O Papa Francisco não gosta de dar entrevistas.
Imagine, se ele gostasse!
Durante o voo ao Brasil para a JMJ, o Papa disse: Verdadeiramente eu não dou entrevistas, mas é porque não sei, não consigo. Sou assim! Sinto um pouco de dificuldade em fazê-lo, mas agradeço a companhia. Na viagem de volta a Roma, um dos jornalistas franceses, Antoine-Marie Izoard, retrucou: Para um Papa que não quer dar entrevistas, estamos-lhe verdadeiramente gratos. O padre Antonio Spadaro, SJ, assim relata o desabafo do Papa, antes de iniciar "oficialmente" a conversa: Pouco antes da audiência que concedeu aos jesuítas da "Civiltà Cattolica", o Papa tinha-me falado da sua grande dificuldade em dar entrevistas. Tinha-me dito que prefere pensar, mais do que dar respostas imediatas em entrevistas de momento. Sente que as respostas corretas lhe vêm depois de ter dado a primeira resposta.
Podemos ler hoje, na íntegra, uma nova entrevista do Papa. Desta vez é o relato de sua conversa com o jornalista italiano Eugenio Scalfari (fundador e primeiro diretor do jornal "la Repubblica", que - de acordo com várias fontes - "se autoidentifica ateu"). Antes de entrar ao mérito da entrevista, gostaria de lembrar que as declarações do tipo "entrevista inédita e histórica" ignoram a existência de entrevistas, inclusive em forma de livros, concedidas aos jornalistas por outros Papas. Os relatos de conversas papais de hoje inserem-se, sem dúvida, em um gênero literário escolhido pelos Papas na segunda metade do século XX: com uma série aberta em 1967 pelos "Diálogos" de Paulo VI com Jean Guitton, continuada por João Paulo II, em suas conversas com André Frossard e Vittorio Messori e pelo Papa Bento XVI, em suas conversas com Peter Seewald (iniciadas anda antes de sua eleição para ocupar a sede petrina). De fato, cada entrevista é única, inédita e exclusiva (o termo adorado pelos jornalistas), mas vale a pena reconhecer o trabalho e os méritos de outros colegas, entrevistadores dos Papas.
Em sua nova entrevista, o Papa repete os temas que o acompanham desde o início. Claro, é sempre uma abordagem nova, uma espécie de insistência de quem sente a necessidade de explicar, talvez porque perceba alguma dificuldade de ouvintes em compreender certas ideias. Mais ou menos assim, como você conversa com um estrangeiro e procura, com os gestos, a mímica e o tom de voz, ajuda-lo a entender do que você está falando. Temos, portanto, aqui - de novo - a cultura do diálogo, o amor ao próximo, as injustiças sociais, a necessidade de reformas na Igreja e no mundo.
Acho muito importante destacar o estilo da conversa que pouco ou nada tem de uma clássica entrevista jornalística. O tom, os temas, o senso de humor em cutucar o interlocutor e fazer piada, os desabafos muito íntimos sobre as experiências pessoais... tudo isso cria um clima de um bate-papo de velhos amigos, com o direito de um tapinha nas costas, entre um e outro puxão de orelha. Neste caso, a cordialidade não é banalidade, nem diplomacia superficial. Impressionam ripostas rápidas e certeiras, sem violar a profunda reverência de um para o outro. O início e o final da conversa me deixaram esperançoso por uma continuação. O Papa disse no início: Às vezes, após um encontro, desejo marcar outro porque novas ideias surgem e descubro novas necessidade. Isso é importante: conhecer as pessoas, ouvir, expandir nosso círculo de ideias. E termina com uma promessa: Eu lhe direi mais da próxima vez.
Recomendo a leitura de texto na íntegra e não apenas em fragmentos, fornecidos pela mídia (de diversas opções ideológicas). Quem quiser, leia também, os comentários de vários "católicos fundamentalistas" a-p-a-v-o-r-a-d-o-s, na mesma página, logo depois da entrevista. Certamente, entre os trechos mais criticados por eles, estão os que eu vou agora citar aqui.
- O proselitismo é uma solene tolice ("nonsense" - outras fontes dizem besteira - "sciochezza" - seria bom verificar o original), não tem sentido. Nós temos que conhecer um ao outro, ouvir um ao outro e melhorar o nosso conhecimento do mundo ao nosso redor. Às vezes, após um encontro, desejo marcar outro porque novas ideias surgem e descubro novas necessidade. Isso é importante: conhecer as pessoas, ouvir, expandir nosso círculo de ideias. O mundo é cruzado por vias que se aproximam e se separam, mas o importante é que elas levem ao Bem.
- Você sabe o que é ágape? É o amor pelos outros, como Nosso Senhor pregou. Não é fazer proselitismo, é amar. Amar o próximo, aquele fermento que serve ao bem comum.
- Não gosto da palavra narcisismo. Ela indica um amor excessivo por si mesmo e isso não é bom, pode produzir sérios danos não só à alma do que dele sofre, mas também no relacionamento com outros, com a sociedade na qual se vive. O verdadeiro problema é que aqueles mais afetados por isso — que é, na realidade, um tipo de desordem mental — são pessoas que têm muito poder. Normalmente os chefes são narcisistas. Os líderes na Igreja frequentemente foram narcisistas, bajulados e negativamente influenciados por seus cortesãos. A corte é a lepra do Papado.
- (...) quando encontro um clericalista, de repente, me torno anticlerical. O clericalismo não deveria ter qualquer coisa a ver com o cristianismo.
- Pessoalmente, creio que ser uma minoria é realmente um ponto forte. Temos que se um fermento de vida e amor, e o fermento é infinitamente menor do que uma massa de frutas, flores e das árvores que nascem delas. Creio já ter dito que a nossa meta não é fazer proselitismo, mas ouvir às necessidades, desejos e desilusões, desespero, esperança.
- Precisamos incluir os excluídos e pegar a paz.
- Demos um passo à frente em nosso diálogo. Observamos que na sociedade e no mundo em que vivemos o egoísmo tem aumentado mais do que o amor pelos outros, e que os homens de boa vontade precisarão trabalhar, cada qual com os seus pontos fortes e experiência, para garantir que o amor aos outros aumente até que seja igual e possivelmente exceda o amor por si mesmo.
- Pessoalmente creio que o chamado liberalismo irrestrito somente faz do forte mais forte e do fraco mais fraco e exclui os mais excluídos. Precisamos de grande liberdade, não descriminação, não demagogia e muito amor. Precisamos de regras para conduzir e também, se necessário, intervenção direta do estado para corrigir as desigualdades mais intoleráveis.
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