Volto à última entrevista do Papa Francisco, concedida ao jornalista Eugenio Scalfari e às reações de alguns católicos que se apresentam como defensores da Tradição (entendida por eles como o sinônimo da verdade absoluta). Basta ler os comentários sobre a entrevista, no site "Fratres in Unum". O próprio portal publica, também, a sua opinião sobre a entrevista do Papa:
É muito difícil emitir um juízo sobre as intenções do papa a respeito. Pelo tamanho das “derrapadas doutrinais”, parece-nos que se trate mais de pouca inteligência misturada com a típica loquacidade achista episcopal latino-americana potencializada pelo próprio idealismo pauperista e espiritualista tão agradável à opinião pública e um certo surto de populismo ansioso, desejoso de aparecer e ganhar espaço nas manchetes. (...) Não nos assustemos com estes acontecimentos e com outros ainda piores que possam vir. Precisamos nos manter firmes na fé, pois o luxo da perplexidade já há muito tempo nos foi tirado, e agora nos resta o bom combate.
Os comentários sobre a entrevista e sobre o próprio Papa não são diferentes:
- É pecado desejar que esse pontificado não demore?
- Não é pecado pedir a Deus que nos livre do mal.
- A coisa está ficando cada vez pior. Acho que nossa única arma é reclamar ao seu direto superior: Nosso Senhor, através de nossas orações. Também escreverei a quem o colocou lá, os cardeais, pelo menos os mais sensíveis à Tradição, para que tentem tomar providências para reduzir os danos…
- Nossa, quando o Papa disse que não gostava de dar entrevistas fiquei até um pouco aliviado achando que não veríamos muito disso, mas infelizmente estava enganado. Com o número de católicos cada vez menor ele diz que proselitismo é bobagem? E olha que é jesuíta.
- A entrevista é um desastre monumental. Eu não lembro de um Papa tão absurdamente fraco teologicamente. Proselitismo é besteira? A consciência sabe o certo e o errado? Política e religião são desconexas? Será que ele conhece o catecismo? Certa hora achei que o ateu tinha convencido o papa. Meu Deus!!!! Marana tha
- Esse Papa não ama a Igreja. Ele só fala mal dela. Que humildade é esta que acha que tudo antes dele estava errado. Ele fala mal dos padres, dos bispos, dos que o antecederam, da cúria… ele não ama a igreja. Esse Papa não tem papa na língua. Fala demais
- Considero irresponsável e imprudente o Summus Pontifex Ecclesiae Universalis conceder entrevistas. Será que não há ninguém no Vaticano para assessorar nosso Pontífice?
- A casa caiu. É absolutamente claro que o Comunismo chegou enfim ao Papado.
- Vivemos o momento histórico do inicio da Nova Era. A cada dia uma nova entrevista de preparação para ações que chocam os católicos. Voltemos para as catacumbas. Rápido!
- Em breve começará as perseguições a quem ousar falar sobre tradição. Deus nos salve…..
- Eu já visitei o túmulo de São Francisco de Assis. Se tivesse condições financeiras de voltar à Itália neste momento, voltaria a Assis e rogaria ao poverino para que o pontificado de Bergoglio seja o mais curto possível.
- Li a entrevista com tristeza, incredulidade e, acima de tudo, com um sentimento de que fui abandonado por aquele que devia ser meu pai na Fé.
- O Papa está confuso e eu muito mais!
Algumas pessoas expressam, de passagem, a sua admiração pelo Papa Bento XVI. Há quem lance uma ideia bastante curiosa:
Na época da renúncia de
Bento XVI lembro ter lido em algum lugar que ao anunciar sua renúncia
ele cometeu um erro em latim (não lembro se estava escrito ou se
errou ao pronunciá-lo) e que isso invalidaria sua renúncia como
tal. E se tal teoria for verdade? E se ocorreu mesmo esse erro que
invalidaria a renúncia? Diversos acontecimentos nos fizeram e
continuam a fazer pensar que o santo padre renunciou por pressões e
influências externas… E se Bento XVI o fez de propósito para –
mesmo tendo “renunciado” diante de todos – continuar a ser o
verdadeiro papa. Pode parecer loucura mas diante dos acontecimentos
recentes essa ideia não para de martelar minha consciência, isto é,
a ideia de que Bento XVI continua a ser o verdadeiro papa.
Deixando de lado as opiniões mais extremas que consideram o Concílio Vaticano II uma heresia e a traição da verdadeira doutrina (como em um dos comentários que diz: A igreja conciliar do
Vaticano II não é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana), vale lembrar o que disse sobre o proselitismo (um dos assuntos da entrevista que mais enfureceram os católicos fundamentalistas), o Papa Bento XVI:
A Igreja não faz
proselitismo. Ela cresce muito mais por “atração”: como
Cristo “atrai todos a si” com a força do seu amor, que culminou
no sacrifício da Cruz, assim a Igreja cumpre a sua missão na medida
em que, associada a Cristo, cumpre a sua obra conformando-se em
espírito e concretamente com a caridade do seu Senhor. (Missa de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado da
América Latina e do Caribe, Aparecida, 13 de maio de 2007). Esta afirmação reforça o ensinamento do Beato João Paulo II que escreveu: A nova evangelização não deve de modo algum ser confundida com
o proselitismo, sem com isto negar o dever do respeito da verdade,
liberdade e dignidade de cada pessoa. (Exortação Apostólica Ecclesia in Europa, n. 32).
A própria Igreja, de forma oficial, traz a definição da palavra "proselitismo": Originalmente o termo
«proselitismo» nasce em âmbito hebraico, onde «prosélito»
indicava aquele que, proveniente dos «gentios», passava a fazer
parte do «povo eleito». Assim também no âmbito cristão, o termo
proselitismo foi, muitas vezes, usado como sinônimo da atividade
missionária. Recentemente, o termo tomou uma conotação negativa
como publicidade para a própria religião com meios e motivos
contrários ao espírito do Evangelho e que não salvaguardam a
liberdade e a dignidade da pessoa.
Outro assunto, abordado pelo Papa Francisco em entrevista e que tanto escandalizou os católicos fundamentalistas tradicionalistas, é a consciência. Literalmente, o Papa disse: Cada um de nós tem uma visão do bem e do mal. Temos que encorajar as pessoas a caminhar em direção ao que elas consideram ser o Bem. Eugenio Scalfari responde: Santidade, o senhor escreveu isso em sua carta para mim. A consciência é autônoma, o senhor disse, e todos devem obedecer a sua consciência. Creio que este seja um dos passos mais corajosos dados por um Papa. Santo Padre prossegue: E repito aqui: Cada um tem sua própria ideia de bem e mal e deve escolher seguir o bem e combater o mal como concebe. Isso bastaria para fazer o mundo um lugar melhor.
Digo o seguinte: se todos esses leitores-comentaristas, católicos tradicionalistas, fundamentalistas ignorantes, acham o pensamento do Papa uma blasfêmia, uma heresia ou um absurdo - e, ao mesmo tempo, usam a Palavra de Deus para embasar o seu espanto - por que não consideram uma "derrapada doutrinal" a afirmação do Apóstolo Paulo que diz a mesma coisa? Tudo o que não provém de uma convicção é pecado (Rm 14, 23), ou um princípio da própria Igreja, que foi sancionado pelo 4º Concílio de Latrão (ao qual, diferentemente do Vaticano II, eles se consideram fiéis): "Tudo o que se faz contra a consciência, prepara a condenação" (quidquid fit contra conscientiam, sedificat ad gehennam), ou então, a sentença de Santo Tomás de Aquino: precisa-se seguir a consciência, mesmo contra a força da Igreja (Sent. IV., díst. 38).
Uma conclusão:
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