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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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3 de junho de 2011

O Cenáculo



“Sim, escrevo-vos do Cenáculo, relembrando o que aqui se passou”. Com a frase de Beato João Paulo II, da Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-Feira Santa de 2000, inicio a reflexão, no contexto da Novena de Pentecostes. O Papa, naquela linda carta (aqui), refere-se, evidentemente, à instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial, mas sabemos que, neste mesmo lugar, aconteceram outras coisas importantes, inclusive a própria efusão do Espírito Santo, no dia de Pentecostes. O nome “Cenáculo” vem da palavra latina cena, quer dizer, ceia. Os evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) fornecem detalhes interessantes sobre a misteriosa escolha do local da última ceia (cf. Mt 26, 17-19; Mc 14, 12-16; Lc 22, 8-13). A primeira conclusão, sempre atual e bastante prática, é que os lugares têm sua importância nos planos de Deus. Nada acontece por acaso. Cada um de nós nasceu em um lugar determinado. Nós, cristãos, temos gravado na alma o local em que fomos batizados, recebemos Jesus na Eucaristia pela primeira vez, fomos crismados, alguns casaram, outros sepultaram o pai e/ou a mãe... Quem de nós, que porventura tenha se deslocado ao longo de sua vida, não gostaria de visitar o lugar onde passou a sua infância, ou o local que marcou a sua primeira paixão, o primeiro beijo, e assim por diante? Os lugares especiais trazem à tona o conteúdo que marcou a nossa vida, renovam os sentimentos, refrescam a memória. Eu tenho alguns lugares assim. Ninguém ergueu monumentos ali e, para todo o resto da humanidade, são – provavelmente – lugares insignificantes. Lembro-me, por exemplo, o lugar onde, pela primeira vez, admiti a minha homossexualidade e aquele outro, marcado pelo primeiro beijo. A partir dali, começou uma nova fase da minha vida. Também da minha vida espiritual. Eu sei que há quem considere isso uma blasfêmia, mas, desde o momento em que descobri que estava apaixonado e que essa paixão era homossexual, a minha compreensão do amor de Deus deixou de ser uma teoria. É claro que, se eu fosse um heterossexual, o fruto seria o mesmo. O essencial é experimentar o amor. Uma coisa é ler sobre o amor e talvez até se emocionar com os textos e imagens que mostram essa realidade. Amar, entretanto, é diferente. A experiência engloba vários elementos: palavras, sentimentos, o toque e, principalmente, aquela luz extraordinária que invade nossa mente, nossa alma, enfim, todo o nosso ser.

No Cenáculo de Jerusalém aconteceu tudo isso. O evangelista João dedica cinco capítulos inteiros (13-17) ao que aconteceu ali durante a última ceia, deixando aos sinóticos a descrição da instituição da Eucaristia. Este texto de João está cheio de emoção, pois descreve, justamente, a intimidade de Jesus com seus discípulos. São palavras densas, dramáticas, apaixonadas. Foi ali que Jesus disse: um de vós me entregará (Jo 13, 21); Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros (Jo 13, 34); não cantará o galo antes que me tenhas negado três vezes (Jo 13, 38). Sem dúvida, foi essa experiência única que “prendeu” os apóstolos ao Cenáculo. Na manhã de domingo da Ressurreição, quase todos estiveram ali. Tomé que, como único, estava ausente, teve a sua “Páscoa da Ressurreição”, uma semana depois, no mesmo local. E quando, na ocasião da Ascensão do Senhor, o evangelista Lucas, no seu segundo livro (Atos dos Apóstolos) diz que os apóstolos voltaram para Jerusalém, acrescenta: Entraram na cidade e subiram para a sala de cima onde costumavam ficar. (At 1, 13). Mais tarde diz: Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar. (At 2, 1)

O mapa dos meus “cenáculos” ultrapassa limites de um só continente. Hoje percorro todos eles, cheio de gratidão. Tenho consciência de que o cenáculo é, também, o lugar em que acontece o envio. Renovo o meu compromisso da missão recebida. É uma tarefa doce e amarga ao mesmo tempo. É a missão de amar.

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