Se compararmos a vida com uma caminhada, a esquina pode ser o
sinônimo de uma virada, ou de um marco que fica gravado na história
pessoal. É neste sentido que escuto a música de Djavan que inspirou
o título desta postagem. Graças aos meus pais, eu sou desde
criança, um homem apaixonado pelos livros, ou melhor, pelos escritos
em geral. Alguns textos ficaram impregnados na minha alma, por terem
causado as mais autênticas e profundas reviravoltas interiores. A
minha juventude ficou marcada por alguns conjuntos de texto, digamos,
paradoxais, pois misturaram suavemente, por exemplo, as reflexões
filosófico-teológicas de Karol Wojtyla (João Paulo II) e a ficção
infantil de Tove Jansson (sem saber naquela altura da homossexualidade dela). Os impactos existenciais que formaram a
minha trajetória começam pelos textos, mas estendem-se, também, aos
filmes, à música e as obras de arte. Em todo este universo de
expressão humana, o que mais me fascina é o ato (ou o processo) de
criar. Sou um homem apaixonado pelo mistério que envolve a
concepção, a mais real gestação e, por fim, o nascimento das
ideias que tomam forma, seja de um texto, de uma sinfonia, ou de um
desenho. É algo que retratam, por exemplo, os filmes: “Amadeus”
ou “O som do coração” (com o fantástico FreddieHighmore)
É incomparável a sensação de encontrar um texto, uma cena, uma
pintura, enfim, uma obra que expresse, com a fascinante exatidão,
aquilo que você está sentindo, mas nunca teve a capacidade de
descrever. É com essa fascinação que transcrevo aqui, com a devida
autorização, um dos textos de Matheus Gabry. É um jovem estudante
de Design de Interiores, apaixonado por arquitetura, livros, fotos,
músicas e tudo aquilo que o faz manter contato com sua própria alma (a a alma do universo). Os belíssimos textos de sua autoria estão vinculados às fotos no seu perfil do facebook.
_____________________________________
Quando
encontrei o amor
Sabe, tem um trecho de uma música que gosto muito:
“If
God had a name what would it be?
And would you call it to his
face?
If you were faced with Him in all His glory
What would
you ask if you had just one question?”
– One of Us - Joan Osborne
A tradução dela é essa:
“Se Deus tivesse
um nome, qual seria?
E como você o chamaria na sua frente?
Se
você se encontrasse com Ele em toda sua glória
O que você
perguntaria se tivesse apenas uma pergunta?”
Acho
que tenho encontrado o amor, mas quando digo isso não digo em
relação ao amor físico ou humano, acho que tenho encontrado um
tipo único de amor desde que me permiti deixar ser amado. Quando
penso em como poder ser o amor de Deus eu logo penso em algo que não
posso definir e nem tampouco medir ou descrever, nem mil linhas
seriam capazes de expressar o que possa ser esse Amor.
Quando
eu era criança e já sabia que eu possuía entendimento sobre certas
coisas e sabia que eu tinha uma diferença que ainda é muito mal
vista hoje em dia, quando eu me maltratava com apenas 6 ou 7 anos
perguntando para mim mesmo se Deus me amava mesmo eu sendo um
menininho que gostava de outros meninos. Eu simplesmente achava que
Deus nunca iria me olhar com bons olhos, que eu era muito diferente e
mal por ser assim, e que eu causava vergonha em Deus.
O
tempo foi passando e eu tive que lidar sozinho com essa minha
“diferença”, durante a escola, ainda que não soubessem de mim e
dessa minha diferença - talvez até soubessem, mas não perguntassem
ou tocassem no assunto por medo de como eu iria reagir -. O fato é
que desde essa fase de crescimento eu achei que tinha perdido a
companhia Dele, eu achava que Ele me protegia e ainda se importava
comigo porque eu era um fruto de sua criação, mas não porque eu
trazia tanta alegria como um outro menino que gostasse de meninas
trazia para Ele. E por muitas vezes eu me sentia com um único
destino pelo qual a “sociedade” e a comunidade religiosa achava
que seria o correto para mim: o inferno. E eu temia muito isso, eu
temia muito com todas as minhas forças que esse fosse o meu destino
intransmutável.
Foi
quando então eu comecei a me tornar um pouco mais pensante e menos
fanático por leis, dogmas ou “conceitos divinos” com os quais eu
cresci aprendendo. Foi quando eu finalmente tive a coragem de pensar
em Deus como um ser que poderia ser negro ao invés de branco e de
barba branca grande, foi quando eu comecei a pensar em Deus como um
ser que não tem definição de gênero, etnia ou classe social. Foi
quando eu comecei a ver Deus como a formiga que está caminhando
sobre os meus pés carregando uma folha pesada até o formigueiro,
como o passarinho que faz o seu ninho, como a abelha que está a toda
hora buscando pólen. Como a perfeita combinação de cores do
pôr-do-sol. Quando eu finalmente tentei ver a grandeza de Deus no
minimalismo de sua criação que percebi que Deus é um ser muito
além do que meus olhos ou sentidos captam ou podem captar. Deus…
uma entidade regida de luz e amor, um ser incapaz de renegar a sua
criação, pelo contrário, doar uma parte sua em sacrifício humano
para demonstrar para alguém tão desacreditado como eu de que Ele me
amava acima de tudo aquilo que eu fui, sou e ainda posso ser. Deus e
essa mania de nos olhar como crianças indefesas que muitas das vezes
fazem as coisas sem pensar, brincam e se machucam, ralam os joelhos,
ferem o coração. E Ele?! Bem, Ele sempre foi o papai protetor que
esteve por perto observando cada movimento meu e me levantando de
todos os tombos e tropeços da vida, sempre me acalmando e me
prometendo que independente de qualquer coisa Ele me amou, me ama e
me amará para todo o sempre.
Posso
não ser um portador de uma necessidade especial, posso não ter um
tumor ou outra limitação física, posso não ser uma pessoa
portadora de depressão ou qualquer outra doença da alma, mas eu fui
por muito tempo uma pessoa que recusava o maior desejo de Deus para
mim: ser livre para ser o que sou e se sentir amado. Hoje eu descobri
o quanto importa para Ele que eu seja aquilo que meu coração pede,
por mais que eu erre, por mais que eu fique na pior, por mais que eu
esteja num balanço suspenso em que a qualquer momento eu possa cair,
Ele nunca soltará minha mão e muito menos soltará a sua. Ele te
ama, e isso te basta, ainda que você não entenda o quanto isso é
grandioso, por mais que você ache que não tenha nada, você tem
tudo desde que nasceu. Você tem vida, você tem o amor verdadeiro de
Alguém especial e mesmo que você não queria ter esse amor, isso
nunca irá mudar. Isso é o mais perfeito. Você tem amor. - Matheus
Gabry
Olá teleny! tudo bem?
ResponderExcluirBonito texto. Eu nunca passei por este dilema do espírito por não ser religioso, meu problema maior sempre foi mesmo (e continua a ser) com a sociedade, a aceitação, as expectativas, enfim, toda a problemática prática.
Gosto do modo como aborda dois assuntos distintos unindo-os intrinsecamente e fugindo do senso comum.
P.s. Adoro este anjo que guarda teu blog ;)
Abração.
Olá Ti@go!
ExcluirFico feliz com as suas visitas e seus comentários! Obrigado!
Independentemente do ponto de partida, estamos buscando o mesmo objetivo: a aceitação, o reconhecimento de nossos direitos. Muita gente discriminada pela sociedade percebe que em grande parte essa rejeição tem algum tipo de fundamento religioso e eu procuro aqui encontrar as pontes capazes de unir esses dois "mundos", aparentemente tão distantes... Recorro com certa frequência aos textos de vários autores, como no caso desta postagem (aqui só a introdução é minha, mas o texto principal é de Matheus Gabry).
Grande abraço!
P.S. O anjinho é fofo mesmo. Faz o meu tipo ;)
ResponderExcluir