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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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8 de outubro de 2013

Quando um gay é padre

 
Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a? É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. (Papa Francisco, entrevista).
 
O título deste texto parece estar "deslocado". Seria mais lógico escrever "quando um padre é gay". Mas, escrevi de propósito. Eu sei que muitos homossexuais "se descobriram" ainda na adolescência, mas pode acontecer o contrário, ou seja - neste caso - o cara sentiu a vocação, entrou no seminário, tornou-se padre e só depois se deu conta que era gay. Conto de fadas? De fato, a figura de sacerdote católico, não é das mais simpáticas hoje em dia. A postura de muitos padres que conhecíamos, o "tsunami" de notícias sobre a pedofilia (comprovada, ou não) de muitos, a nossa própria percepção da Igreja, enquanto uma instituição hipócrita e homofóbica... tudo isso contribuiu para com essa antipatia generalizada em relação aos clérigos (o que chamamos de anticlericalismo). Quando, então, surge uma história como essa (de um padre que demorou em reconhecer a sua própria homossexualidade), logo questionamos tudo e nem temos mais vontade de prosseguir a leitura.
 
Pode ser, entretanto, que as palavras do Papa, produzam em nós um pouco de paciente atenção. Pois, entramos no mistério do homem e devemos (podemos?) acompanha-lo a partir da sua condição. É necessário sempre considerar a pessoa.
 
Como - certamente - seria difícil escutar um desabafo desses, fica mais fácil ler. O blog Engasgay informa sobre um ex-padre argentino (Andrés Gioeni) que tinha escrito uma carta ao Papa Francisco. A carta (na íntegra, em espanhol) pode ser encontrada no facebook. Existe, na mesma rede social, um grupo, chamado "Para que el Papa Francisco responda la carta de Andrés" - tudo indica, então, que a história é verídica.
 
 
O que chama a minha atenção, é a parte em que o ex-padre conta a sua história:
 
Fiquei oito anos no seminário. Não me sentia sozinho, tinha uma família lá. Foi mais difícil quando virei sacerdote, aos 27. Vi que não era tão fácil, tinha muitas responsabilidades, ficava sozinho. Mas gostava de celebrar a missa. Aí comecei a me dar conta do que estava acontecendo: algo que não era, para mim, natural. Eu me condenava. No seminário, a questão da homossexualidade só era tratada em algumas aulas. No dia a dia, era um tabu. Olhando agora para trás, vejo que no seminário já sabia [que era gay], mas eu negava. Se percebia que estava gostando de algum companheiro, logo me reprimia, falava a mim mesmo: "O que está acontecendo? Está louco?". Dois seminaristas fizeram insinuações pra mim, queriam me namorar. Eu achava que fosse loucura, negava aquilo. Eles saíram do seminário, eu fiquei. Me dei conta de que era gay mesmo quando já era sacerdote. (...) E passei a me perguntar se era algo transitório ou para a vida. Quando me dei conta que era para a vida, cortei laços com a igreja. Vim para Buenos Aires começar uma nova vida.
 
O texto acima parece não fazer parte da carta em si. No texto enviado ao Papa, consta: Eu era uma vez um padre, pastor, compartilhava o zelo missionário e a necessidade de afirmar a abertura eclesial. Então eu decidi me abrir a um outro lado, quando descobri a minha própria tendência homossexual e admiti a minha incapacidade de exercer o ministério pastoral em celibato. Hoje os meus caminhos vão em outras direções e a minha vocação é tingida com outros tons. Um pouco antes, na mesma carta, Andrés usa a expressão "meu agnosticismo atual".
 
Deixando de lado as condenações apressadas, quase automáticas e os rótulos do tipo "hipócrita", "safado", "perverso", etc., faço algumas perguntas. O que deveria fazer um padre com a própria experiência, parecida com a do Andrés? Qual é a postura mais correta, em relação à própria consciência, ao ministério, à Igreja, à fé?
 
Sondando as opiniões de alguns amigos, católicos praticantes e (a princípio) livres da homofobia que ofusca a objetividade, o que mais ouvi era a opinião de que tal padre deveria deixar o ministério. Na linguagem oficial da Igreja, isso se chama "o pedido de demissão do estado clerical" e acontece por meio de um processo canônico que pode incluir, também, a dispensa do celibato. Na prática, isso significa que o ex-padre continua sendo um membro da Igreja, podendo levar a vida sacramental (Confissão, Comunhão), inclusive casar na igreja (com uma mulher). Sim, alguns detalhes mudam de figura quando ele se decide viver na prática a sua homossexualidade. Aí, como cada pessoa que opta pela prática de atos homossexuais como um estilo de vida, tal indivíduo (ex-padre em questão) não receberá a absolvição, nem poderá comungar. Vale acrescentar que, mesmo assim, ainda não se trata de excomunhão. Essa última sentença ocorre (entre vários outros casos), quando um padre abandona o ministério, sem mencionado processo canônico, ou é expulso pela própria Igreja. Enfim, nenhuma dessas situações, até a própria excomunhão, não precisa levar ninguém ao agnosticismo...
 
Será que existe alguma saída diferente? Imagino um padre que tenha admitido a própria homossexualidade, só depois da ordenação sacerdotal. Tendo passado por todas as etapas de negação, revolta, depressão, acusação de Deus e dos outros - finalmente reconcilia-se consigo mesmo e, ainda que desafiando as leis da Igreja, considera correto o exercício de seu ministério com a própria sexualidade, inclusive com a prática de atos homossexuais. É claro que, mesmo definindo a homossexualidade como algo permitido (ou, até, concedido) por Deus, o maior questionamento refere-se ao celibato. Eu já ouvi um padre que disse: "O celibato impede que eu me case, mas como a Igreja não considera válida a união homoafetiva, então, mesmo vivendo com outro homem, não estou quebrando o celibato". Bem... parece uma desculpa esfarrapada e aquela das mais grossas. Afinal, o celibato não é apenas um sinônimo de "solteirice consagrada por causa do Reino de Deus", mas também a castidade. Talvez seja, então, uma definição diferente da própria castidade? Tipo: "Eu pecaria contra castidade, caso traísse o meu namorado". Evidentemente, isso já está a um milhão de anos-luz da doutrina da Igreja...
 
Concluindo: a questão é mais que complexa. Não deve ser tão rara, como parece (algo desse tipo conta o filme polonês "Em nome..."). Porém, a verdadeira conclusão é a mesma que a introdução a este texto:
 
É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. (Papa Francisco, entrevista). 

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