A gente se diverte muito quando Jô Soares cita as “pérolas dos alunos”. Eu preciso aprender a rir das piadas involuntárias, fornecidas pela mídia. Por enquanto, fico irritado com a ignorância que reina nos meios de comunicação. A minha impaciência aumenta por causa do "tom de autoridade" dos apresentadores que (coitados), geralmente repassam os textos feitos pelos outros. Mas, não adianta: as abobrinhas, proclamadas com o ar de sabichão, tem o poder de me tirar do sério. Nestes últimos dias, em quase todos os noticiários, ouvimos sobre a beatificação de Irmã Dulce. Ainda bem que os jornalistas desistiram daquela afirmação ridícula que dizia: “No dia tal, o fulano será santificado pela Igreja” (referindo-se à beatificação ou canonização). Em vez disso, dizem que a Irmã Dulce está a um passo de se tornar (ou melhor: virar!) santa. O mesmo diziam sobre João Paulo II. Eles pensam que beatificação ou canonização torna alguém santo? Alguém já imaginou a Irmã Dulce, lá nos corredores do Céu, esperando por uma senha, emitida pelo Papa, para entrar? Vamos às definições. O Dicionário do Aurélio on-line (aqui) explica: Canonizar significa inscrever no número dos santos honrados com culto público. Uma fonte mais profissional, a Enciclopédia Católica Popular (aqui) diz: Canonização é o ato, desde o século XII reservado ao Papa, que inscreve um servo de Deus no cânone dos Santos, com a garantia de estar no Céu, de ser digno de culto público universal e de ser dado aos fiéis como celeste intercessor e modelo de santidade. Ora, declarar – neste caso – não é o mesmo que tornar. A Igreja, superando a sua limitação natural (humana), depois de um exigente processo canônico, autoriza os fiéis a prestarem culto a tal pessoa que, ao ser reconhecida virtuosa (santa), acredita-se que já tenha alcançado a glória do céu. Pressupõe-se habitualmente o reconhecimento de um milagre obtido por intercessão dessa pessoa. A diferença entre a beatificação e a canonização consiste, basicamente, no "tamanho" (extenção, abrangência) do culto e não - como muitos acham - no grau de perfeição da pessoa venerada, ou na quantidade de suas virtudes. Por isso, dizer que a Irmã Dulce, em breve, pode virar santa, é burrice. Ela já virou santa aqui, na terra. Agora, aos poucos, a Igreja está reconhecendo e confirmando isso, dando aos fiéis autorização para o culto público. O culto, aliás (ainda que informal ou privado), é o primeiro sinal para que a Igreja inicie o processo canônico. Vale lembrar aqui a figura do famoso "advogado do diabo" (em latim: advocatus diaboli), segundo algumas fontes, abolido em 1983, que tinha a função de investigar eventuais pistas do processo canônico que comprovariam quaisquer falhas na suposta santidade do candidato. Na realidade, tal oficial não tinha nada a ver com o diabo (apesar do termo usado), mas garantia a imparcialidade e autenticidade de todo o processo.
Voltando à expressão (tão querida pela mídia): "virar santo", vejo aqui certa analogia com o outro "virar", bastante presente na linguagem popular da nossa sociedade. Alguém já ouviu dizer do fulano que era gay e virou homem? Pois é, antes deve ter sido um mamífero da ordem dos artiodáctilos pertencentes, em senso estrito, à família Cervidae (popularmente conhecido como veado) e, de repente, virou homem. Só pode ser milagre. Mas, acontece também o contrario. O cara era homem e virou gay. Que decepção para as meninas! A analogia é clara. Ninguém "vira santo", no dia de sua beatificação ou canonização. Exatamente, como ninguém "vira gay", ao sair do armário. Em ambos os casos, trata-se de revelação ou de reconhecimento público. Já a história de alguém que era gay e "virou homem", é coisa do diabo. E nem precisa de advogado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário