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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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22 de maio de 2011

Cristo reduzido

Eu não tenho doutorado em teologia. A minha reflexão contém questionamentos, feitos por um cristão, que encontra dificuldades em entender e interpretar certas afirmações, referentes à fé. E quando faço comentários relacionados à obra de alguém que é considerado um dos maiores teólogos de hoje, admito, evidentemente, a minha desvantagem. Tenho em mãos o 2° volume do livro escrito pelo Papa Bento XVI, “Jesus de Nazaré” (Editora Planeta; São Paulo, 2011) e tomo a iniciativa de polemizar com o Autor, encorajado por uma das suas frases, encontradas bem no início do texto. Depois de dedicar a maior parte da Introdução aos teólogos, o Papa faz uma espécie de convite geral: Embora sempre continue, naturalmente, havendo detalhes a discutir, espero que me tenha sido concedido aproximar-me da figura de Nosso Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele. (p. 14). E em sua entrevista com o jornalista alemão Peter Seewald, lançada em forma de livro (“Luz do mundo”; Editora Lucerna; Cascais, Portugal, 2010), Bento XVI diz: “Eu queria publicar o livro para ajudar as pessoas” (p. 163). Acho importante destacar este detalhe, porque a associação de um discurso, digamos obscuro, com o nome do autor deste porte, pode causar confusão na cabeça de um simples leitor. Corrija-me, quem quiser. Sinceramente, vou ficar muito grato por isso.

No primeiro capítulo, o Papa fala, entre outras coisas, sobre as profecias do Antigo Testamento e a sua plena realização na pessoa de Jesus. O trecho em questão (e em questionamento) é este: Jesus reivindica efetivamente um direito régio. Ele quer que se compreendam o seu caminho e as suas ações com base nas promessas do Antigo Testamento, que n’Ele se tornam realidade. O Antigo Testamento fala d’Ele; e vice-versa, Ele age e vive na Palavra de Deus e não segundo programas e desejos próprios. A sua pretensão baseia-se na obediência à ordem do Pai. O seu caminho situa-se no âmbito da Palavra de Deus. (p. 18) Para mim, da frase sublinhada, surge uma pergunta: Afinal, quem é Jesus? Não é Ele a Palavra se fez carne e veio morar entre nós? (Jo, 1, 14) E mais: a Palavra era Deus (...) Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. (...) Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. (cf. Jo 1, 1b. 3. 10). O que, então quer dizer: Ele age e vive na Palavra de Deus e não segundo programas e desejos próprios, se Ele mesmo é a Palavra e se o plano da salvação de toda a humanidade é, justamente, o seu maior projeto e o mais ardente desejo. Até que alguém me prove o contrário, tenho a impressão de ver um Cristo reduzido, apenas, à natureza humana. Teria sido Ele um grande e dedicado servo de Deus que abriu mão de seus planos e desejos, um revolucionário carismático que, por seus méritos, recebeu o nobre título de Filho de Deus?

O Catecismo da Igreja Católica, entretanto, diz algo diferente: O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Igreja teve de defender e clarificar esta verdade de fé no decurso dos primeiros séculos, diante das heresias que a falsificavam. (n° 464) Em seguida, o próprio Catecismo, menciona as principais heresias. O docetismo gnóstico, desde os tempos apostólicos, mais do que a divindade de Cristo, negava a sua verdadeira humanidade. Paulo de Samósata (séc. III) afirmava que Jesus teria sido o Filho de Deus por adoção e não por natureza. O arianismo (séc. IV) dizia que o Filho de Deus seria de uma substância diferente da do Pai. A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Os monofisitas afirmavam que a natureza humana tinha deixado de existir, como tal, em Cristo, sendo assumida pela sua pessoa divina de Filho de Deus. No século V, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Diante de todas essas teorias equivocadas, a Igreja, por meio de concílios, dogmas e outros escritos, incessantemente confirmava (e confirma até hoje) que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor. (cf. Catecismo da Igreja Católica, n° 465-469) Ainda hoje aparecem ideias de um “Cristo reduzido”, seja na teologia da libertação, seja na de prosperidade. Continua em vigor, portanto, a declaração do IV Concílio ecumênico de Calcedônia (ano 451): Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado; gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe de Deus, segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida por sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase. (Catecismo da Igreja Católica, n° 467)

Deu para acompanhar? Tudo bem - vai me dizer alguém – mas, por que razão, tudo isso teria tanta importância? Respondo: se Jesus Cristo pode ser reduzido dessa maneira, então TUDO pode ser reduzido. Digam que isso não acontece ou que, se estiver acontecendo, não faz mal a ninguém. Engana-se quem pensa assim. Vamos aos exemplos que interessam. Se reduzirmos o matrimônio apenas à procriação (como querem muitos), obviamente, não haverá mais motivo para discutir o “casamento gay”. Outra coisa é ainda mais grave e, infelizmente, mais comum: reduzir os homossexuais a sexo. Nesta altura, eu nem quero mais concordar com o termo “homossexual” porque ele me reduz a sexo. Eu juro que faço, também, algumas outras coisas na vida! Alguém já notou que, curiosamente, o termo “heterossexual”, não parece tão sexual )leia-se: indecente) quanto o “homossexual”? Há quem veja os homossexuais, exclusivamente, pelo prisma das “paradas de orgulho gay”, ou seja, como um bando de palhaços (semi)nus, pintados em cores estranhas, fazendo bagunça na rua. Eu gosto de brincar e adoro sexo. Mas, pelo amor de Deus, não sou só isso! Não admito ser reduzido a isso! Mas, como escrevi antes, se Cristo pode ficar reduzido, todo o resto também pode. É a questão da mentalidade humana, influenciada por aqueles que possuem algum tipo de autoridade. Voltando ao livro do Papa, tenho uma intuição de que existam vários e sérios argumentos para debater a minha crítica, pelo menos do ponto de vista teológico. O meu questionamento, porém, é de natureza, digamos, pedagógica. Não questiono tanto o que Bento XVI escreveu, quanto a maneira equivocada de enxergar a pessoa de Jesus, por causa daquelas suspeitas afirmações.

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