Provavelmente a maioria dos homossexuais católicos vive um grave conflito interior em relação à Eucaristia. Muitos, simplesmente, abandonaram a Missa e a Comunhão, desde o momento em que assumiram (ainda que apenas perante si mesmos) a sua identidade homossexual. Outros tiveram experiências traumáticas ao procurarem a Confissão ou aconselhamento junto a um sacerdote. Alguns (talvez graças a uma sensibilidade de sua consciência) recorrem ao Sacramento da Reconciliação, desde que não estejam vivendo num relacionamento "estável", mas procuram a absolvição (e o acesso à Eucaristia) depois de cada "pecado contra castidade". Acredito que, devido à dolorosa ausência de formação espiritual específica, voltada diretamente aos homossexuais (Pastoral para Homossexuais!), existe grande confusão neste assunto. Quem não abandonou definitivamente a Igreja, procura "improvisar". Ou, então, encontra algum meio para "casar" a sua fé com a própria sexualidade. Como não encontrei ainda o texto que fale exatamente sobre esta questão, resolvi recorrer às opiniões mais "genéricas" que podem ser interpretadas, também, no contexto da homossexualidade. Nesta primeira parte da reflexão "Homossexuais e Eucaristia", trago o ponto de vista do Cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa Bento XVI). No livro-entrevista com Peter Seewald, "O sal da terra" (Editora Imago; Rio de Janeiro, 1997, p. 163-165), então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, fala sobre os "casais de segunda união" (aqueles que vivem uma vida conjugal sem o Sacramento do Matrimônio, por terem sido casados anteriormente com outras pessoas) e a sua relação com a Comunhão Eucarística. Faço esta citação por considerar bastante próxima a analogia destes casais (heterossexuais, mas não sacramentais) com o relacionamento homoafetivo. Digo logo que a opinião do atual Papa não é muito animadora. Na próxima postagem prometo apresentar um outro ponto de vista...
.....................................................................................................[Cardeal Joseph Ratzinger sobre as pessoas que vivem num casamento civil não reconhecido pela Igreja]:
Neste caso, devo precisar primeiro, num sentido jurídico, que essas pessoas não estão excomungadas num sentido formal. A excomunhão é um conjunto de medidas punitivas da Igreja, é uma limitação de se ser membro da Igreja. Essa punição da Igreja não lhes foi imposta. Mesmo que, por assim dizer, o que salta logo à vista, o fato de não poderem comungar, se aplique a eles. Mas, como disse, não estão excomungados num sentido jurídico. São membros da Igreja que não podem comungar por causa de determinada situação na vida. Não há nenhuma dúvida de que isso seja um grande peso, precisamente no nosso mundo, em que o número de casamentos desfeitos aumenta cada vez mais. Julgo que esse peso pode ser suportado quando, por um lado, se torna claro que também existem outras pessoas que não podem comungar. O problema só se tornou tão dramático porque a comunhão é, por assim dizer, um rito social, e uma pessoa é realmente marcada quando não participa. Quando se voltar a tornar visível que muitas pessoas têm de dizer a si mesmas que têm alguma coisa na consciência, e que assim não podem ir à comunhão, e quando, como diz São Paulo, desse modo se voltar a fazer a distinção do Corpo de Cristo, logo tudo será diferente. É uma condição. O segundo ponto é que devem sentir que, apesar disso, são aceitas pela Igreja, que a Igreja sofre com elas. [Peter Seewald: "Parece uma ilusão".] Naturalmente, isso deveria poder tornar-se visível na vida de uma comunidade. E, pelo contrário, também se faz alguma coisa pela Igreja e pela humanidade ao tomar essa renúncia sobre si, ao dar, por assim dizer, testemunho do caráter único do casamento. Julgo que disso também faz parte algo que é muito importante: que se reconheça que o sofrimento e a renúncia podem ser algo positivo, e que temos de voltar a encontrar uma nova relação com eles. E, por fim, que voltemos a tomar consciência de que também se pode participar da missa, da Eucaristia, de modo fecundo, sem ir sempre à comunhão. É uma questão difícil, mas julgo que, quando diversos fatores que estão relacionados uns com os outros se resolverem, também isso será mais fácil de suportar. [Peter Seewald: "O padre pronuncia as palavras: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor”. Por conseguinte, os outros deveriam sentir-se infelizes.] Infelizmente, a tradução tornou o sentido da frase pouco claro. Essa expressão não se relaciona diretamente com a Eucaristia. É tirada do Apocalipse e refere-se ao convite para o banquete nupcial definitivo, representado na Eucaristia. Quem, portanto, não pode comungar no momento, não tem de estar excluído do banquete nupcial eterno. Trata-se sempre de um exame de consciência, de que se pense ser algum dia capaz desse banquete eterno, e que agora também se comungue. Mesmo quem agora não possa comungar, é admoestado através desse apelo, como também todos os outros, a pensar no seu caminho, que um dia será aceito nesse banquete nupcial eterno. E talvez, porque sofreu, possa ter ainda melhor aceitação. (p. 163-165)
(Cardeal Joseph Ratzinger&Peter Seewald; “O sal da terra”; Editora Imago; Rio de Janeiro, 1997)
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