A Palavra de Deus (a mesma que se fez carne e habitou entre nós) é a luz para guiar os nossos passos. Nem sempre, porém, o homem, a quem o próprio Deus dirigiu a sua mensagem, é capaz de compreendê-la. Muitas vezes, ao longo da história do cristianismo, a voz divina era utilizada como a arma contra alguém, apesar de uma advertência muito clara, fornecida pela própria Bilblia: Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares. (Ef 6, 12)
O ditado popular afirma que o amor é cego. Na prática, o coração
apaixonado deposita a confiança infinita (e - porque não dizer -
ingênua) no ser amado. Assim acontece em nossa dimensão humana. É
impossível conhecer por completo as profundezas do amor divino.
Entretanto, a minha impressão é essa: Deus se arriscou demais,
tendo confiado a sua Palavra ao homem. Por outro lado, Ele é
perfeito e onisciente, isto é, sabe tudo. Deve ter, então, o seu
propósito divino neste ato tão arriscado. Tudo isso, espero, Ele
mesmo vai revelar para nós um dia. Com outras palavras, não preciso
me preocupar com a "ingenuidade" de Deus. O que me
atormenta, é a mediocridade, a soberba e a estupidez daqueles que
são considerados (ou se autodenominam) "homens de Deus".
Tal título, muito provavelmente, gera neles a sensação de serem
verdadeiros donos da verdade, únicos intérpretes da Palavra,
monopolistas do divino. Eles se sentem confirmados em todas essas
prerrogativas principalmente na hora de condenar alguém...
Acabo
de ler um texto, escrito por José Victorino de Andrade, EP (aqui
apresentado como diácono, embora, em outras matérias, citado como
padre, de qualquer maneira é o membro do "ramo sacerdotal dos
Arautos do Evangelho - Virgo Flos Carmeli") e publicado hoje
pelo portal católico de notícias "Gaudium
Press". O autor começa a sua reflexão como aquele homem da
parábola de Jesus: construindo a sua casa sobre a areia, isto é,
usando uma tese, no mínimo, duvidosa:
O
homem hodierno julgar-se-ia menos moderno se não criticasse os
antigos. Para ele, as verdades passaram a possuir uma validade. As
descobertas do passado foram ultrapassadas pelo presente, e sofrerão
reparos no futuro. Tudo é transitório. Apenas a opinião alheia se
enche de brios, pouco disposta a dialogar, ou pelo menos, a
reconhecer uma verdade exterior.
Consequentemente,
muitos autores contemporâneos, ao pretenderem apoderar-se da
verdade, sentam-se em sua cátedra embevecida de pretensões
infalíveis, cujos escritos destilam os seus próprios dogmas, muito
distantes, por vezes, do mundo real. E quanto mais escandalosos,
provavelmente, mais publicitados e comentados.
Bem...
se pensarmos em todos os tormentos, pelos quais passaram os gênios
da humanidade, tais como Giordano Bruno, Galileu, Copérnico,
Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Espinosa, Pascal, Descartes,
Voltaire, Victor Hugo, Balzac e tantos outros, o ponto de vista
apresentado pelo autor do texto não será uma novidade no "mundo
eclesiástico". Lembro-me de uma carta, se não me engano,
escrita por São Francisco Xavier (ou um dos outros grandes
missionários daquela época), na qual sobressai o espanto, diante da
"descoberta" de que os nativos também possuíam a alma...
Enfim, o que o autor do artigo descreve em tom de ironia, é um fato,
uma lei da civilização. Algumas "verdades" foram, de
fato, ultrapassadas, por meio de novas descobertas e confirmadas pela
ciência. Assim, um dia o homem deixou de caminhar pela terra plana, pois
descobriu que o planeta é redondo. Um dia, também, os homossexuais
deixaram de ser considerados doentes (alo menos pela ciência) e
estão prestes a ser admitidos como seres humanos, portadores de
direitos iguais ao resto da humanidade. E, exatamente assim como nos
tempos da "revolução cosmológica", hoje também são os
eclesiásticos (graças a Deus, não todos) que, usando as palavras do
artigo, sentam-se em sua cátedra embevecida de pretensões
infalíveis, cujos escritos destilam os seus próprios dogmas, muito
distantes, por vezes, do mundo real, para detonar a "revolução
moral"...
José
Victorino descreve a sociedade moderna dessa maneira: Numa cultura
hedonista, na qual a igreja foi substituída pelo shopping, a beleza
da virtude pela estética corporal, o jejum e a penitência pela
dieta e o suor no ginásio, uma religião de dogmas e prescrições
morais só poderia surgir ao pensamento contemporâneo como algo
ultrapassado, impositivo, que asfixia a própria pretensão de
verdade.
Em
vez de debater cada ponto desta crítica, faço uma pergunta. O que
fez a Igreja, ou melhor, os seus teólogos, pregadores, dignitários,
catequistas, pais e mães católicos, para convencer as novas
gerações sobre o valor incomparável da igreja (templo), sobre a
citada beleza da virtude, a preciosidade de jejum e penitência, e a
veracidade de dogmas e prescrições morais? Talvez não lhes tenha
sobrado o tempo para essa formação positiva, pois dedicaram-se
exclusivamente à obra de censurar os pecadores. Mais ou menos assim,
como no caso da formação no seminário sobre o celibato que - de
acordo com os relatos de um padre, meu amigo - baseava-se na imagem
infernal da tragédia que seria a traição daquele voto. Ou seja,
nada de "teologia positiva do celibato"...
O
autor do artigo também faz perguntas. E ele mesmo responde. Vejamos:
Como
convidar o homem a sair de si, e dos seus preconceitos recentemente
criados, a esmo, conforme o cardápio apresentado por verdades
relativizadas, engolidas sem mastigar, que o empanturram de critérios
pouco judiciosos, assimilados com a mesma rapidez com que muda o
canal da TV?
A
resposta não é uma verdade abstrata, mas uma pessoa concreta: Jesus
Cristo, a "Palavra eterna que se exprime na criação e comunica
na história da salvação" (Verbum Domini n. 11). Para o
cristão, a Verdade absoluta, Deus, encarnou e fez-se homem (Cf. Jo
1, 14), possui um rosto - "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,
9) - e um nome, não havendo debaixo do céu salvação em nenhum
outro (Cf. At. 4, 12). Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Cf. Jo
14, 6). Esta é a grande novidade do cristianismo, um Deus pessoal,
não distante, que entra na História.
Deu
para entender? E o que dizer das pessoas que não saem de si
mesmas, dos seus preconceitos e das verdades relativizadas, engolidas
sem mastigar, EM NOME DE JESUS, ou pelo menos, em nome da
doutrina da Igreja (que nem sempre é a mesma coisa)???
O
autor conclui: Descobrimos assim que a verdade não é abstrata,
variável, limitada, mas que é o próprio Deus encarnado, que
entrando na história concreta dos homens, com Palavras de vida
eterna, orienta-os na sua peregrinação terrena, convidando-os a
conformar a sua vida à luz da Revelação.
A
única questão é aprender a ler com humildade a Palavra de Deus.
Ele que é Amor infinito e assim se revela, convida-nos a
conformarmos (que quer dizer também "corrigirmos") a nossa
vida à luz desta revelação.
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