ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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24 de fevereiro de 2011

moderna torre de Babel

A história bíblica dos ambiciosos construtores de uma torre é bastante conhecida (confira em Gn 11, 1-9). Quase no final do texto Deus declara: Vamos: desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro. (Gn 11, 7). Muitos teólogos apontam o dia de Pentecostes como o início da restauração de todas as coisas em Cristo (contrapondo, por assim dizer, o Pentecostes a Babel). Com efeito, o derramamento do Espírito Santo, é o fruto da redenção realizada por Cristo em sua paixão, morte e ressurreição. Atos dos Apóstolos descrevem um dos sinais da ação do Paráclito: "começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem" (At 2, 4), causando espanto de todos que ali se encontravam naquela ocasião. Pois bem, estou observando, há muito tempo, um fenômeno não menos espantoso e muito desanimador. Digo desanimador, porque a coisa não só carece de solução, mas ainda parece piorar cada vez mais. É a nova torre de Babel, é o retrocesso de Pentecostes. Acredito que tenham contribuído para esta confusão vários fatores. Primeiro: observo um verdadeiro dilúvio de ideias e palavras que, também graças à rapidez e facilidade de comunicação, conseguem nos alcançar, cercar e afogar. Outra coisa, à qual o Papa Bento XVI chamou atenção em sua primeira encíclica, é o problema com o significado de palavras. O documento papal, dedicado ao amor (divino e humano), traz logo no início a seguinte observação: O amor de Deus por nós é questão fundamental para a vida e coloca questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós. A tal propósito, o primeiro obstáculo que encontramos é um problema de linguagem. O termo « amor » tornou-se hoje uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados completamente diferentes. ("Deus caritas est, n. 2; leia na íntegra aqui). O mesmo acontece com muitos outros termos (sobretudo com os mais profundos e importantes). Finalmente, como terceiro, vejo o grave problema de falta de atenção, proveniente de cada vez mais baixo nível de cultura pessoal. Acontece uma triste banalização de tudo e de todos. Na prática, falamos (e escrevemos) sem entender bem as palavras, escutamos (lemos) sem prestar devida atenção àquele que fala (escreve) e àquilo que está sendo dito (escrito). Tudo se torna banal, sem importância e, porque já estão chegando novos conteúdos (tratados de maneira igualmente superficial), o que foi declarado há cinco minutos, cai no abismo de esquecimento. É, provavelmente, um delírio da minha mente cansada e decepcionada, mas sinto-me profundamente incomodado com tudo isso. Não tenho vontade (nem espaço) para citar todos os exemplos mais recentes, por isso vou me limitar a apenas um. Já fiz, neste blog, alguns comentários sobre o livro "Luz do mundo" (entrevista de Peter Seewald com o Papa Bento XVI). Finalmente comprei (ontem) este livro. A primeira decepção foi o fato de ser uma edição portuguesa, o que não facilita a keitura aqui, no Brasil (adoro Portugal, amo os portugueses, tenho grandes amigos de lá, inclusive blogueiros!). Mesmo com o acordo ortográfico (entende-se: a aproximação de várias versões do mesmo idioma), há diferenças consideráveis que atrapalham um pouco. Mas não era sobre isso que queria dizer. Quem comete os delitos da "nova torre de Babel" é o jornalista Peter Seewald. Eu sei que conversar com o Papa, ainda que este seja um velho amigo, pode deixar qualquer um meio tonto (embora o próprio Seewald constate o contrário: "Ora, com Bento XVI, ninguém precisa tremer"; p. 11). Entretanto - pelo amor de Deus e pelo respeito ao interlocutor e aos leitores - não precisava banalizar tanto as coisas. É óbvio, também de ponto de vista profissional, que para cada entrevista precisa se preparar! Primeira asneira (como dizem os portugueses) está logo na introdução. Seewald, em pose de um pavão, escreve: "Nunca antes na história da Igreja um Pontífice tenha dialogado sob a forma de uma entrevista pessoal e directa." (p. 7). Não precisa ser um vaticanólogo (vaticanista), para saber que, durnate o pontificado de João Paulo II, tal evento (entrevista) aconteceu, pelo menos, três vezes, resultando com os livros: "Não tenham medo" (entrevista com jornalista e escritor francês André Frossard em 1983), "Cruzando o limiar da esperança" (entrevista com o esctitor italiano Vittorio Messori em 1994) e "Memória e identidade" (colóquios com os padres poloneses, professores de filosofia: Józef Tischner e Krzysztof Michalski, editados pouco antes da morte do Papa). Confesso que estou apenas no início de letura do livro "Luz do mundo", mas pelo que já li, espero encontrar mais provas da falta de preparação profissional de Peter Seewald. No primeiro capítulo, ao fazer uma das perguntas ao Papa, o jornalista cita uma "frase de Santo Agostinho". A resposta de Bento XVI diz tudo: "Essa expressão não é bem assim e não foi formulada por Santo Agostinho, mas podemos deixar isso aqui em aberto" (p. 19). Imagino aquele discreto sorriso do Papa, como se estivesse pensando: "Vá com calma, garoto! Tentarei explicar tudo mais devagar..." Uma formiguinha tentando conversar com o gigante. Lamentável, Peter! Fala sério...

o que cortar?

A passagem do Evangelho de hoje (Mc 9, 41-50) já deu muita dor de cabeça aos pregadores (e aos seus ouvintes). Afinal, cortar ou não cortar a mão? O que é que Jesus quer dizer com isso? Até os mais radicais defensores de leitura da Bíblia ao pé da letra, ficam confusos diante destas palavras de Jesus. Acredito que a chave esteja na expressão repetida várias vezes no mesmo trecho: “é melhor” (e no caso da pedra de moinho amarrada ao pescoço, “melhor seria”). É ma mesma figura linguística que usamos na hora de declarar algo (ou alguém) como muitíssimo importante para nós. Apaixonado diz: “Eu prefiro morrer do que me separar de você”, pai ao filho: “se você me desobedecer mais uma vez, eu arranco a sua cabeça”, professor aos alunos: “se alguém colar, vou quebrar o seu braço” (há muitos outros exemplos que incluem atos de “arrancar cabelos”, “esfolar vivo”, “levar à lua” ou “mostrar paraíso”, etc.). Com outras palavras, é o uso proposital de exagero para chamar atenção e sensibilizar a consciência de outrem. Jesus sabia perfeitamente que no meio de seus discípulos havia (e ainda há!) indivíduos com a consciência torta e o coração endurecido. Sabia, também, que não é exatamente a mão, o pé ou o olho que levam alguém a pecar, pois estes são meros instrumentos e não autores (inventores) das maldades. Em outra ocasião o Senhor disse claramente: é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos, devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. (Mc 7, 21-22; cf. Mt 15, 19) Por mais estranhas que pareçam, estas duras palavras de Jesus revelam o seu amor e a sua preocupação para conosco. Como se dissesse: “Meu filho, o pecado é um perigo grande e muito real! Se for o caso, eu prefiro ver você mutilado, de que fora da casa do meu Pai. Tome, portanto, muito cuidado!”. O que devemos cortar muitas vezes são as ocasiões do pecado e, às vezes, também, alguns relacionamentos. Li em algum lugar o comentário de um padre que associa a "ordem" de cortar a mão com os pecados sexuais. Coitado, deve ter sentido muito remorso pelo mau uso de sua mão. Por que não ler o contexto mais amplo da passagem? Jesus diz, um pouco antes: Quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa. (v. 41). O primeiro pecado cometido com a mão seria, então, mantê-la fechada (por aqui dizem “mão de vaca”), ou seja, omitir-se no dever de caridade fraterna. É, aliás, um delito muito frequente, inclusive nas tentativas de interpretar a Bíblia. Há milhares de cristãos que gostariam de cortar certas partes do corpo de homossexuais (como se a sexualidade estivesse presente apenas naquelas partes). Eu digo: corta a minha cabeça e arranca o meu coração, porque a homossexualidade está ali. Voltando à pedra do moinho amarrada ao pescoço, pergunto qual é o maior escândalo: dois homens que se abraçam e beijam ou todo tipo de intolerância, preconceito, desprezo e soberba que apresentam muitos seguidores de Cristo?

23 de fevereiro de 2011

no princípio, agora e sempre

João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. Jesus disse: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor”. (Mc 9, 38-40) Esta pequena passagem do Evangelho de hoje lembra a permanente desproporção (um verdadeiro abismo) entre a infinita sabedoria do amor divino trazido por Jesus e a pequenez do coração humano de seus discípulos. Exatamente como naquele tempo (no princípio), também agora (e sempre), vários discípulos de Jesus questionam o fato de que alguém que "não anda com eles" (o termo usado na Bíblia de CNBB, no versículo 38) tem a ousadia de fazer qualquer coisa, usando o nome do Mestre. Aquela ideia "monopolista" de João (compreende-se que ele ainda estava em processo de formação), tem muitos seguidores. Ignorando as palavras de Jesus: O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor (Mt 10, 24), muitos cristãos (e muitos líderes) ficam furiosos, quando alguém que "não anda com eles" (por exemplo na mesma visão da sexualidade), tem a coragem de falar e agir em nome de Jesus. Qual é a resposta do Senhor? Não o proibais! Ficou claro agora? Santa Teresa d'Ávila escreveu no seu "Livro da vida": Assim como há muitas moradas no céu, há muitos caminhos (cap. 13, n. 13). Alguém queira afirmar que Teresa contradiz as palavras de Jesus: "Eu sou o caminho" (Jo 14, 6)? Só pode pensar assim quem não compreende que Jesus, o Caminho, e a encarnação da infinita variedade (diversidade!) de caminhos. A primeira leitura de hoje (Eclo 4, 12-22), ajuda-nos a compreender isso: A sabedoria comunica a vida a seus filhos e acolhe os que a procuram. Quem a ela se apega herdará a glória; para onde for, Deus o abençoará. No começo, ela o acompanha por caminhos contrários, trazendo-lhe temor e tremor; começa a prová-lo com a sua disciplina, até que ele a tenha em seus pensamentos e nela deponha sua confiança. Então voltará a ele em linha reta, o confirmará e lhe dará alegria, lhe revelará os seus segredos e lhe dará o tesouro da ciência e da compreensão da justiça. (vv. 12, 14. 18-21) João passou por estes caminhos. O temor e tremor iniciais, em admitir aqueles que "não andavam com eles", deram lugar ao amor incondicional: Sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte. Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! (1Jo 3, 14. 18).

22 de fevereiro de 2011

Um livro perigoso

Alguém disse que livros são como pessoas. Você gosta de uns, por outros se apaixona e com alguns, simplesmente, se decepciona. Recentemente ganhei de presente o livro de Ana Beatriz Barbosa Silva, “Mentes perigosas. O psicopata mora ao lado” (Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2008). Apesar de uma longa lista de títulos e méritos e de outra, não menor, de livros já publicados, é difícil (para mim) associar Ana Beatriz com a nobre missão de escritora (a não ser que chamemos assim todo aquele que escreve qualquer coisa, inclusive os “artistas” que deixam as marcas de sua criatividade em banheiros públicos). A linguagem tosca e irritante do livro não é o seu único problema. Muito mais grave é a pobreza metodológica e realmente perigoso é o conceito de obra toda: as suas teses, os argumentos e as conclusões (explícitas e implícitas igualmente). Um dos princípios chega ao delírio: “os psicopatas vivem entre nós”. A insistência e o tom – por assim dizer – desta afirmação evocam o grito de João Batista no deserto e do próprio Jesus: “O reino de Deus está próximo”. Há uma diferença básica. O livro em questão anuncia a chegada do inferno. É assustador ler a advertência, repetida várias vezes pela autora, de não se precipitar em “identificar” os psicopatas, tendo ao mesmo tempo todo o conteúdo do livro que induz, exatamente, a esta atitude. Diria que o livro é extremamente antipedagógico. Basta ler algumas frases paranóicas, logo no início da obra: “Pare e pense nos seus vizinhos; nos jovens nas escolas; nos trabalhadores da sua rua; nos profissionais de várias áreas; nos amigos dos seus amigos; nas mães que zelam pelos seus filhos; nos líderes religiosos e nos políticos de sua nação. Pare e pense agora nos seus familiares, no seu chefe, no seu subordinado. Será que todos, sem exceção, são dotados de consciência? Torcemos para que SIM! Contudo, lamentavelmente, não é bem assim que a realidade se mostra. Poderíamos responder a essa mesma pergunta com um vigoroso NÃO!” (p. 35-36). A nota biográfica de autora do livro descreve a riqueza de sua formação profissional e fala de sua atuação de “diretora das clínicas Medicina do Comportamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde atende os pacientes e supervisiona os profissionais da sua equipe (médicos e psicólogos)”. Diante desta “ficha” causa o espanto uma enorme quantidade de argumentos, fornecidos por ela para comprovar as suas teorias, tendo como a fonte principal... a mídia. Não raras vezes lemos uma história, copiada literalmente de um jornal (com o nome completo do acusado), que termina com a seguinte conclusão: “É importante ressaltar que em momento algum afirmo que as pessoas aqui descritas são psicopatas de fato” (p. 107). É impressionante como uma profissional, tendo citado com predileção e generosidade, as matérias de jornais, revistas e programas de televisão, não percebe, em nenhum momento que, exatamente, a mídia (em sua grande maioria) possui todas as características de um psicopata. Tudo que Ana Beatriz fala sobre o psicopata, encaixa-se perfeitamente no perfil da maior parte de jornalismo sensacionalista que lemos, ouvimos ou assistimos diariamente. É um jornalismo psicopata: “engana e representa muito bem, é frio, mentiroso, insensível, manipulador, perverso, impiedoso, imoral, sem consciência e desprovido de compaixão culpa ou remorso. Pode arruinar empresas e famílias, provocar intrigas, destruir sonhos. Por ser charmoso, eloquente, inteligente, envolvente e sedutor, não costuma levantar suspeita de quem realmente é. A sua natureza é devastadora e assustadora. O seu jogo se baseia no poder e na autopromoção às custas dos outros. Como animal predador, vampiro ou parasita humano, sempre suga suas presas até o limite de uso e abuso. Saber identificá-lo pode ser antídoto (talvez o único) contra o seu veneno paralisante e mortal.” (Todos estes termos fazem parte do “cardápio” encontrado no livro). Conclusão: agradeço de coração a Violetinha (minha amiga) que me presenteou com o livro (adoro ler!), mas, em hipótese alguma, recomendo esta obra a quem quer que seja. Pelo contrário: considero “Mentes perigosas” um livro perigoso. Imagino um momento desastroso em que a mesma autora se decida a escrever o livro sobre "as mentes homossexuais" (já que essa é a sua série: mentes inquietas, insaciáveis, com medo, etc.).

Cátedra de Pedro

A cátedra significa autoridade. E nós, católicos, reconhecemos, aceitamos e respeitamos o ministério petrino. É por isso que consideramos tão importante tudo o que diz o Papa. Obviamente, reconhecer a autoridade não significa idolatrar um ser humano. A figura de pastor e das ovelhas não tem nada a ver com a nossa identificação irrestrita com estas criaturas: simpáticas, mas mudas e, digamos, pouco inteligentes (pelo menos no conceito geral). O pastor que une e guia as ovelhas (o rebanho) é Jesus Cristo que deixou aqui na terra o seu representante: Pedro e todos os seus sucessores. O Papa é chamado “Vigário de Cristo” (Santa Catarina de Sena usa o termo “meu Cristo na terra”). Para compreender melhor a nossa relação com o sucessor de Pedro, podemos lembrar de uma cena bíblica, descrita por um dos seus protagonistas, Apóstolo Paulo – irmão no ministério apostólico, mas como membro da Igreja, também “ovelha”, em relação com o pastor. Aliás, sobre Pedro costuma-se dizer que é “primeiro entre iguais” e um dos títulos oficiais do Sumo Pontífice á “servo dos servos de Deus”. A cena em questão se deu em Antioquia e Paulo descreve tudo detalhadamente em sua Carta aos Gálatas (2, 11-14). O texto é tão espetacular que vale a pena a sua transcrição: Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe francamente, porque era censurável. Pois, antes de chegarem alguns homens da parte de Tiago, ele comia com os pagãos convertidos. Mas, quando aqueles vieram, retraiu-se e separou-se destes, temendo os circuncidados. Os demais judeus convertidos seguiram-lhe a atitude equívoca, de maneira que mesmo Barnabé foi levado por eles a essa dissimulação. Quando vi que o seu procedimento não era segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, em presença de todos: Se tu, que és judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como os judeus?
Para termos mais clareza, é bom lembrar de que tudo isso aconteceu bem depois do dia de Pentecostes, em que os Apóstolos receberam o Espírito Santo. Por assim dizer, a Igreja já estava em “pleno andamento”. Mesmo assim, usando palavras de Paulo ("ovelha do rebanho", ainda que, também um Apóstolo, que chega a chamar o seu Papa, praticamente de “pagão”), Pedro foi “censurável”, tomando “atitude equivocada”, isto é “dissimulação” (estes são os termos da Bíblia “Ave Maria”. A tradução da CNBB usa, também, a palavra “hipocrisia” no v. 13). É curioso que a festa de hoje está associada com o surgimento do cristianismo nesta cidade (Antioquia), na qual Pedro foi o primeiro bispo.
Ora, o objetivo desta postagem não é ofender ou desprezar o Sumo Pontífice. Tenho muito carinho e respeito por ele. Que tal, entretanto, celebrar a festa de hoje (da Cátedra de São Pedro) como ocasião para refletir sobre a (sobrecarregada) humanidade do Papa e rezar mais por ele?

20 de fevereiro de 2011

sede perfeitos, sede santos

A liturgia deste VII domingo do tempo comum traz o chamado à santidade. É um desafio para a nossa mente: é possível ser como Deus? A primeira leitura (Lv 19, 1-2. 17-18) diz: Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo. E logo explica: Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele. Não procures vingança, nem guardes rancor dos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Portanto, "ser como Deus" significa antes de tudo: amar. Reforça esta ideia o salmo responsorial (Sl 102), dizendo que Deus é indulgente, favorável, paciente, bondoso e compassivo. Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas. E ainda: ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade; da sepultura ele salva a tua vida e te cerca de carinho e compaixão. Parece, então, que basicamente é isso: amar. Jesus no Evangelho (Mt 5, 38-48) define o limite (ou a falta de limite) deste amor: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. E conclui: Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito! A primeira impressão é que a Palavra de Deus tenha exigido algo impossível (o que desencoraja até os mais corajosos). Entretanto, acredito eu, a chave para uma compreensão dessas passagens está na resposta à pergunta que vem (quase que automaticamente), diante das expressões "ser santo ou perfeito como Deus". Então: como é Deus (ou quem Ele é). A mesma pergunta fez a Deus Moisés no deserto. Tudo bem, ele perguntou qual era o seu nome, mas Deus deu logo uma (bastante misteriosa) resposta que revelava tanto o nome como a sua natureza divina: "Eu sou aquele que sou" (Ex 3, 14). "Juntando as peças", podemos acrescentar aqui ainda a revelação feita por Deus através do Apóstolo João (em 1Jo 4, 16b): Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele. Um pouco antes (v. 12), o mesmo texto diz: Se nos amarmos mutuamente, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito. É claro que continua aberta a questão de como amar de fato (ou como aprender a amar verdadeiramente), mas a mensagem deste domingo parece dizer: não tenha medo de amar! Outra coisa que me veio na mente é que Deus é perfeito em "ser Deus" e, por isso mesmo, quanto mais "eu sou o que sou", aproximo-me dele. Isso significa, também, uma necessidade de "autoconhecimento". Preciso descobrir a minha identidade, conhecer-me assim como Deus me conhece, não tentar fugir daquilo que sou, nem fingir ser outra pessoa. Algo neste sentido falou hoje o Papa Bento XVI: "Mas quem poderia tornar-se perfeito? A nossa perfeição é viver com humildade como filhos de Deus, realizando concretamente a sua vontade" (fonte: portal da canção nova - aqui). A humildade mencionada pelo Papa tem como um dos sinônimos principais a verdade. A nossa perfeição, portanto, é viver a verdade do nosso ser.

18 de fevereiro de 2011

renúncia


Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho vai salvá-la. Com efeito, de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perde a própria vida? E o que poderia o homem dar em troca da própria vida? (Mc 8, 34b-37; o texto inteiro de hoje: Mc, 8, 34-9,1). Há quem use esta passagem para provar que os homossexuais devem renunciar a sua homossexualidade. Alguém pode renunciar a cor de sua pele ou a sua altura? Só se for, literalmente, renunciando a vida por inteiro, aí sim, vai junto a sexualidade, a cor de pele, a altura e um monte de outras coisas. Na primeira leitura temos a história da torre de Babel (Gn 11, 1-9). É um paradoxo que a aspiração do homem de chegar até o céu, tendo causado a confusão das línguas e a dispersão da humanidade, é a mesma que Jesus realizou com a sua morte e ressurreição, ou seja, fez o homem chegar até o céu (realizando, ao mesmo tempo, uma nova união entre os homens). A questão é o modo de chegar lá. O homem quis fazê-lo de seu jeito, sem Deus (o que é realmente impossível). Deus se fez humano em Jesus, para que nós nos tornássemos divinos. O desejo dos homens (construtores da torre e tantos outros) baseava-se no egoísmo, no falso conceito de independência (de Deus) e de autossuficiência. O desejo (e o projeto realizado em Jesus) baseia-se no amor. Toda a diferença está nas motivaçãoes (além da ausência ou presença de capacidade). Algo parecido podemos dizer sobre o amor e a promiscuidade. Às vezes até se parecem em suas expressões, mas a diferença essencial está na motivação. O homossexual que procura seguir Jesus renuncia a ideia (e a prática) de sexo como "esporte", brincadeira, diversão, dominação, fonte de lucro (prostituição) ou de prazer sem compromisso. É porque o cristão deseja amar, independentemente de sua orientação sexual.

17 de fevereiro de 2011

o discernimento

Assim como as cores no arco-íris (veja o final da I leitura: Gn 9, 1-13), compõem-se as diversas respostas à pergunta de Jesus: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27; a passagem inteira de hoje vai até o versículo 33). Entre todas e mais diversas opiniões, destaca-se a de Pedro: “Tu és o Messias”. Outro Evangelista, Mateus, acrescenta a revelação feita por Jesus em seguida: "Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isso, mas meu Pai que está nos céus" (Mt 16, 17). Surpreendente é a continuação da conversa. Depois de ouvir o que, de fato, significa ser Messias: sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, ser morto, e ressuscitar depois de três dias (cf. Mc 8, 31), o mesmo Pedro (talvez movido pela força do suposto elogio de Jesus) começa a chamar atenção do Mestre. Coitado, não tinha entendido nada. A reação de Jesus surpeende mais ainda: “Vai para longe de mim, Satanás!” Tu não pensas como Deus, e sim como os homens” (v. 33). Mateus transmite as palavras de Jesus com mais veemência: "Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um escândalo!", o que alguns traduzem como "tu és para mim uma pedra de tropeço" (Mt 16, 23). Será que Jesus está chamando Pedro de Satanás, como realmente parece? Acredito que não. Primeiro, porque Pedro não foi embora, o que seria a mais lógica consequência da ordem de Jesus. Segundo, porque a Palavra já havia anunciado de que o Satanás voltaria a atormentar Jesus. Voltemos à cena das tentações no deserto. Evangelista Lucas (4, 1-13) conclui aqueles acontecimentos assim: "Depois de tê-lo assim tentado de todos os modos, o demônio apartou-se dele até outra ocasião". (Lc, 4, 13) Acredito que as palavras tão duras do Senhor foram dirigidas ao próprio inimigo. Aconteceu, portanto, uma libertação de Pedro. O que impressiona naquele diálogo é a incrível capacidade do ser humano se ser influenciado (inspirado), tanto por Deus quanto pelo Satanás. Somos sensíveis, ou melhor, vulneráveis. Todos nós precisamos de um dom especial, chamado discernimento. São Paulo menciona-o no meio de muitos outros carismas, dons do Espírito Santo (cf. 1Cor, 12, 4-11). Digo mais: não é por acaso que o Evangelho mostra, justamente, Pedro como aquele que necessita de discernimento. Todos nós precisamos disso, mas de maneira ainda mais urgente, os dirigentes da Igreja. Até porque a pergunta continua sendo a mesma: "Quem dizem os homens que eu sou? E vós, quem dizeis que eu sou?" (Mc 8, 27. 29). A Constituição Pastoral "Gaudium et spes" do Concílio Vaticano II afirma: "Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (...) Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação" (n. 22).

16 de fevereiro de 2011

olhos curados

A liturgia da Missa de hoje traz o relato de mais um milagre realizado por Jesus: a cura de um cego em Betsaida (Mc 8, 22-26). É interessante a semelhança de varios detalhes neste milagre com a cura de um surdo que falava com dificuldade, lembrada na passagem do Evangelho (Mc 7, 31-37), da sexta-feira passada (leia aqui a reflexão). Mais uma vez o Senhor retira o doente para fora da multidão e dedica-lhe uma atenção especial e, de novo, utiliza a sua própria saliva como uma espécie de "remédio". Igualmente, surge uma impressão de que Jesus tivesse alguma dificuldade em realizar esta cura ou, então, como se o caso deste cego (como foi o daquele homem surdo) fosse especialmente complicado. Repito, aqui também, que tal interpretação deve ser descartada pelo fato de Jesus ser Deus todo-poderoso. Certamente, como escrevi no texto sobre a cura do homem surdo, a mensagem do Evangelho revela o amor atencioso do Senhor e a verdade de que Ele se dedica a cada um de nós de maneira especial, individual e pessoal. Por mais que tenha tratado com o mesmo amor toda a humanidade, nunca é uma relação com a "massa", mas sim, como se cada pessoa fosse a única no mundo. O que, de fato, chama atenção no texto sobre o cego de Betsaida, é o diálogo de Jesus com ele: “Estás vendo alguma coisa?” O homem levantou os olhos e disse: “Estou vendo os homens. Eles parecem árvores que andam”. Então Jesus voltou a por as mãos sobre os olhos dele e ele passou a enxergar claramente. Ficou curado, e enxergava todas as coisas com nitidez. (vv. 23b-25) Existe uma diferença enorme entre "enxergar todas as coisas com nitidez" e "ver os homens que parecem árvores que andam". Devemos admitir que, ainda que não necessariamente em forma de árvores, enxergamos as pessoas de (ou em) diversas formas. É que a forma ofusca a nossa visão da essência (ou do conteúdo). Assim, vemos negros e brancos, jovens e velhos, pobres e ricos, comuns e famosos, homossexuais e heterossexuais... e assim por diante. E, a partir desta nossa visão parcial, julgamos, classificamos e desprezamos os outros por vários motivos. Nossos olhos (e o nosso coração) precisam ser curados"

Esta passagem do Evangelho lembra-me a pregação de um sacerdote (!). Ele falava de uma mulher, chamada Marta, católica praticante e atuante na Igreja que participava de encontros da Renovação Carismática e até exercia um ministério de cura interior. A sua experência religiosa consistia, entre outras coisas, em possuir o "dom de escuta", ou seja, de receber revelações e inspirações divinas e, misteriosamente, ouvir Jesus falando com ela. Dedicava muito tempo à oração e ao atendimento das pessoas. Tinha, entretanto, um sério problema (como ela achava), bem dentro de casa. A sua filha adolescente, Michelle, havia revelado recentemente a sua "identidade homossexual". A mãe ficou apavorada quando ouviu Michelle dizer: "Eu sou lésbica". Evidentemente, o nome da filha não saía mais das orações de Marta. Em varios momentos do dia e, especialmente na hora da Comunhão diária, a mulher repetia com simplicidade e com muita confiança no seu angustiado coração: "Senhor! Toma conta da Michelle!". Alguns dias mais tarde, de repente, logo depois de receber Jesus na Eucaristia e de ter repetido diversas vezes a sua jaculatória: "Senhor! Toma conta da Michelle!", Marta ouviu no coração aquela voz que conhecia bem e amava tanto: "Marta! Quem é Michelle?". Mulher ficou surpresa e não foi com o fato de ouvir Jesus, mas com esta pergunta. Pensou, já respondendo a Ele: "Como assim, Senhor? O Senhor sabe de todas as coisas e conhece todas as pessoas... Michelle me disse que é... nem consigo repetir esta palavra. Onde foi, Senhor, que eu errei como mãe? E o que as pessoas vão dizer? Todos aqui, na igreja, me conhecem... O que é que eu faço agora, Senhor? ...Jesus, o Senhor pode curá-la?". Depois ficou quieta, como já tinha aprendido, há muito tempo. Era a hora de ouvir Jesus falar. Desta vez Ele demorou um pouco mais para responder para, finalmente, repetir: "Marta! Quem é Michelle?". A mulher sentiu um calafrio e uma sensação de insegurança. "Entendo... não sou mais digna de servir ao Senhor nem de ouvir as suas palavras... Com a filha desse jeito, acabou tudo..." - pensou. A voz de Jesus, agora com mais força e maior ainda ternura, repetiu: "Marta! Quem é Michelle? É preciso que você responda não a mim, mas a si mesma!". "Senhor!" - quase gritou Marta - "Michelle é a minha filha muito amada!". Jesus disse a ela: "Marta! Vou deixar agora algumas coisas muito bem claras para você. Primeiro: Michele, antes de tudo que se possa dizer dela, ou o que ele mesma queira dizer, é a filha muito amada do Pai Eterno. Foi também por ela que derramei o meu sangue na cruz. Segundo: realmente ela é a sua filha amada e somente a partir desta verdade é que você deve olhar a ela. Todo o resto é... o resto. Agora: não diga que você não é mais digna de servir a mim e a minha Igreja. Na verdade, ninguém é digno, mas sou Eu quem escolhe e chama para o ministério. Quero curar os seus olhos e o seu coração para que você sempre veja as pessoas assim como Eu as vejo: como filhos e filhas, muito amados por Deus". Marta sentiu uma paz imensa no seu interior. Todas aquelas preocupações desapareceram, enquanto surgia outra, diferente: como agora expressar este novo amor, nascido no coração curado, a sua filha. "Ela precisa muito de mim" - pensou. E disse as velhas palavras de nova maneira: "Senhor, toma conta da Michelle, tua e minha filha muito amada. Toma conta de mim, também!".

14 de fevereiro de 2011

mais uma polêmica

O Portal Gay1 publicou (aqui) uma matéria sobre críticas de "ativistas LGBTs" dirigidas ao novo aplicativo para iPhone, aprovado pela Igreja Católica, que tem a finalidade de ajudar no exame de consciência (em preparação ao Sacramento da Reconciliação, Confissão). Infelizmente, a dura crítica feita por Wayne Besen (diretor executivo da Truth Wins Out - organização de defesa dos direitos LGBT nos EUA), baseia-se numa confusão de termos. Besen diz: "gays católicos não precisam de se confessar, eles precisam de sair do armário e desafiar o dogma anti-gay. A falsa ideia de que ser gay é algo que se deve ter vergonha tem destruído muitas vidas. Esta aplicação para o iPhone facilita e promover esses danos", enquanto a pergunta que faz parte do exame de consciência é: "Tenho sido culpado de qualquer atividade homossexual?". Compreendo o caráter emocional das expressões do ativista, mas vejo, também, alguns equívocos nítidos (é porque as emoções "desligam" o raciocínio). Primeiro: dizer que "gays católicos não precisam de se confessar" é uma usurpação. Quem é que vai me dizer de que preciso? Ele é, por acaso, o dono da minha consciência? Segundo: a pergunta no aplicativo fala de "atividade homossexual" e não de "ser homossexual" e isso é uma diferença substancial (para quem faz funcionar a sua inteligência, caso tenha uma). O Catecismo da Igreja Católica afirma (e muitos documentos da Santa Sé repetem, com estas ou outras palavras): "Um número não desprezível de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais. Eles não escolhem a sua condição de homossexuais; essa condição constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza." (n. 2358) No parágrafo anterior (2357), o Catecismo declara: "Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves a Tradição sempre declarou que «os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados». São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem de uma verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados." Qualquer que seja a nossa opinião a respeito destas definições, é o ponto de vista do Magistério da Igreja. Como a Confissão Sacramental, com todas as suas regras, tem sido definida pela mesma autoridade, fica claro para cada católico praticante (seja homo- ou heterossexual), o que é que entra na "lista" dos pecados a serem declarados diante do sacerdote. É claro, achar o sacerdote de uma mente aberta, que consiga acolher um homossexual com atenção e caridade, já é outra história...

os irmãos

A liturgia de hoje comemora dois irmãos santos: Cirilo e Metódio, "apóstolos dos eslavos" (usando a expressão do Papa João Paulo II de sua Encíclica Slavorum Apostoli de 1985; leia aqui). Curiosamente, a primeira leitura (Gn 4, 1-15.25) traz a trágica história de outros dois irmãos, Caim e Abel. A mensagem imediata da liturgia é clara: Jesus veio para superar, também, toda a inimizade entre irmãos. Como nada foi por acaso em seu ministério, também a escolha de dois pares de irmãos (Pedro e André; Tiago e João) para o grupo mais próximo de discípulos, não aconteceu à toa. Mais tarde, o Senhor confirma a identidade mais profunda de todos os seus verdadeiros seguidores: sois irmãos (cf. Mt 23, 8 e muitos outros textos). Interessante como entra, neste contexto, a leitura da breve passagem do Evangelho de hoje (Mc 8, 11-13). Quando os fariseus pedem, ou melhor, exigem, um sinal de Jesus, Ele responde: "Por que esta gente pede um sinal? Em verdade vos digo, a esta gente não será dado nenhum sinal" (v. 12). Jesus que vivia realizando milagres e sinais extraordinários, nega este privilégio aos homens de coração fechado e de intenções duvidosas. Podemos, creio eu, fazer aqui um paralelo. Talvez, como em outros casos, aquele pedido dos fariseus tenha sido transmitido ao Mestre pelos discípulos (cf. Jo 12, 20-22 ou Mc 3, 32). Mais tarde, Jesus repete, com outras palavras, aquilo que disse na ocasião da multiplicação dos pães. Vejamos. Os discipulos disseram-lhe: "Este lugar é deserto e a hora é avançada. Despede esta gente para que vá comprar viveres na aldeia." Jesus, porém, respondeu: "Não é necessário: dai-lhe vós mesmos de comer" (Mt 14, 15-16). Chegou outro momento em que Jesus disse: "dai-lhes vós mesmos o sinal que estão precisando". Mas como e onde aconteceu isso? Na última ceia. Antes de dizer: "É necessário que eu vá" (Jo, 16, 7), Jesus deixa aos seus seguidores um legado essencial: "Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros." (Jo 13, 34-35) E, depois, pede ao Pai este dom para todos os seus discípulos: "para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim" (Jo 17, 23). O amor fraterno dos cristãos é o sinal! Não é por acaso que até os mais antigos testemunhos dos pagãos, em relação aos cristãos, transmitem uma frase de admiração: "Vejam como eles se amam".
Resumindo: todos nós carregamos um pouco (ou muito?) da herança de Caim, inclusive em nossos relacionamentos de irmãos de sangue. Às vezes aqueles "conflitos de competição" dos tempos de infância, perduram até a idade adulta (se não forem resolvidos em algum momento). Há, entretanto, muitos testemunhos de "irmãos duplamente": irmãos de sangue e irmãos em Cristo. Isso é especialmente precioso quando se trata de um homossexual que, dentro de família, encontra o maior aliado, justamente, na pessoa de irmão ou irmã. Nesses momentos é Jesus que dá, depois de milênios, um "desfecho" ao dramático diálogo do livro de Gênesis: E o Senhor perguntou a Caim: “Onde está o teu irmão Abel?” Ele respondeu: “Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?” (Gn 4, 9). Jesus e cada verdadeiro cristão responde: "Sim, sou o guarda e o guardião do meu irmão!"...

12 de fevereiro de 2011

multiplicação dos pães

É impressionante ler hoje a passagem evangélica sobre a multiplicação dos pães (Mc 8, 1-10), no contexto da primeira leitura (Gn 3,9-24), na qual Deus revela as consequências do pecado: (...) amaldiçoado será o solo por tua causa! Com sofrimento tirarás dele o alimento todos os dias da tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos e comerás as ervas da terra; comerás o pão com o suor do teu rosto até voltares à terra de que foste tirado, porque és pó e ao pó hás de voltar. (vv. 17b-19) A mensagem principal é clara: Jesus veio para remover toda e qualquer maldição que pesava sobre o homem. Mesmo que o pão continue ainda custando o suor do rosto (em todos os sentidos desta expressão), a perspectiva já é totalmente diferente. Embora Jesus não tenha ficado por aqui (naquela forma corpórea de outrora) para multiplicar os pães (o que seria um desastre para preguiçosa e acomodada natureza humana!), abriu para nós o caminho para a plenitude da vida. Até mesmo o suor do rosto tornou-se um dos meios de santificação. Fala sobre isso, de um modo espetacular, o Papa João Paulo II, em sua encíclica "Laborem exercens" (leia aqui).
Mas há, como sempre, uma outra coisa que chama minha atenção: é a postura dos discípulos. Mesmo tendo visto e experimentado tantos milagres do Mestre, continuam naquela postura mesquinha e imatura: Os discípulos disseram: “Como poderia alguém saciá-los de pão aqui no deserto?” (Mc 8, 4). Infelizmente, esta mentalidade de coração pequeno, perpetua-se pelos séculos até os dias de hoje. Sinceramente, Jesus tem muita paciência com seus seguidores e, especialmente, com os escolhidos para ocuparem - digamos - cargos de confiança. Se eu os mandar para casa sem comer, vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe. (v. 3) Jesus se preocupa com todos, particularmente com aqueles que vieram de longe. E, até hoje, o Senhor acolhe e cuida de cada um que vem de uma "terra distante": do ateismo, de falsas doutrinas, das drogas, de uma família destruída, da solidão, da homossexualidade... E, até hoje, os "apóstolos" dizem: como poderia alguém saciá-los aqui? A falta de fé e de amor faz com que neguem o pão da Eucaristia, da Palavra, da compreensão, do diálogo (e de muitas outras riquezas que o próprio Jesus lhes deu para administrarem e distribuirem) a tantos necessitados. Até quando as lições do Evangelho continuarão sendo uma letra morta para os cristãos e, principalmente, para os líderes da Igreja?

11 de fevereiro de 2011

Efatá

Providencialmente, neste Dia Mundial do Doente, a liturgia traz a cena de cura de "um homem surdo que falava com dificuldade" (Mc 7, 31-37). Temos, também, o pecado de Adão e Eva na primeira leitura (Gn 3, 1-8) e o Salmo que fala da felicidade daquele cujo pecado foi perdoado (Sl 31[32]). Tudo isso, no contexto da memória de Nossa Senhora de Loudes. Pois bem, um "material" para riquíssima meditação. Vou me deter, entretanto, apenas na cura do homem surdo. O que chama atenção é a maneira singular de Jesus realizar este milagre. Lembra um pouco a cura de um cego (leia Mc 8, 22-26) e não somente por causa de saliva que Jesus usa como "remédio". É um "trato" personalizado, por assim dizer. Jesus "afastou-se com o homem, para fora da multidão" (e, no outro caso, "tomou o cego pela mão e levou-o para fora da aldeia", cf. Mc 8, 23). Enquanto na maioria dos seus milagres, bastava uma palavra ou um simples toque de mão, nestes casos Jesus dedica uma atenção especial ao doente. À primeira vista parecem ser problemas mais graves do que todos os demais, mas precisamos descartar logo esta interpretação. Jesus é todo-poderoso e não existe caso mais ou menos difícil para Ele. Lázaro, morto havia quatro dias, foi ressuscitado apenas com um grito do Senhor (cf. Jo 11, 1-44). Acredito que a mensagem desta cena esteja falando sobre a maneira da qual Jesus trata cada pessoa: como se fosse a única na face da terra. Ele me conhece (muito melhor do que eu mesmo e muitíssimo melhor do que me "conhecem" outras pessoas) e, conhecendo-me profundamente, ama-me com o amor infinito. Dedica toda a sua atenção a mim, ou melhor, a cada um de nós. É muito importante nunca se esquecer disso!
Uma outra observação: em todas as pregações e explicações, em todos os comentários litúrgicos e teológicos, os autores entendem que a expressão "Efatá!", que quer dizer: “Abre-te!” (Mc 7, 34) Jesus teria dirigido (obviamente?) ao surdo. Hoje, no entanto, me ocorreu a ideia diferente. O texto diz: Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!”. Seria: "Homem! Abre-te!"? (Marcos acrescenta: Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Mc 7, 35). Na minha opinião, Jesus dirigiu esta ordem ao próprio céu (se fosse diferente, quem sabe, Ele teria olhado ao homem surdo). Talvez não haja tanta importância nisso, mas quero deixar registrada aqui mais uma das minhas experiências com a Palavra de Deus.
Voltando ao Dia Mundial dos Doentes, quero notificar que, algum tempo atrás, este seria também o nosso dia (na época em que a homossexualidade era considerada uma doença). Como isso já não acontece, graças a Deus (pelo menos nos ambientes sérios e racionais), que tal sugerir à Igreja a instituição da Jornada Mundial de Homossexuais? Seria ótima oportunidade para divulgar e colocar em prática a proposta da própria Igreja sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais. É neste sentido que repito: Efatá, abre-te! E não falo para o céu, porque não sou Jesus e, também, porque o céu já esta aberto. Aliás, nunca ficou fechado.

10 de fevereiro de 2011

Escolástica e outras mulheres

Hoje a liturgia está cheia de mulheres: na I leitura (Gn 2, 18-25), no Salmo (127[128]) e no Evangelho (Mc 7, 24-30) e ainda na memória litúrgica de Santa Escolástica, irmã gêmea de São Bento (nasc. em 480 na Itália). A minha reflexão vai hoje em direção de mulher, ou melhor, de uma visão da mulher que perdura por séculos, desde os tempos do Antigo Testamento, até os dias de hoje. É, sem dúvida, uma visão injusta, preconceituosa e totalmente contrária ao desígnio de Deus. E, para piorar, muitos pontos desta visão encontram argumentos na Sagrada Escritura, quer dizer, na interpretação errônea da Palavra de Deus. Comecemos pela frase lida hoje na Missa: da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher e conduziu-a a Adão. (Gn 2, 22) Muitos tomam esta revelação para afirmar a superioridade do homem em relação à mulher, esquecendo das palavras do próprio Criador, presentes na mesma passagem: Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele. (Gn 2, 18) Graças a Deus, a humanidade e, principalmente, a Igreja, já avançaram nesta questão, pelo menos na teoria. É bom lembrar a Carta Apostólica de João Paulo II sobre a dignidade e a vocação da mulher ("Mulieris dignitatem", leia aqui). Infelizmente, a Igreja dos tempos de Santa Escolástica, estava ainda longe deste reconhecimento da dignidade feminina. O próprio Evangelho, igualmente mal-interpretado, pode criar a impressão de Jesus que dá pouca atenção à mulher, quem sabe, pelo simples fato de ser uma mulher e ainda uma pagã. Mais uma vez, cabeças duras de muitos homens, parecem ter argumento para o seu "machismo". Eu leio esta passagem (e todas as outras) a partir da Pessoa de Jesus. O Senhor conhecia os corações e os pensamentos de todos. Sabia, portanto, qual era o tamanho de fé, coragem, determinação e do amor materno daquela mulher. Sabia, também, como eram pequenos na mesma fé, coragem, determinação  e no amor, os seus discípulos homens. Na minha opinião, Jesus deu-lhes uma lição dessas virtudes, pondo à prova aquela mulher. Notemos como ela entra imediatamente na "linha de pensamento" de Jesus, retomando a figura de crianças e cachorrinhos. Em sua humildade não se ofendeu (o que aconteceria, com certeza, caso algum dos apóstolos, ou homens em geral, estivesse no lugar dela). Ambos, Jesus e a mulher, acabam dando um espetáculo de fé e comunhão. Algo parecido aconteceu com a Samaritana e tantas outras mulheres. E o que dizer sobre a "bendita entre todas as mulheres", Maria Santíssima? Nenhum dos homens, ao longo dos séculos, chegou perto do nível de sua fé, sua entrega, seu amor. Apesar disso tudo, as gerações inteiras de homens cristãos (seguindo seus "irmãos mais velhos", os judeus), passaram a vida tratando as mulheres como coisas que só existiam para satisfazer seus caprichos masculinos. Até o Salmo de hoje pode ser lido de maneira equivocada: A tua esposa é uma videira bem fecunda no coração da tua casa (Sl 127[128], 3). Se é uma videira, então posso cortá-la à vontade.
Conclusão: a história nos mostra como uma leitura errônea da Bíblia é capaz de sustentar, por séculos, a postura de preconceito, discriminação e injustiça. A esperança vem da vitória (ainda parcial) das mulheres que, depois de milênios inteiros de sofrimento, começam a conquistar, aos poucos, o espaço designado-lhes pelo próprio Criador. Um dia isso vai acontecer, também, com os homossexuais. Que tal começarmos pela revisão de nossas interpretações bíblicas?
Para terminar, cito um pequeno trecho da Carta Apostólica de João Paulo II sobre a dignidade da mulher:
O gênero humano, que se inicia com a chamada à existência do homem e da mulher, coroa toda a obra da criação; os dois são seres humanos, em grau igual o homem e a mulher, ambos criados à imagem de Deus. (...) Na descrição de Gênesis 2, 18-25, a mulher é criada por Deus «da costela» do homem e é colocada como um outro «eu», como um interlocutor junto ao homem, o qual, no mundo circunstante das criaturas animadas, está só e não encontra em nenhuma delas um «auxiliar» que lhe seja conforme. A mulher, chamada desse modo à existência, é imediatamente reconhecida pelo homem «como carne da sua carne e osso dos seus ossos» (cf. Gn 2, 23) (...) O texto bíblico fornece bases suficientes para reconhecer a igualdade essencial do homem e da mulher do ponto de vista da humanidade. Ambos, desde o início, são pessoas, à diferença dos outros seres vivos do mundo que os circunda. A mulher é um outro «eu» na comum humanidade. (Mulieris Dignitatem, n. 6).

8 de fevereiro de 2011

Não abandono a Igreja

Eu não abandono a minha Igreja. Não mesmo. Por nada. Não abandono Jesus na Santíssima Eucaristia nem o seu amor em todos os outros Sacramentos. Como poderia deixar a minha Mãe celeste, Maria Santíssima? Não abandono o Papa. E quando não entendo as suas palavras e tenho tentação de criticá-lo, prefiro pensar de que não entendo, só porque sou pequeno demais. Ou, então, que ele fala – ou seja: a Igreja fala – por precaução, por causa de muitos abusados, por cautela diante deste mundo cheio de má vontade.
Eu prefiro ser católico, mesmo que seja um católico do “meu jeito”. E mesmo que, talvez por isso, a própria Igreja não goste de mim, ou me critique ou até me expulse. Eu sou e serei católico por causa de Jesus e de Maria. E perante Eles.
A imagem que retrata esta "minha realidade" é a parábola de Jesus sobre o tesouro escondido num campo: O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. (Mt 13, 44)
Fico pensando sobre as razões pelas quais aquele homem tinha deixado o tesouro no campo, em vez de levá-lo imediatamente. A resposta mais fácil indicaria enorme tamanho do tesouro ou algum tipo de ligação entre o tesouro e o campo. Em nossos tempos modernos vem uma ideia (um tanto exagerada) de p.ex. petróleo, ou então uma ("ecologicamente correta") fonte de água cristalina. Certamente não seja isso, e sim (provavelmente), uma grande quantidade de riquezas que só poderiam ser adquiridas junto com o campo. Agora outra coisa: parece ter sido fácil efetuar aquela compra. Pode ser que, por causa de sua localização, o campo não despertava tanto interesse ou, siplesmente, era um campo feio, considerado inútil. Confesso que esta última teoria me ajuda na reflexão sobre a Igreja e sobre meu propósito de permanecer nela. Acredito, pois, que a Igreja, enquanto instituição, pode parecer feia (por fora e por dentro), mas contém em si um tesouro incomparável, pelo qual vale a pena “vender” tudo. É Jesus vivo e presente na sua Palavra, nos Sacramentos (e de tantas outras maneiras). É o Espírito Santo, vivo, vivificante e atuante. É o Pai celeste ao qual se eleva o incessante hino de louvor, ação de graças e de súplica. É, finalmente, o amor misericordioso e infinito de Deus que acolhe cada um dos seus filhos. Eu amo a Igreja e, pelo Batismo, sou membro dela, embora nem sempre tenha facilidade de compreender os seus dirigentes. Como falei, em algum lugar neste blog (acho que foi aqui), creio que a Igreja seja muito maior (e esteja muito além) do que as estruturas humanas e aquelas tentativas demoradas dos “homens da Igreja” de acompanhar o sopro do Espírito Santo.

Reflexões sobre a "Carta" [3]

Continuo as reflexões sobre a "Carta sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais", publicada em 1986 pela Congregação para a Doutrina da Fé (um dos mais importantes órgãos da Santa Sé) e assinada pelo então prefeito desta Congregação, Cardeal Joseph Ratzinger (hoje o Papa Bento XVI). O texto da "Carta" pode ser localizado no site do Vaticano (aqui) e as minhas duas reflexões anteriores aqui e aqui. O documento transmite uma afirmação muito séria sem, no entanto, fornecer provas ou, ao menos, exemplos. Infelizmente, apesar do suposto propósito da "Carta" (o "atendimento pastoral das pessoas homossexuais"), uma frase desses tem o poder de detonar qualquer impulso de boa vontade e de coragem que eventuais agentes de pastoral (começando pelos bispos e padres) possam ter. Pior, para um leitor católico (portanto aquele que recebe as orientações do Vaticano como dogmas), aquela expressão pode causar uma distorção séria na sua visão do mundo e até levar a justificar pensamentos e atos preconceituosos. É mais ou menos isso que Jesus falou hoje na liturgia da Missa: "Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. Vós sabeis muito bem como anular o mandamento de Deus, a fim de guardar as vossas tradições." (Mc 7, 8-9)
Para chegar à frase em questão, cito um trecho maior do texto: Mesmo dentro da Igreja formou-se uma corrente, constituída por grupos de pressão com denominações diferentes e diferente amplitude, que tenta impôr-se como representante de todas as pessoas homossexuais que são católicas. (...) Embora a prática do homossexualismo esteja ameaçando seriamente a vida e o bem-estar de grande número de pessoas, os fautores desta corrente não desistem da sua ação e recusam levar em consideração as proporções do risco que ela implica. (n. 9). Qual seria esta "séria ameaça" à vida e ao bem-estar de grande número de pessoas? Tentar mostrar que o Criador, numa infinita riqueza de suas obras, chamou à existência, também, as pessoas homossexuais, concedendo-lhes, igualmente, a vocação para amar e serem amadas? Ou, então, porque a presença de homossexuais na sociedade (e na Igreja), teria enfraquecido a instituição de família? Tenho certeza que não só não enfraquece, mas - pelo contrário - amplia e enriquece a experiência familiar de amar incondicionalmente! Falando francamente, quem nesta história toda, está realmente ameaçado, tanto na sua vida, quanto no seu bem-estar? Um pouco mais adiante, o próprio documento responde (sem querer): É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objeto de expressões malévolas e de ações violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam. Eles revelam uma falta de respeito pelos outros que fere os princípios elementares sobre os quais se alicerça uma sadia convivência civil. A dignidade própria de cada pessoa deve ser respeitada sempre, nas palavras, nas ações e nas legislações. E acrescenta: Todavia, a necessária reação diante das injustiças cometidas contra as pessoas homossexuais não pode levar, de forma alguma, à afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada. Quando tal afirmação é aceita e, por conseguinte, a atividade homossexual é considerada boa, ou quando se adota uma legislação civil para tutelar um comportamento ao qual ninguém pode reivindicar direito algum, nem a Igreja nem a sociedade em seu conjunto deveriam surpreender-se se depois também outras opiniões e práticas distorcidas ganham terreno e se aumentam os comportamentos irracionais e violentos. Pois é, a Igreja não se surpreende com os comportamentos "irracionais e violentos". Será porque ela própria fornece argumentos para tais comportamentos? É muito triste tudo isso...

6 de fevereiro de 2011

pés de barro

O profeta Daniel tinha, entre outros, o dom de interpretar os sonhos. Certa vez o rei Nabucodonosor contou-lhe uma assustadora visão noturna: Era uma estátua, grande como ela só, alta e muito brilhante. (...) A cabeça da estátua era de ouro maciço, o peito e os braços de prata, o ventre e as coxas de bronze, as canelas de ferro e os pés eram parte de ferro e parte de barro. (Dn 2, 31-33). Esta imagem me veio à memória quando pensei sobre a questão de vários "estereótipos" que circulam por aí e influenciam a vida de tanta gente, mas tendo os "pés de barro", ameaçam ruir e arrastar consigo uns e soterrar outros - aqueles que construíram a sua visão do mundo a partir de princípios duvidosos ou mal interpretados. Como esta reflexão pretende entrar no campo da Palavra de Deus, explico logo: nunca achei a Bíblia um "princípio duvidoso", pois acredito que é a Palavra de Deus. O que acho duvidoso é a maneira de interpretá-la, "esticando" algumas passagens às afirmações pré-fabricadas. Infelizmente, até na própria Igreja, observo esta espécie de "utilitarismo bíblico". Algumas interpretações entraram na mentalidade popular (sem serem identificadas por seus usuários!) e continuam alimentando opiniões equivocadas, injustas e absurdas.
Uma das passagens bíblicas relacionadas à suposta reprovação de homossexualidade pela Bíblia (entende-se: por Deus) é aquela do Livro de Gênesis 1, 27: Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. Depois vem toda a explicação sobre o homem e a mulher que são iguais e complementares, em função de sua (eventual!) vocação ao matrimônio. Até aqui, tudo bem, mas existe aqui uma ideia embutida que leva à deduzir que só pelo fato de Deus ter criado o homem e a mulher, a homossexualidade é uma abominação. Talvez porque um homossexual tenha sido "menos homem"? Vejo esta questão presente tanto nos comentários teológicos, quanto em diversos textos de psicólogos, educadores e outros profissionais (homossexuais e homofóbicos, igualmente). A minha opinião é que está sendo cometido aqui um equívoco grave. Por que razão se põe em dúvida a masculinidade de um gay e a feminilidade de uma lésbica? Um homem homossexual, por mais efeminado que seja em sua expressão, não deixa de ser homem. E uma mulher homossexual, por mais "masculina" que seja no seu jeito de andar ou falar (por exemplo), não deixa de ser mulher. É apenas um homem e uma mulher - ambos homossexuais (como existem brancos, negros, orientais, altos e baixos, loiros e carecas, coléricos e melancólicos, etc.). Será que o fato de um homem sentir atração por outro homem ou ter um jeito mais delicado, faz com que ele seja menos homem? O que, afinal, é a masculinidade? Esta confusão leva muitas pessoas a dizer, por exemplo: "O fulano deixou de ser gay e virou homem" (ofereco um prêmio para quem encontrar uma frase mais idiota que essa!). Ignorando, no momento o "fato" em questão (aquele de o fulano "deixar de ser gay"), pergunto: antes de "virar homem", esse fulano era o que? Eu sei que um assunto diferente, delicado e sério é a identidade de transsexuais ou transgêneros e não vou entrar nessa questão agora. Só quero dizer que a teoria de um Deus que condena a homossexualidade porque tinha criado homem e mulher, tem os pés de barro.

4 de fevereiro de 2011

Voltei à CABANA

Recomecei nestes dias a leitura de "A cabana" de William P. Young (veja a minha primeira impressão aqui). A releitura do livro se deu em função de uma outra obra: "Encontre Deus na Cabana" de Randal Rauser (Editora Planeta do Brasil, São Paulo, 2009). Apesar de alguns trechos tendenciosamente anticatólicos, este "comentário teológico" do livro de Young, traz algum proveito (por exemplo uma vontade de ler "A cabana" de novo). Além de toda maestria em conduzir o leitor para a essência do mistério de Deus, "A cabana" faz o leitor tomar - digamos - uma distância saudável em relação aos estereótipos, religiosos especificamente, mas também a todos os outros. Este é o assunto que gostaria de abordar aqui em breve. A leitura atual tem confirmado uma série de questionamentos sobre alguns pontos de vista que, por sua vez, influenciam amplamente a nossa percepção das coisas. Digo: "tem confirmado", pois eles existiram na minha mente bem antes de conhecer este livro. E, como a orientação básica deste blog é homossexual, os questionamentos referem-se a opiniões, conceitos e preconceitos que só existem porque estão baseados em princípios - pelo menos - duvidosos (para não dizer falsos). E não se trata apenas de mais um artifício para minar (ou detonar) a homofobia. Existem muitos estereótipos, baseados em pontos de partida (ou de vista) errados, também "do lado de cá". Vou entrar em detalhes, aos poucos, em breve. Hoje cito apenas um trecho do livro de William P. Young "A cabana":
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Mackenzie, eu não sou masculino nem feminina, ainda que os dois gêneros derivem da minha natureza. Se eu escolho aparecer para você como homem ou mulher, é porque o amo. Para mim, aparecer como mulher e sugerir que você me chame de Papai é simplesmente para ajudá-lo a não sucumbir tão facilmente aos seus condicionamentos religiosos.
Ela se inclinou, como se quisesse compartilhar um segredo.
- Se eu me revelasse a você como uma figura muito grande, branca e com aparência de avô com uma barba comprida, simplesmente reforçaria seus estereótipos religiosos. É importante você saber que o objetivo deste fim de semana não é reforçar esses estereótipos. [p. 83-84]

3 de fevereiro de 2011

hein ?????

Costumo acessar diariamente o portal da Agência Zenit ("O mundo visto de Roma") [aqui] para acompanhar as principais notícias da Igreja Católica. Funciona ali, também, o sistema de busca. Se você escrever, por exemplo, a palavra "homossexuais", vai aparecer um número considerável (322) de textos, direta e indiretamente ligados ao assunto. O arquivo remete o leitor até o ano de 2002. Entre as matérias antigas encontrei comentários sobre o documento da Santa Sé: "Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional no que diz respeito às pessoas com tendências homossexuais, em vista da sua admissão ao Seminário e às ordens sacras" (o texto da instrução está disponível, no mesmo site: aqui, ou pode ser encontrado no site do Vaticano: aqui). Hoje não vou falar sobre o documento em si (estou "devendo" algumas reflexões, baseadas na "Carta sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais" - leia as primeiras duas postagens aqui e aqui). Quero comentar uma entrevista com o doutor Richard Fitzgibbons, psiquiatra, sobre "a psicologia subjacente das tendências homossexuais", no contexto daquela "Instrução" (ou seja, no contexto dos candidatos ao sacerdócio e dos próprios padres). Algumas respostas do doutor achei, no mínimo, curiosas (para não dizer: absurdas!). O portal da Agência Zenit publica esta entrevista em duas partes (clique: 1, 2). Vale lembrar aqui que Richard Fitzgibbons é o "perito" que inspirou aquelas famosas afirmações do Card. Bertone (Secretário do Estado do Vaticano) sobre a ligação direta entre a pedofilia e o "homossexualismo". Leiam aqui algumas frases dessa entrevista (de 16.01.2006). Todo o meu comentário está no título desta postagem...
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Estas pessoas [com tendências homossexuais], no âmbito sacerdotal, têm uma significativa imaturidade afetiva com excessos de ira e ciúmes com respeito aos homens não homossexuais, uma insegurança que as leva a evitar amizades próximas com tais homens e a uma desordenada necessidade de atenção. HEIN ???
Os seminaristas com atitudes afeminadas [vi em algum lugar que o termo correto seria "efeminadas"]- um sinal claro de grave imaturidade afetiva - frequentemente, em sua infância, não foram capazes de identificar-se com a figura paterna e com seus contemporâneos. Podem-se beneficiar da terapia para eliminar os comportamentos afeminados e fortalecer seu apreço pela masculinidade que receberam de Deus, a fim de que possam se converter em verdadeiros pais espirituais. HEIN ???
[Zenit]: O que recomenda no caso de sacerdotes que experimentam atrações para com o mesmo sexo ou tendências homossexuais?
Dr. Fitzgibbons: Recomendaria que se façam mais conscientes das origens emocionais da atração para com o mesmo sexo e da possibilidade de curá-la, além da incidência de graves enfermidades físicas e psiquiátricas associadas à homossexualidade. HEIN ???

2 de fevereiro de 2011

o essencial e o periférico

Eu sei que, no caso de uma cidade como Rio de Janeiro, para citar algum exemplo, a questão do "centro" e da "periferia" não corresponde exatamente à questão do "essencial" e "periférico", pois é na chamada periferia (ou no subúrbio) que acontecem, com frequência, coisas importantes (essenciais - por que não?!) para todo o resto da cidade...

Mas não é sobre a cidade e o seu "mapa" que pretendo falar. Eu, de novo, sobre o "mundo gay". Se a gente olhar aos portais, blogues (blog's, se preferir) e outros meios (mais ou menos formais) de comunicação, vamos perceber claramente que a maior parte das informações gira em torno de:
1) homofobia (os ataques promovidos contra os homossexuais têm um enorme destaque),
2) paradas e outras manifestações,
3) luta pela legalização do "casamento" gay.
Eu pergunto: será que isso é realmente essencial? Não quero negar a importância dessas notícias e campanhas, mas - pergunto mais uma vez - será que isso é realmente essencial? Quem parou para pensar como cultivar um relacionamento homoafetivo e torná-lo estável? Como superar o trauma de um namoro interrompido por uma traição (ou várias)? O que fazer com um amor que continua ardendo por alguém, enquanto aquele alguém já está vivendo um novo relacionamento? Quais seriam os requisitos de um casal gay que se decide morar junto? Como conciliar as diferenças de temperamentos, espectativas e experiências num relacionamento em que há grande diferença de idade entre os parceiros? O que fazer para que um namoro não seja reduzido ao sexo? ...etc... ...etc... ...etc...
Resumindo: acho que se gasta muita energia e muito tempo em favor de "formas" e não sobra muito para cuidar de "conteúdo". Celebra-se mais uma "Parada de orgulho gay" por ser maior do que no ano anterior, como se isso fosse um objetivo em si. Igualmente, eventuais "avanços" na legislação que favoreçam os homossexuais. E onde fica a formação humana, afetiva, psicológica, espiritual, cultural, etc.? Alguém vai dizer: "Espera arrumarmos primeiro isso para depois cuidar daquilo outro". Eu respondo: "depois" pode não ter mais nada para se cuidar.