Mencionei recentemente a "Carta sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais" (o texto deste documento está no site do Vaticano: aqui). Vou completar os dados sobre ela: dirigida aos bispos da Igreja Católica e assinada pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa Bento XVI) e por um secretário, no dia 01 de outubro de 1986. Acho útil lembrar logo a data para facilitar a nossa percepção de uma eventual evolução do pensamento da Igreja. Por exemplo, a redação do Catecismo da Igreja Católica foi concluída em 1992 e, já nestes poucos anos, podemos notar algumas diferenças na definição da homossexualidade (sobre isso vou falar em outra ocasião). Tive a ideia de analisar aqui a "Carta" toda (aos poucos), mas não sei se tenho paciência suficiente para isso. Mas, vamos lá. Naquela vez citei uma pequena parte, transcrita do final deste documento, só para mostrar a recomendação da Igreja para promover uma pastoral específica, voltada aos homossexuais. Hoje vou começar a mostrar o quanto a própria Igreja ainda precisa superar, dentro do seu próprio ponto de vista, para que tal pastoral possa existir de fato e trazer algum benefício (tanto para os homossexuais quanto para a Igreja).
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O problema do homossexualismo e do juízo ético acerca dos atos homossexuais tornou-se cada vez mais objeto de debate público, mesmo em ambientes católicos. ("Carta", n° 1) Ainda bem que se tornou cada vez mais objeto de debate público. É, sem dúvida, o mérito e a conquista de vários homossexuais e pessoas simpatizantes, organizados ou não, numa campanha pela visibilidade que, por sua vez, é a reação mais que justificada, diante de toda a intolerância, muitas vezes manifestada de forma violenta. Há, também, contribuição da ciência e da mídia. O final da primeira frase desta Carta parece expressar um espanto, parecido com aquele de Cristóvão Colombo, na hora de descobrir a América. Como se a Igreja esperasse um silêncio por parte dos seus próprios membros acerca de uma realidade que toca, em massa, os mesmos católicos. Se a Igreja fala sobre políticos, trabalhadores, migrantes, cientistas, alcoólatras, aidéticos, cegos, jovens, crianças e idosos, homens e mulheres, negros e brancos (etc., etc.), é porque, em primeiro lugar reconhece, em seu próprio meio, a presença e o valor dessas pessoas. Jesus falou sobre a importância de “reconhecer os sinais dos tempos” e, ainda que muito lentamente, a Igreja sempre procurou manter o olhar atento ao mundo e a todos os fenômenos que nele ocorrem. Portanto a expressão “mesmo em ambientes católicos”, co contexto do crescente debate sobre “o homossexualismo”, de um lado não surpreende tanto, por retratar a postura costumeira da Igreja enquanto instituição, mas por outro cria, logo no início, uma sensação desanimadora diante de todo o documento. Imagine uma notícia semelhante: "Nesta tarde caiu a chuva na nossa cidade. Várias pessoas ficaram molhadas, mesmo as católicas". Enquanto muitos documentos da Igreja começam de uma maneira animadora (por exemplo "Gaudium et spes" do Concílio Vaticano II), esta Carta nem um pouco. Outro problema é chamar o “homossexualismo” de “problema”. Digamos que desencoraja também. Se alguém falasse do “problema” da cor de pele ou do "problema" do judaísmo, teria – sim! - um grande problema. Pois bem, é só o início da carta. Teremos mais "pepinos" pela frente...
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