(A foto de um dos participantes das manifestações em Kiev, capital da Ucrânia.
O texto, em ucraniano, diz: "Pela voz do povo fala Deus".
Pouco tempo depois, o mesmo manifestante foi encontrado morto
nas imediações da Praça da Independência.)
"A voz do povo é a voz de Deus", diziam os antigos. Ainda que a Igreja nunca tenha-se declarado democrática (e sim, "teocrática"), tal conceito já possuía o espaço maior ao longo de sua história. Basta lembrar das canonizações feitas antigamente pela aclamação (o que não teve vez no funeral de João Paulo II, acompanhado pelo grito popular "Santo subito!"), bem como em algumas eleições papais, ocorridas (também antigamente) através da mesma dinâmica.
A Igreja, enquanto instituição, ao longo dos séculos, elaborou uma linguagem (palavras, gestos, símbolos, rituais etc.) que, além de pretender transmitir a doutrina, serviu para instalar e expandir o seu sistema monárquico (que, aliás, tornou-se parte integral da própria doutrina). Os pastores distanciaram-se do rebanho o que podemos alegoricamente expressar com a frase: "Preferiram megafone em vez de telefone". Optaram por falar e não por ouvir, mas, para qualquer eventualidade, tinham na ponta da língua a resposta pronta: "Nós escutamos o povo! Até fizemos uma lei que define isso como uma obrigação!". É claro que escutavam, enquanto o povo ficava de joelhos. Os príncipes ouviam a sua confissão de culpa para, logo depois, repreender o povo e sentenciar a sua penitência. Tinham, igualmente (e ainda têm!), o outro argumento "teológico": se a voz do povo realmente fosse a voz de Deus, Jesus não seria crucificado, pois foi o povo que gritava "Crucifica-o!". A interpretação de algumas passagens bíblicas, cuidadosamente escolhidas, sempre foi o trunfo na manga do clero.
Foi, no entanto, o próprio Jesus que disse aos fariseus que queriam calar a voz do povo: "Se eles se calarem, as pedras gritarão" (cf. Lc 19, 40). Entendeu isso muito bem o Papa João XXIII que nunca tinha perdido (nem negado) a sua alma de camponês. Com a intenção de aproximar a Igreja ao mundo, ou melhor, unir a Igreja-instituição (leia-se "o clero") à Igreja-povo, o Papa Roncalli convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II. Como diz o monge beneditino espanhol Hilari Raguer Suñer: Seu projeto se deparou com a resistência cerrada da maioria do entorno curial, mas o mantiveram firme a certeza de que Deus o queria e também o entusiasmo que o anúncio do Concílio suscitou no povo de Deus (vox populi- vox Dei) e até mesmo, além das fronteiras da Igreja, em todos os "homens de boa vontade".
Foi o Concílio Vaticano II que declarou, entre outras coisas: Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido. Para desempenhar tal missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática (Gaudium et Spes, 3-4).
Vivemos, há quase um ano, uma nova esperança. É a era do Papa Francisco. No último domingo ouvimos as suas afirmações (vale muito a pena ler o texto na íntegra!): O Evangelho deste domingo conta o início da vida pública de Jesus nas cidades e nos vilarejos da Galileia. A sua missão não parte de Jerusalém, isto é, do centro religioso, centro também social e político, mas parte de uma zona periférica, uma zona desprezada pelos judeus mais observadores [ortodoxos], por motivo da presença naquela região de diversas populações estrangeiras (...). Partindo da Galileia, Jesus nos ensina que ninguém é excluído da salvação de Deus, antes, que Deus prefere partir da periferia, dos últimos, para alcançar todos. (...) Jesus começa a sua missão não somente de um lugar descentralizado, mas por homens que se diriam, assim, "de baixo perfil". Para escolher os seus primeiros discípulos e futuros apóstolos, não se dirige às escolas dos escribas e dos doutores da Lei, mas às pessoas humildes e simples (...).
Embora o adágio "vox populi-vox Dei" não esteja (de forma literal) na Bíblia, o mesmo sentido podemos detectar na advertência de Jesus sobre os "sinais dos tempos" (mencionados acima, no texto do Concílio). Os nossos tempos têm mostrado muitos sinais, entre os quais, em diversas dimensões, destaca-se a voz do povo. Queira Deus que ela seja ouvida!
Leia também a reflexão de Pe. Vitor Gonçalves "Da periferia ao centro", no blog Diversidade Católica ou no blog Rumos Novos.
Leia também a reflexão de Pe. Vitor Gonçalves "Da periferia ao centro", no blog Diversidade Católica ou no blog Rumos Novos.
nossa, excelente texto! não sabia de muitas coisas que contou! obrigado por compartilhar!
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo comentário!
ResponderExcluirAh, fala sério! Eu não sei tanta coisa, mas continuo procurando... :)