-42) Ou, um pouco mais tarde: Pai, glorifica o teu nome! Veio, então, uma voz do céu: “Eu já o glorifiquei, e o glorificarei de novo”. A multidão que ali estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”. Jesus respondeu: “Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por vossa causa. (Jo 12, 28-30)
Percebemos que a essência da oração consiste no amor e a coerência da postura de quem ora, chama-se sinceridade. Ser autêntico na oração e na vida descarta qualquer tipo de fingimento. Isso é importante também para nós homossexuais. A identidade sexual, por mais que leve esse nome, não diz respeito apenas ao sexo, mas a tudo que somos e fazemos. Não será, portanto, exagero dizer que a nossa oração é homossexual.
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