Termina hoje em Roma a Jornada das Famílias em ocasião do Ano da Fé. Entre os textos que se destacam, estão dois discursos do Papa (aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para as Famílias, no dia 25 e às próprias famílias reunidas em Roma, no dia 26) e a sua homilia de hoje.
É uma oportunidade para esclarecer alguns pontos que, até agora, geram várias polêmicas e referem-se ao lugar de pessoas homossexuais no contexto da família. A maioria das pessoas não heterossexuais reconhece o valor e a importância do Sacramento do Matrimônio, designado aos casais formados pelo homem e pela mulher. Afinal, todos nós nascemos em família, ainda que - em vários casos - imperfeita, incompleta e não necessariamente construída na base do Sacramento. O que, porém, precisa ser dito uma vez por todas, nenhum homossexual é contra o Sacramento do Matrimônio, nem contra a família baseada no casal heterossexual. Ainda mais claramente devemos declarar a nossa absoluta contestação das opiniões que apontam as pessoas LGBT (e a sua luta pelos direitos humanos, inclusive pelo reconhecimento da união estável) como "grave ameaça à família tradicional enquanto instituição fundamental da sociedade". É pelo contrário. Nós reconhecemos o papel da família tradicional e a sua função majoritária na construção da sociedade. A família tradicional é, sim, o fundamento, porém, nenhuma construção limita-se apenas ao fundamento. É inevitável e verdadeiramente preciosa a inspiração que os casais homossexuais recebem dessas famílias. Ainda que muitos autores e militantes dos movimentos LGBT critiquem a "heteronormatividade", não temos como (e a maioria realmente não quer) ignorar esse papel fundamental, exercido pela família composta de papai, mamãe e demais familiares. Por isso não vamos enxergar como retrocesso, aquilo tudo que o Papa Francisco tem dito sobre o Sacramento do Matrimônio. Notamos, ao mesmo tempo, que as suas palavras sobre as coisas essenciais na vida de um casal heterossexual, aplicam-se perfeitamente aos casais homossexuais. Por exemplo:
Cada um de nós constrói a sua própria personalidade na família, crescendo com a mãe e o pai, irmãos e irmãs, respirando o calor da casa. A família é o lugar onde nós recebemos o nome, é o lugar dos afetos, o espaço de intimidade, onde se aprende a arte do diálogo e da comunicação interpessoal. Na família, a pessoa torna-se consciente de sua própria dignidade e, especialmente, se a educação é cristã, reconhece a dignidade de cada pessoa humana, especialmente dos doentes, dos fracos e marginalizados. [1]
Muitas vezes a vida é gravosa, frequentemente mesmo trágica! Ainda recentemente o ouvíamos… Trabalhar é fatigante; procurar trabalho é fatigante. E encontrar emprego hoje pede-nos tanta fadiga! Mas, aquilo que mais pesa na vida não é isto: aquilo que pesa mais do que tudo isso é a falta de amor. Pesa não receber um sorriso, não ser benquisto. Pesam certos silêncios, às vezes mesmo em família, entre marido e esposa, entre pais e filhos, entre irmãos. Sem amor, a fadiga torna-se mais pesada, intolerável. Penso nos idosos sozinhos, nas famílias em dificuldade porque sem ajuda para sustentarem quem em casa precisa de especiais atenções e cuidados. «Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos», diz Jesus. [2]
Queridas famílias, como bem sabeis, a verdadeira alegria que se experimenta na família não é algo superficial, não vem das coisas, das circunstâncias favoráveis... A alegria verdadeira vem da harmonia profunda entre as pessoas, que todos sentem no coração, e que nos faz sentir a beleza de estarmos juntos, de nos apoiarmos uns aos outros no caminho da vida. Mas, na base deste sentimento de alegria profunda está a presença de Deus, a presença de Deus na família, está o seu amor acolhedor, misericordioso, cheio de respeito por todos. E, acima de tudo, um amor paciente: a paciência é uma virtude de Deus e nos ensina, na família, a ter este amor paciente, um com o outro. Ter paciência entre nós. Amor paciente. Só Deus sabe criar a harmonia a partir das diferenças. Se falta o amor de Deus, a família também perde a harmonia, prevalecem os individualismos, se apaga a alegria. Pelo contrário, a família que vive a alegria da fé, comunica-a espontaneamente, é sal da terra e luz do mundo, é fermento para toda a sociedade. [3]
Certamente, o caminho para o reconhecimento pleno e oficial - principalmente por parte da Igreja - de famílias construídas com a base em casais homossexuais, é ainda muito longo. O primeiro passo consiste em parar de considerar tal fenômeno uma ameaça. Depois, sem dúvida, é preciso conhecer de perto a experiência dessas novas famílias. Talvez nunca se chegue a admitir o Sacramento do Matrimônio (e nem esse mesmo termo) aos casais homossexuais. Mas, reconhecer o seu direito de existir, inclusive dentro da comunidade eclesial, é possível. O que se faz necessário, é a remoção de preconceitos (de ambos os lados) e um diálogo sereno, sempre pautado pela fé e boa vontade.
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