ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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30 de junho de 2011

Cardeal insiste

É impressionante a insistência do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, quanto ao caráter ofensivo das imagens de santos usadas na recente Parada do Orgulho GLBT em São Paulo. Vale citar aqui as palavras do Evangelho: Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? (Mt 9, 4). Será que Dom Odilo tem, também, o poder de conhecer os pensamentos dos outros? Em mais um artigo, publicado no site de sua arquidiocese (aqui), o cardeal diz: Eu não queria escrever sobre esse assunto; mas diante das provocações e ofensas ostensivas à comunidade católica e cristã, durante a Parada Gay deste último domingo, não posso deixar de me manifestar em defesa das pessoas que tiveram seus sentimentos e convicções religiosas, seus símbolos e convicções de fé ultrajados. Ficamos entristecidos quando vemos usados com deboche imagens de santos, deliberadamente associados a práticas que a moral cristã desaprova e que os próprios santos desaprovariam também. (...) O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos, que viveram dignamente; e ofende também os sentimentos religiosos do povo. Ninguém gosta de ver vilipendiados os símbolos e imagens de sua fé e seus sentimentos e convicções religiosas. Da mesma forma, também é lamentável o uso desrespeitoso da Sagrada Escritura e das palavras de Jesus – “amai-vos uns aos outros” – como se ele justificasse, aprovasse e incentivasse qualquer forma de “amor”; o “mandamento novo” foi instrumentalizado para justificar práticas contrárias ao ensinamento do próprio Jesus.

Interrompo aqui a transcrição das palavras de Dom Odilo, para abrir o espaço ao autor das imagens, o fotógrafo Ronaldo Gutierrez (a entrevista com ele pode ser lida aqui). Não é bom ouvir na TV e ler nos jornais pessoas dizendo que você as está ofendendo, quando minha única intenção era ajudar. Venho recebendo algumas mensagens pesadas, que machucam. Mas já esperava por essa reação negativa. Não é com a religião que estou mexendo, é com as pessoas que dizem que mandam nela. (...) Acho a vida dos santos um exemplo de bondade e amor ao próximo, mas não é isso que vejo naqueles que comandam. Sei que a grande maioria dos católicos é formada por gente muito boa e que quer ajudar. Outros, infelizmente, aqueles que detêm os meios de comunicação, são preconceituosos e ignorantes.

Voltando ao texto do cardeal, lemos: A Igreja católica refuta a acusação de “homofóbica”. Investiguem-se os fatos de violência contra homossexuais, para ver se estão relacionados com grupos religiosos católicos. A Igreja Católica desaprova a violência contra quem quer que seja; não apoia, não incentiva e não justifica a violência contra homossexuais.

Após essa contradição (um tanto velada), o autor comete outras. Ao dizer sobre o atendimento aos portadores do vírus HIV, lemos que a Igreja a Igreja foi pioneira no acolhimento e tratamento de soro-positivos, sem questionar suas opções sexuais. Logo em seguida o cardeal (visivelmente indeciso) afirma que a sexualidade não depende de “opção”, mas é um fato de natureza e dom de Deus, com um significado próprio, que precisa ser reconhecido, acolhido e vivido coerentemente pelo homem e pela mulher.

Ainda mais curiosa é a frase que diz: Embora respeitando as pessoas homossexuais e procurando acolhê-las e tratá-las com respeito, compreensão e caridade, ela [a Igreja] afirma que as práticas homossexuais vão contra a natureza; essa não errou ao moldar o ser humano como homem e mulher. Essa coisa de acolher as pessoas homossexuais pela Igreja e tratá-las com respeito, nem vou comentar...

O fragmento a seguir requer uma reflexão especial. Antes, responda quem quiser, a duas perguntas: [1] Qual é a organização interessada em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano? [2] Será que colocar no mesmo saco a homossexualidade, o descontrole nos ecossistemas, doenças e desastres ambientais, não induz o leitor (e o fiel católico) à homofobia?

Dom Odilo continua: Causa preocupação a crescente ambiguidade e confusão em relação à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico, que merece uma séria reflexão, em vez de um tratamento superficial e debochado, sob a pressão de organizações interessadas em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano. Mais do que nunca, hoje todos concordam que o desrespeito às leis da natureza biológica dos seres introduz neles a desordem e o descontrole nos ecossistemas; produz doenças e desastres ambientais e compromete o futuro e a sustentabilidade da vida. Ora, não seria o caso de fazer semelhante raciocínio, quando se trata das leis inerentes à natureza e à identidade do ser humano? Ignorar e desrespeitar o significado profundo da condição humana não terá consequências? Será sustentável para o futuro da civilização e da humanidade?

O final do texto revela mais um equívoco: As ofensas dirigidas não só à Igreja Católica, mas a tantos outros grupos cristãos e tradições religiosas não são construtivas e não fazem bem aos próprios homossexuais, criando condições para aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito contra eles. E não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles; e são filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros.

Falando de ofensas à Igreja católica e a tantos outros grupos cristãos, no contexto das imagens usadas na Parada, o cardeal, provavelmente, esqueceu-se de um fato, conhecido por todos e não apenas pelos teólogos. É, justamente, o uso das imagens pela própria Igreja católica, que tantos outros grupos cristãos (sobretudo evangélicos) consideram ofensivo em si. Quanto à última frase, só posso dizer que, exatamente, é com dignidade, em paz conosco mesmos e com os outros que queremos viver. Mas, por enquanto, a Igreja (que o cardeal representa) não deixa!

29 de junho de 2011

Reações à Parada

O avanço da tecnologia fez com que muita gente se tornou escritor, filósofo, jornalista, fornecedor de ideias, promotor de campanhas. Sem dúvida, podemos chamar isso de progresso. Por outro lado, a poluição ideológica torna-se mais provável. Também, com a quantidade de mensagens, é difícil responder a todas (e se responder, não há garantia de que tal resposta seja compreendida).

Uma das pessoas, cujo perfil consta na minha lista de amigos de Facebook, escreveu [transcrevo literalmente]: Todo cristão é contra a homofobia, se não é contra, NÃO é cristão. Nossos valores estão baseados no amor e respeito ao próximo, até msm qdo ñ somos amados e respeitados! Usar Ícones cristãos e textos da Sagrada Escritura p debochar e ridicularizar nossa fé cristã, é desrespeitar nossos valores. Quem quer respeito, precisa saber respeitar! DIGA "NÃO" A HOMOFOBIA E TB "NÃO" AO DESRESPEITO A RELIGIÃO.

Concordo com a primeira parte (desde que não fique apenas no nível de belas teorias). Quanto à segunda parte, pergunto: quem disse que os organizadores da recente Parada do Orgulho GLBT em São Paulo usaram as imagens de santos para debochar e ridicularizar a fé cristã? Só porque retrataram santos musculosos, ou seja, bonitos? Cada um tem o seu padrão de beleza. E se, tanto o uso das imagens, quanto o lema da Parada ("Amai-vos uns aos outros"), tidos como deboche (conhecemos a opinião do cardeal Scherer), fossem, de fato, um gesto sincero (ainda que um pouco desajeitado) de estender mão na direção dos cristãos, para iniciar uma conversa?

Para mim, as reações "do lado de lá", mostram a persistência do preconceito. Dessa maneira, tudo que for feito ou dito "do lado de cá", será entendido como provocação.

28 de junho de 2011

Não quero brigar

A comemoração do Dia Mundial do Orgulho LGBT (hoje, 28 de junho), leva-me à reflexão futurista. Compreendo, apoio e acompanho a luta atual pelos direitos e pela dignidade do povo LGBT (com o qual me identifico de coração). Reconheço, também, que - como em todo tipo de guerras e revoluções - nem todos os métodos possuam a mesma eficácia (ou, mesmo, razão) e, às vezes tenho a impressão de termos dado um ou outro passo para trás. Mas, como dizem, isso faz parte de todo um processo. É, justamente, nesta concepção - de um processo - que ponho a minha esperança. Espero estar ainda vivo quando o processo em questão der fruto principal que é a normalidade. Ou seja, quando não vamos precisar mais lutar. Ah, sim! Sempre haverá uma necessidade de novas conquistas e de - digamos - manutenção das metas alcanaçadas anteriormente. Espero, porém, o fim daquela guerra desesperada. Não quero mais brigar. Quero viver em paz. Neste sentido, vêm à minha mente as figuras de Martin Luther King, Mahatma Gandhi ou de Nelson Mandela. Ninguém vai dizer que os seus sonhos realizaram-se completamente, mas, ainda que faltem coisas para consertar, aquilo que existe, pode ser chamado de certa normalidade. Espero, portanto, que daqui a uns anos, o Dia Mundial do Orgulho LGBT (quem sabe, um feriado), será a ocasião para fazer piquenique no parque (depois de uma Missa de ação de graças) e relembrar o passado doloroso que tinha valido a pena de ser vivido, mas que, felizmente, será mesmo um passado. Alguém pode me chamar de otimista exagerado. Eu sei, também, que alguns militantes GLBT só se veem lutando, mas, repito, eu não quero mais brigar.

26 de junho de 2011

um copo de água

Acho incríveis aquelas imprecisões linguísticas em alguns trechos da Bíblia? Seria algo proposital? Ou, talvez, seja apenas uma questão de tradução? Pode ser, também, que tenha sido eu quem dormiu nas aulas de português. No Evangelho de hoje (Mt 10, 37-42), Jesus diz, entre outras coisas: Quem der, ainda que seja apenas um copo de água fresca, a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa. (v. 42) Quem teria de ser o discípulo do Senhor: um desses pequeninos, ou quem está dando o copo de água fresca? O versículo anterior (Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a recompensa de justo. v.41), sugere a primeira resposta. Seria uma atitude de exercer a caridade para com um cristão, por ele ser cristão. Mas, isso não parece estranho, diante de outras afirmações de Jesus? Por exemplo: Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? (Mt 5, 46-47) Ou seja, se dais um copo de água fresca somente ao pequenino que pertence à vossa tribo, que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Vejamos, então, a segunda opção: Dê um copo de água fresca a quem quer que seja, por você ser o cristão. Até porque, se aplicarmos a analogia daquele versículo de "receber um profeta, por ser profeta e um justo, por ser justo", teria que ser: "dar um copo de água a um desses pequeninos, por [ele] ser pequenino". Infelizmente, na prática, temos ainda muito daquela postura partidária entre nós, cristãos. Talvez, por termos algum tipo de medo (fobia) daquilo e daquele que é diferente. Mas, isso significa que o Evangelho não penetrou suficientemenete a nossa mentalidade e o nosso coração. Ainda estamos no nível dos pagãos e precisamos de evangelização, ou, usando o termo de Pe. Alírio Pedrini, de amorização. Precisamos aprender a acolher e/ou dar um copo de água fresca a um desses pequeninos, por exemplo, um[a] homossexual. Acolher, por sermos cristãos...

25 de junho de 2011

as razões cardeais

Confesso! Estou fazendo um jogo de palavras, lembrando de virtudes cardeais (prudência, justiça, fortaleza e temperança), ou de pontos cardeais (os quatro pontos de referência que permitem a orientação: leste, sul, oeste, norte). "Cardo", em latim, quer dizer dobradiça, eixo em torno do qual gira alguma coisa. No caso da dobradiça, gira a porta, no caso do eixo da terra, giram os quatro pontos cardeais. No caso das virtudes, em torno das quatro virtudes cardeais, giram as outras virtudes. Mas, também, o cardeal é um alto dignitário da Igreja Católica, que assiste o Papa em diversas competências. Entre todos os seus atributos, encontram-se (certamente) as quatro virtudes cardeais. E as pontas do crucifixo que ele carrega no seu peito, simbolizam, também (por que não?), a sua nobilíssima missão de orientar (e não desorientar!) o povo de Deus. Por isso estou falando das "razões cardeais" que, perfeitamente, poderiam ter o nome de "razões do cardeal".

O meu problema, que vou tentar apresentar hoje, consiste em concordar com a maioria das razões que o cardeal Odilo Scherer apresenta em mais um artigo e, ao mesmo tempo, saber que as mesmíssimas razões estão sendo usadas por ele, para defender as teses com as quais não concordo. Deu para entender? Pois é. Eu também tenho essa dificuldade.

O artigo "Homem e mulher ele os criou", curiosamente, não foi publicado no portal da CNBB, mas está disponível no site da Arquidiocese de São Paulo (aqui). O sugestivo título, bem como o contexto de afirmações anteriores (comentadas por mim aqui, e aqui), inscrevem-se claramente na crescente onda de polêmicas sobre a homossexualidade, em perspectiva da próxima Parada do Orgulho LGBT em São Paulo. Ninguém tem dúvida sobre o ponto de vista da Igreja (e do cardeal em particular) sobre esse assunto. Uma leitura atenta, porém, deixa o leitor um tanto desorientado. Você já tentou tomar uma sopa com o garfo? Ou tirar água do poço com uma peneira? É, mais ou menos, essa impressão que tenho ao ler o texto de Dom Odilo. Vamos tentar ler e analisar...
O pensamento cristão procura compreender e explicar o ser humano à luz do desígnio de Deus sobre o homem e a mulher; esse desígnio pode ser conhecido pela natureza das coisas e pela revelação divina, recolhida na Sagrada Escritura. Assim, a antropologia cristã afirma que o ser humano é composto de dois gêneros: masculino e feminino. “Homem e mulher Deus os criou” (Gn 1,27), constata o autor sagrado, depois de relatar de maneira poética que Deus decidiu criar o ser humano à sua imagem e semelhança.
Ainda que o autor não esteja dizendo isso abertamente, supõe-se aqui a tese, segundo a qual Deus teria criado apenas o ser humano heterossexual. Aquela frase bíblica, repetida com insistência em todos os textos doutrinais da Igreja, é tida como o argumento fundamental para condenar a homossexualidade, como se um gay fosse menos homem e uma lésbica menos mulher. Deixando essa ideia de lado, o texto do cardeal está perfeitamente aceitável, bem como o trecho em seguida:

Afirma ainda a antropologia cristã que o ser humano não é fruto de uma evolução caótica, mas de um querer divino, sábio e bom, que não é difícil de ser reconhecido na própria natureza humana: na sua corporeidade, sua inteligência, vontade e capacidades naturais, orientadas não apenas para a sobrevivência, mas também para a busca da verdade e da plenitude do viver. O homem é dotado de liberdade e tem a capacidade de discernir e de decidir-se pelo bem ou pelo mal. No exercício da liberdade está uma das bases da grandeza e da dignidade do homem.

O ser humano, portanto, não é ‘esta metamorfose ambulante’, que segue vagando pela vida sem saber quem é, o que quer, para quê vive, por que é aquilo que é; nem está preso a um determinismo cego, que o acorrenta aos acontecimentos, sem que ele possa fazer-se senhor das próprias decisões. Cabe-lhe tomar conta de si mesmo e viver de forma responsável, conforme sua dignidade e sua natureza.
Tenho aqui uma observação semelhante à anterior. Somente sustentando a estranha tese de que a homossexualidade é algo contra a natureza que as nobres afirmações do prelado ganham o tom de acusação ou condenação da homossexualidade. Ao abandonarmos tal equívoco, vamos concordar com o cardeal sobre a importância de tomar conta de si mesmo e viver de forma responsável, conforme sua dignidade e sua natureza.

Agora vem a bomba. Um verdadeiro espetáculo digno de aplausos (caso não exista todo um contexto antigay). Um aspecto importante desse “viver conforme à sua natureza” consiste em assumir a própria identidade sexual. Há muita confusão sobre isso na cultura atual e a sexualidade já não é levada a sério, como um fato de natureza, mas é tida como um fenômeno cultural. Nem mesmo a diferenciação sexual entre masculino e feminino é levada a sério; corre muito a idéia de que a identidade sexual é moldada pela cultura e pela subjetividade e que cada um “constrói” a sua identidade sexual; a diferenciação sexual no corpo humano seria apenas um “fato secundário” e contaria mais aquilo que o sujeito decide ser. Identidade sexual seria uma questão de opção.
O interessante é que, justamente, a própria Igreja parece sustentar a teoria de "opção sexual". Nenhum homossexual sensato acredita ter escolhido a própria identidade sexual. De novo, vejo-me aplaudindo o arcebispo que, querendo ou não, acaba denunciando a fragilidade de toda argumentação católica vigente. Tenho, para mim, duas explicações distintas: ou o cardeal mudou de lado, ou continua andando para trás, repetindo as ideias que vigoravam há 30-40 anos (ou mais).

A consequência disso é que aumentam os comportamentos sexuais pouco definidos, nem masculinos, nem femininos. Sempre mais se fala de homossexuais, bissexuais, transexuais... Em tal contexto, ser heterossexual, com identidade definida de homem (masculino) e de mulher (feminina) aparece apenas como uma entre as tantas possibilidades e opções quanto à identidade sexual. A pergunta que fica no ar é, se não há um grave equívoco nisso? Vai ficar assim daqui por diante? Aonde vai levar isso?!
As interrogações são interessantes. E as afirmações, geram novas perguntas, por exemplo, o que seria o tal de "comportamento masculino ou feminino"? Concordo plenamente com a parte que diz: "ser heterossexual (...) aparece apenas como uma entre as tantas possibilidades quanto à identidade sexual". Retirei o termo "opções", de acordo com as (minhas) conclusões anteriores. Por isso respondo: Sim, Eminência! Há um grave equívoco em falar de opção! E espero que não vai ficar mais assim daqui por diante (compartilho a sua preocupação!). A pergunta mais importante á a última: Aonde vai levar isso?! Aqui, sim, há duas opções. Ou "isso" vai nos levar, finalmente, à plena aceitação do desígnio de Deus que quis ter a sua obra-prima tão rica e diversificada, ou então, infelizmente, vai nos levar a atitudes ainda mais preconceituosas, anticristãs e desumanas. Esta é, justamente, a opção de cada um de nós.

Para a antropologia cristã, a confusão quanto à identidade sexual, que se espalha sempre mais na cultura, não deixa de levantar uma séria preocupação. Para o pensamento cristão, a diferenciação sexual (homem e mulher) deve ser levada plenamente a sério; a sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, na sua unidade de alma e corpo. Ela diz respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar; de maneira mais geral, diz respeito à aptidão de criar vínculos serenos de comunhão com os outros.
Devo acrescentar aqui que a confusão quanto à identidade sexual, espalha se não somente na cultura, mas também na Igreja e realmente deve preocupar. Concordo plenamente que a diferenciação sexual (homem e mulher, homossexual, bissexual, heterossexual, etc.) deve ser levada plenamente a sério, pois a sexualidade afeta todos os aspectos da vida. Até agora, mesmo sem a capacidade de procriar dentro do relacionamento que lhes é próprio, os homossexuais sofrem uma pressão insuportável por parte da grande parte da sociedade que, apoiada pela doutrina oficial da Igreja, tenta privá-los do direito de viver a sua afetividade e de criar vínculos serenos de comunhão com os outros. Obrigado, Dom Odilo, por perceber e apontar isso!

Cabe a cada homem e mulher reconhecer e aceitar a própria identidade sexual. As diferenças e complementariedades físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do casamento e da família. A harmonia do casal e da sociedade depende, em parte, da maneira como se vivem entre os sexos a complementariedade e o apoio recíprocos. A pretensão de mexer nessa harmonia que Deus estabeleceu entre os sexos e de submeter a identidade sexual ao arbítrio da vontade, tão influenciável por fatores culturais e dinâmicas sócio-educativas (ou ‘deseducativas’...), é uma temeridade, que não promete bons frutos para o futuro da humanidade.
Fiquei admirado com a primeira (espetacular) frase desse trecho. Espero que a Igreja, por exemplo, através de uma Pastoral de Diversidade Sexual, ajude a todos os que tiverem alguma dificuldade ou medo de reconhecer e aceitar a própria identidade sexual. Espero que a Igreja também reconheça e aceite a identidade sexual de todos. Não seria nisso, porventura, a realização das palavras divinas "Chegou até vós o Reino de Deus"? Concordo, também com as frases seguintes que falam sobre tudo aquilo que contribui para o bem da família e da sociedade. De fato, mexer nessa harmonia e nessa diversidade que o próprio Deus estabeleceu, não promete bons frutos para o futuro da humanidade.

A Igreja Católica, portanto, vê com preocupação a crescente ambiguidade quanto à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico. Evidentemente, isso não justifica qualquer tipo de violência e agressão contra homossexuais ou quem quer que seja, mas é um convite a uma reflexão séria. Não é possível que a natureza tenha errado ao moldar o ser humano como homem e mulher. Isso tem um significado e é preciso descobri-lo e levá-lo a sério.
Aqui fiquei na dúvida se a Igreja vê com preocupação a crescente ambiguidade quanto à identidade sexual, que vai tomando conta dela própria. Se não tiver percebido isso, cada uma de suas advertências sobre a violência e agressão contra homossexuais, continuará sendo pura hipocrisia. Fiquei curioso um pouco com a personificação da natureza, pois sempre pensei que foi o próprio Criador que tenha moldado o ser humano, mas, também, não posso esperar tanta precisão do autor...

Para quem deseja a verdade e busca conformar sua vida ao desígnio de Deus, permanece o convite a se deixar conduzir pela luz da Palavra de Deus e pelo ensinamento da Igreja também no tocante à moral sexual. O 6º mandamento da Lei de Deus (“não pecar contra a castidade”) não foi abolido e significa, positivamente, viver a sexualidade de acordo com o desígnio de Deus.
Pois é, senhor cardeal. Acho que toda a questão está em nosso entendimento do desígnio de Deus. Quanto ao 6° mandamento, a Bíblia transmite-o de forma um pouco diferente daquela versão fornecida pelos catecismos católicos e citada pelo cardeal ("não pecar contra a castidade"), isto é: Não cometerás adultério. (Ex 20, 14; Deut 5,18). Mas isso já é outro assunto...

24 de junho de 2011

Corpus Christi

Transcrevo algumas frases da homilia de Bento XVI, pronunciada nesta quinta-feira (Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo), na Basílica de São João de Latrão em Roma. O texto na íntegra pode ser encontrado no site da Canção Nova (aqui). Como de costume, sublinhei algumas afirmações do Papa.

Aquilo que Jesus nos deu na intimidade do Cenáculo, hoje o manifestamos abertamente, porque o amor de Cristo não é reservado a alguns, mas é destinado a todos.

A Eucaristia, enquanto une-nos a Cristo, abre-nos também aos outros, torna-nos membros uns dos outros: não somos mais divididos, mas uma coisa somente n'Ele. A comunhão eucarística me une à pessoa que tenho ao lado, e com a qual talvez não tenha sequer um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as partes do mundo.

Quem reconhece Jesus na Hóstia Santa reconhece-o no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é forasteiro, nu, doente, encarcerado; e está atento a cada pessoa, compromete-se, de modo concreto, com todos aqueles que estão em necessidade. Do dom de amor de Cristo provém, portanto, a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa, fraterna.

O Evangelho procura sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou econômicos, mas sim a partir do senso de responsabilidade de uns com relação aos outros, porque nos reconhecemos membros de um mesmo corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e aprendemos constantemente do Sacramento do Altar que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.

Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhamos pelas estradas do mundo, levando dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber-nos simples grãos, preservamos a firme certeza de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e terra nova, em que reinam a paz e a justiça – e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria.

23 de junho de 2011

Analogias de Corpus Christi

Em grande parte do mundo celebra-se hoje a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi). Algumas regiões têm os mesmos festejos transferidos para o próximo domingo. De acordo com a doutrina da Igreja católica, esta festa, estendida pelo papa Urbano IV, em 1264 a toda a Igreja Latina, constitui, por um lado, uma resposta de fé e de culto às doutrinas heréticas acerca do mistério da presença real de Cristo na Eucaristia e, por outro, foi a coroação de um movimento de grande devoção ao augusto Sacramento do altar. A Igreja sempre defendeu o seu direito de manifestar publicamente a própria fé, quer dizer, a sua identidade de um povo reunido em torno de Cristo vivo, realmente presente na Santíssima Eucaristia. A motivação original de responder às heresias do século XIII, ganhou um novo sentido diante da crescente laicização da sociedade moderna. É como dizer ao mundo de hoje: nós, católicos, não concordamos em permanecer trancados em nossas igrejas e, por isso, saímos pelas ruas e praças públicas para manifestar a todos quem somos e em que acreditamos. Uma vez por ano, portanto, tiramos Jesus Eucarístico do sacrário para levá-lo, atravessando cidades e aldeias.

Ora, quem não sabe, o sacrário (ou tabernáculo) é uma espécie de armário, onde fica guardado o Santíssimo Sacramento (as Hóstias consagradas durante a Missa). Seria uma blasfêmia dizer que, na Solenidade de Corpus Christi, o próprio Jesus, sai do armário? Seria um abuso tecer analogias entre a procissão eucarística pelas ruas, com a manifestação pública realizada, também, uma vez por ano e promovida pelas pessoas que vivem a sua realidade de GLBTS? Aqui e ali, trata-se de mostrar o conteúdo das convicções pessoais, ou melhor, o amor que essas ou aquelas pessoas vivem e cultivam. Ambos os grupos não concordam em levar uma vida clandestina e, por isso, fazem questão de manifestar-se publicamente. E essa regra vale tanto para os momentos solenes (procissões e paradas), quanto para todas as manifestações públicas, ainda que feitas individualmente. Assim como um católico pode fazer o sinal da cruz ao passar em frente de uma igreja, do mesmo modo, as pessoas que se amam, têm o direito de expressar o seu afeto em público. A proibição arbitrária desses gestos deve ser vista como intolerância. Sabemos que, na prática, não é bem assim. Enquanto a Igreja protesta contra qualquer legislação que pretenda limitar a sua liberdade religiosa, ela mesma toma atitudes exatamente contrárias quando a questão é a liberdade de expressão do mundo GLBTS.

Observação final [1]: Não concordo com as iniciativas de alguns militantes da diversidade sexual que fazem questão em promover eventos, justamente, nos dias de comemorações religiosas. A ideia de confronto não me soa bem. Por outro lado, não compreendo e não aceito a incoerência daqueles que defendem o seu direito de expressão pública e, ao mesmo tempo, condenam os outros por lutarem pelo mesmo direito.

Observação final [2]: Ao falar sobre analogias, não pretendo dizer que a procissão de Corpus Christi seja a mesma coisa que a Parada do Orgulho Gay. Estou mostrando apenas as motivações e dinâmicas parecidas, bem como a semelhança maior que consiste em manifestação pública do amor. Evidentemente, há diferenças. Na procissão eucarística adoramos a divindade do Filho do Homem. Na parada do orgulho GLBT proclamamos a humanidade dos filhos de Deus.

Leia, também, aqui sobre Jesus que sai do armário.
Outros textos para a Festa de Corpus Christi: