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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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30 de junho de 2011

Cardeal insiste

É impressionante a insistência do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, quanto ao caráter ofensivo das imagens de santos usadas na recente Parada do Orgulho GLBT em São Paulo. Vale citar aqui as palavras do Evangelho: Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? (Mt 9, 4). Será que Dom Odilo tem, também, o poder de conhecer os pensamentos dos outros? Em mais um artigo, publicado no site de sua arquidiocese (aqui), o cardeal diz: Eu não queria escrever sobre esse assunto; mas diante das provocações e ofensas ostensivas à comunidade católica e cristã, durante a Parada Gay deste último domingo, não posso deixar de me manifestar em defesa das pessoas que tiveram seus sentimentos e convicções religiosas, seus símbolos e convicções de fé ultrajados. Ficamos entristecidos quando vemos usados com deboche imagens de santos, deliberadamente associados a práticas que a moral cristã desaprova e que os próprios santos desaprovariam também. (...) O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos, que viveram dignamente; e ofende também os sentimentos religiosos do povo. Ninguém gosta de ver vilipendiados os símbolos e imagens de sua fé e seus sentimentos e convicções religiosas. Da mesma forma, também é lamentável o uso desrespeitoso da Sagrada Escritura e das palavras de Jesus – “amai-vos uns aos outros” – como se ele justificasse, aprovasse e incentivasse qualquer forma de “amor”; o “mandamento novo” foi instrumentalizado para justificar práticas contrárias ao ensinamento do próprio Jesus.

Interrompo aqui a transcrição das palavras de Dom Odilo, para abrir o espaço ao autor das imagens, o fotógrafo Ronaldo Gutierrez (a entrevista com ele pode ser lida aqui). Não é bom ouvir na TV e ler nos jornais pessoas dizendo que você as está ofendendo, quando minha única intenção era ajudar. Venho recebendo algumas mensagens pesadas, que machucam. Mas já esperava por essa reação negativa. Não é com a religião que estou mexendo, é com as pessoas que dizem que mandam nela. (...) Acho a vida dos santos um exemplo de bondade e amor ao próximo, mas não é isso que vejo naqueles que comandam. Sei que a grande maioria dos católicos é formada por gente muito boa e que quer ajudar. Outros, infelizmente, aqueles que detêm os meios de comunicação, são preconceituosos e ignorantes.

Voltando ao texto do cardeal, lemos: A Igreja católica refuta a acusação de “homofóbica”. Investiguem-se os fatos de violência contra homossexuais, para ver se estão relacionados com grupos religiosos católicos. A Igreja Católica desaprova a violência contra quem quer que seja; não apoia, não incentiva e não justifica a violência contra homossexuais.

Após essa contradição (um tanto velada), o autor comete outras. Ao dizer sobre o atendimento aos portadores do vírus HIV, lemos que a Igreja a Igreja foi pioneira no acolhimento e tratamento de soro-positivos, sem questionar suas opções sexuais. Logo em seguida o cardeal (visivelmente indeciso) afirma que a sexualidade não depende de “opção”, mas é um fato de natureza e dom de Deus, com um significado próprio, que precisa ser reconhecido, acolhido e vivido coerentemente pelo homem e pela mulher.

Ainda mais curiosa é a frase que diz: Embora respeitando as pessoas homossexuais e procurando acolhê-las e tratá-las com respeito, compreensão e caridade, ela [a Igreja] afirma que as práticas homossexuais vão contra a natureza; essa não errou ao moldar o ser humano como homem e mulher. Essa coisa de acolher as pessoas homossexuais pela Igreja e tratá-las com respeito, nem vou comentar...

O fragmento a seguir requer uma reflexão especial. Antes, responda quem quiser, a duas perguntas: [1] Qual é a organização interessada em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano? [2] Será que colocar no mesmo saco a homossexualidade, o descontrole nos ecossistemas, doenças e desastres ambientais, não induz o leitor (e o fiel católico) à homofobia?

Dom Odilo continua: Causa preocupação a crescente ambiguidade e confusão em relação à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico, que merece uma séria reflexão, em vez de um tratamento superficial e debochado, sob a pressão de organizações interessadas em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano. Mais do que nunca, hoje todos concordam que o desrespeito às leis da natureza biológica dos seres introduz neles a desordem e o descontrole nos ecossistemas; produz doenças e desastres ambientais e compromete o futuro e a sustentabilidade da vida. Ora, não seria o caso de fazer semelhante raciocínio, quando se trata das leis inerentes à natureza e à identidade do ser humano? Ignorar e desrespeitar o significado profundo da condição humana não terá consequências? Será sustentável para o futuro da civilização e da humanidade?

O final do texto revela mais um equívoco: As ofensas dirigidas não só à Igreja Católica, mas a tantos outros grupos cristãos e tradições religiosas não são construtivas e não fazem bem aos próprios homossexuais, criando condições para aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito contra eles. E não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles; e são filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros.

Falando de ofensas à Igreja católica e a tantos outros grupos cristãos, no contexto das imagens usadas na Parada, o cardeal, provavelmente, esqueceu-se de um fato, conhecido por todos e não apenas pelos teólogos. É, justamente, o uso das imagens pela própria Igreja católica, que tantos outros grupos cristãos (sobretudo evangélicos) consideram ofensivo em si. Quanto à última frase, só posso dizer que, exatamente, é com dignidade, em paz conosco mesmos e com os outros que queremos viver. Mas, por enquanto, a Igreja (que o cardeal representa) não deixa!

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