Escrevi recentemente que
- em certo sentido - concordo com aafirmação usada
pelo padre Paulo Ricardo: "Não existe nenhuma homofobia".
Para ser mais exato, o padre disse: "Não existe nenhuma
homofobia em considerarmos a estrutura do mundo real". De fato,
a polêmica mais importante seria sobre o conceito do "mundo
real", mas o início daquela frase despertou na minha memória o
questionamento de outro tipo. Quando usei a expressão "em certo
sentido", fiz referência, de fato, a um e único sentido.
Enquanto a homofobia - como a entendemos - lamentavelmente continua
existindo e até parece aumentar, o próprio termo não me deixa
sossegado. O que quero dizer é que não existe a homofobia do ponto
de vista linguístico (etimológico, fraseológico etc.). O que, de
fato, existe e tanto nos atormenta é uma "heterofobia".
Analisemos um pouco
a história:
A
palavra homossexual é
um híbrido do grego e do latim com o primeiro
elemento derivado do grego homos, 'mesmo' e
o segundo elemento derivado do latim sexus, 'sexo',
conotando portanto, atos sexuais e afetivos entre pessoas do mesmo
sexo. Especialistas em literatura psiquiátrica concordam em
posicionar o surgimento do termo homossexualismo no século XIX, por
volta da década de 1860 ou 1870, criado pelo discurso médico para
identificar o sujeito homossexual. A primeira aparição conhecida do
termo homossexual na impressão foi encontrada em um panfleto de
1869, publicado anonimamente, pelo romancista alemão nascido
na Áustria, Karl-Maria Kertbeny. [fonte]
A palavra homofobia é
um neologismo criado pelo psicólogo George Weinberg, em 1971, numa
obra impressa, combinando a palavra grega phobos ("fobia"),
com o prefixo homo-,
como remissão à palavra "homossexual". O
problema é que tal prefixo ('homo') é também uma palavra completa
(como vimos acima) e a mencionada remissão à palavra 'homossexual'
não parece tão óbvia. Se, portanto, a palavra 'fobia' - "medo,
aversão irreprimível" (do grego antigo φόβος)
associarmos ao termo 'homo' (também do grego antigo ὁμός
- 'mesmo, igual'),
vamos descrever o "medo do igual" o que não é o caso da
homofobia real, cujos tristes efeitos sofremos diariamente na própria
pele. O medo, a aversão irreprimível, a agressão irracional...
tudo isso dirige-se a nós, justamente por sermos diferentes. Na
língua grega existe o termo 'heteros' (ετερός) que quer dizer
'diferente'. Por analogia (e, segundo os estudiosos, como a resposta
à criação do termo "homossexual") surgiu a palavra
"heterossexual", com a mesma lógica de associar um
elemento derivado do grego ('heteros' - 'outro, diferente') e o
outro, derivado do latim ('sexus' - 'sexo'), para indicar atos
sexuais e afetivos entre pessoas de sexos opostos. Logo, o mencionado
acima "medo causado pelas pessoas diferentes (no contexto
sexual)" seria 'heterofobia' e não 'homofobia'.
Vale mencionar aqui
mais um termo, desta vez composto de duas palavras gregas e que
descreve a realidade muito próxima à homofobia. É
a xenofobia (do grego ξένος, xénos -'estrangeiro' e φόβος, phóbos - 'medo')
é o medo, aversão ou a profunda antipatia em relação aos
estrangeiros, a desconfiança em relação a pessoas estranhas ao
meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A
xenofobia pode manifestar-se de várias formas, incluindo o medo de
perda de identidade, suspeição acerca de suas atividades, agressão
e desejo de eliminar a sua presença para assegurar uma suposta
pureza.
A
xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países,
mas de outras culturas, subculturas ou sistemas de crenças. O
medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão
ou ódio, gerando preconceitos.
Em senso mais restrito, xenofobia
é o medo excessivo e descontrolado do desconhecido.
Neste sentido, é
umadoença e
insere-se no grupo das perturbações
fóbicas,caracterizadas
por ansiedade clinicamente significativa, provocada pela exposição
a uma situação ou objeto temido. Para o tratamento da xenofobia são
normalmente utilizados os métodos da terapia
comportamental.
Em alguns casos mais graves é habitual a administração
de medicamentos que
tenham por objetivo principal a diminuição da ansiedade extrema,
uma vez que esta impede que se realizem as sessões terapêuticas de
uma forma eficaz. Em outros casos, pode-se desenvolver crenças
irracionais (geralmente preconceituosas),
pelo que também é recomendado que se busquem estratégias
cognitivas que trabalhem tais crenças.[fonte]
Bem... Não pretendo
promover aqui uma revolução linguística ou a nova reforma
ortográfica/etimológica etc. Procuro apenas analisar os termos que
usamos.
O
verdadeiro problema começa quando alguém insiste em negar a
existência de algo real. É o caso de "homoafetividade"
que, enquanto um termo, não deixa tantas dúvidas, porém é
questionada como a mais autêntica experiência vivida pelas pessoas
homossexuais. O "filósofo" Olavo de Carvalho, em um dos
seus discursos, exibidos no YouTube, disse literalmente: Vamos
falar o português claro: no que consiste a homoafetividade
masculina, né? Consiste um comer o cu do outro, meu filho. Consiste
na boa e velha sodomia, você tá entendendo? (Leia aqui e,
se realmente quiser, assista os vídeos no mesmo link).
Terminando
as minhas divagações sobre os termos e as expressões (com seus
respectivos significados), gostaria de afirmar com a mais triste
veemência: a homofobia existe, sim... A página virtual "Homofobia
mata"
é um dos veículos que comprovam i documentam esse trágico
fenômeno.
Para
finalizar, recorro ao texto do Deputado Federal Jean Wyllys,
publicado na "Carta
Capital":
Eu já disse uma
vez e vou repetir. Cada uma dessas vítimas tem um algoz material —
o assassino, aquele que enfia a faca, que puxa o gatilho, que "desce
o pau", como o pastor Malafaia pediu numa de suas famosas
declarações televisivas. Mas há outros algozes, que também têm
sangue nas mãos. São aqueles que, no Congresso, no governo e nas
igrejas fundamentalistas, promovem, festejam, incitam ou fecham os
olhos, por conveniência, oportunismo, poder e dinheiro, cada vez que
mais um Kaique é morto. Eles também são assassinos.
Como deputado
federal, mas também como cidadão gay desse país, e antes disso
tudo, como ser humano não consegue conviver com a violência e o
ódio como se fossem naturais, ficarei à disposição da família e
dos amigos de Kaique e farei tudo o que puder para que esse e outros
crimes sejam esclarecidos e não fiquem impunes. Como dizia o poeta
Pablo Neruda, chileno como Daniel Zamudio, "por esses mortos,
nossos mortos, eu peço castigo".
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