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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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25 de janeiro de 2014

Café com leite


Queridos ouvintes, dentro de alguns instantes vai começar a cerimônia do casamento. O clima é festivo, mas também sente-se no ar um pouco de tensão. Afinal, não é todo dia que acontece uma coisa dessas. Os noivos são muito diferentes e há quem diga que esta união não vai dar certo. Entre os convidados as opiniões se dividem entre a comoção e a indignação. Para entendermos melhor as razões que levaram esses dois a tomarem uma decisão tão radical e definitiva, vamos conversar com os próprios noivos que não escondem a felicidade tão esperada. Vou começar pelo senhor Leite que acaba de conversar com seus familiares que, aliás, são a maioria dos convidados à festa, em comparação com um número visivelmente menor de parentes do outro noivo.

- Bom dia! Em primeiro lugar, os meus parabéns antecipados! Os nossos ouvintes gostariam de saber o que levou o senhor a decisão tão corajosa que, segundo alguns dos seus convidados, é uma renúncia da própria identidade, quase uma traição dos milenares costumes da tribo?

- Bem, eu poderia responder com apenas uma palavra: o amor. No entanto, gostaria de acrescentar mais algumas coisas. A mais importante tradição da nossa família e a mais autêntica identidade é a entrega, a generosidade, a doação. Nós existimos para dar a vida.

- Ah, que bonito! Mas, numa união dessas que paradoxalmente chama-se indissolúvel, não acontece justamente o contrário, quer dizer, o senhor fica diluído? Muita gente, aqui mesmo, diz que o senhor vai perder a sua pureza, a sua brancura, o seu sabor e o aroma? Para ser mais exato, o senhor vai perder até o seu nome que passará a funcionar como secundário...

- Na verdade, tudo depende da ótica. Dizem que vou perder tudo isso, enquanto, de fato, eu estou entregando o que tenho de melhor. Ao mesmo tempo vou ganhar uma cor nova, um sabor e aroma também novos. Não concordo quando as pessoas dizem que o branco é a mesma coisa que incolor, mas a nova cor que irei ganhar acho mais interessante. Pelo menos vou perder a minha palidez que, para mim, é o sinônimo da solidão. Mal posso esperar!

- O senhor tem uma família muito grande, mas fiquei sabendo que nem todos compareceram no seu casamento...

- É verdade. Uma irmã minha não veio porque, como disse, ela se derrete no calor das emoções. A outra irmã minha, a mais velha, ela é meio esnobe e se acha nobre demais para se misturar com os pobres [risos]. É a nata da família, muito conservadora, coitada. Mas, olha aqui os meus primos coloridos. Todos já se casaram: um ficou vermelho, outro cor-de-rosa e assim por diante. Para eles, o meu casamento é a coisa mais normal na face da terra. Alguns parentes vieram até do exterior. Já viu aquele esquisitão que parece estragado? O cheiro dele também não é dos melhores, mas dizem que ele é muito caro lá, onde mora. Enfim, a questão de cor não é mais um problema na nossa família, acabamos com este preconceito. E tem outra coisa, inclusive confirmada pelos cientistas. Sim, sim, eu li muito sobre isso. Nesta nova união, nenhuma das minhas propriedades se perde, além das coisas exteriores. Pelo contrário! Além de ganhar algumas novas, aquelas que tenho ficam ainda mais refinadas, agradáveis e até assimilam-se melhor. Com outras palavras, será uma fusão, mas não confusão. Eu entrego e não perco a minha vida para ganhar outra, nova, diferente. Alguns dizem que vou sofrer alterações. Mas, para que usar o termo "sofrer" em vez de "conquistar"? Sofre-se uma derrota e aquilo que estou vivendo não é uma derrota. É uma vitória e a vitória se conquista. Ah, sim, o sofrimento também faz parte do processo, é inevitável, porém, não essencial. Vou deixar de ser apenas eu para me tornar a metade de um "nós" que, neste caso, é mais um singular do que um plural. Como dizem os jovens: "É nós". Se quiser saber, isso vem da Bíblia que diz que "não serão mais dois, mas uma só carne". Não é maravilhoso?

- Bem, só posso agradecer pela sua atenção e desejar muita felicidade. E aproveito aqui a presença do outro noivo que ouviu toda a nossa conversa, sem esconder a emoção. Reitero as minhas felicitações também para o senhor e gostaria de perguntar se a sua opinião é semelhante. Não posso deixar de notar o fato de serem pouquíssimos os seus familiares, presentes no casamento...

- Ah, sim, é verdade. A minha família é bem menor do que a do meu noivo. E também tem gente reclamando, mas eu não ligo. Um irmão meu, o Expresso, me chamou de vacilão, mas ele é assim mesmo, tem um temperamento forte e esquenta com cada coisa. Eu, porém, prefiro a ideia do meu noivo e concordo com cada palavra dele, embora a nossa história tenha sido diferente. Por exemplo, aquilo que ele falou sobre a cor. Nossa! Eu já passei por tanta coisa! Nasci verde, virei vermelho e agora estou marrom quase preto. Primeiro me regaram, depois arrancaram, descascaram, queimaram, trituraram... enfim. Tive uma vida cheia de contradições. A água me deu a vida, mas fiquei desidratado, sequinho mesmo e ainda trancado hermeticamente, só para não pegar a umidade. Depois me afogaram na água fervente para que ficasse assim como está me vendo agora. Falando verdade, fiquei muito amargurado com tudo isso, mas agora isso vai mudar, graças a Deus e graças ao meu noivo. Para quem fala sobre as perdas, respondo: já pensou que, para mim, a escuridão é o mesmo que a solidão? O resto é a mesma coisa que ele disse: não perco nada e ganho tudo, torno-me mais suave. Estou muito feliz com esta mudança e se quiser saber, é por todo o resto da minha vida. Aliás, da nossa vida. Ah, lembrei! Em relação ao nome... Foi ele que pediu para colocar o meu na frente...

- Ai, que bonitinho! Parabéns então, de coração mesmo. E uma última palavra: vocês têm planos para a lua de mel e para depois?

- Temos sim, inclusive a sua dica sobre o mel é interessante. Por enquanto pensávamos apenas no açúcar, mas podemos testar outros adoçantes. Além de umas pitadas de canela e de sal. É sério! Muita gente não sabe, mas uma pitada de sal faz com que o sabor fique ainda mais refinado, só não se pode exagerar [risos]. E vamos viajar pelo mundo inteiro, de caneca, de copo e de xícara... Temos tantas possibilidades! E vamos testar novas proporções, novas cores e novos sabores. Vai ser um espetáculo! Agora precisamos pedir licença, porque a cerimônia vai começar...

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Obs.: O vídeo não é exatamente sobre a história relatada acima, mas não deixa de ter algo a ver com ela.

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