Lembro-me de um professor da minha faculdade que, em uma das aulas de metodologia, falava sobre o fenômeno de generalização. Há quem acredite - dizia ele - que os anões e as loiras são a causa de todos os males na história da humanidade. As generalizações, além de comprovarem uma considerável falta de inteligência, costumam ser perigosas, o que nos mostra, justamente, a história da humanidade.
Feita essa ressalva e apesar da mesma, vou recorrer a uma generalização. Creio que a falta de reflexão mais profunda e a consequente incapacidade de compreender as coisas, ou até as palavras, são, de fato, a causa de uma enorme parte dos males que atingem a humanidade, inclusive e em particular, a nós, os homossexuais.
Vejamos a questão, talvez, mais delicada e dolorosa e que nos incomoda tanto, mas também nos inspira para retomarmos a briga, a luta, ou - melhor entre todas as opções - o diálogo. É um verdadeiro paradoxo. De um lado, aqueles que acreditam em Deus, em particular, os cristãos, têm o acesso à verdade sobre a vida, a natureza do ser humano, a sua origem e a meta de sua existência. Por outro lado, são os mesmos religiosos e, de novo, em particular os cristãos, que nutrem dentro de si o mais autêntico ódio em relação aos seres humanos que possuem uma orientação sexual diferente daquela que é considerada clássica (ou a única correta), isto é, a heterossexual. Aliás, o clássico nesta história é o próprio ódio que até mereceria ser chamado de "ódio cristão".
Vamos aos pormenores. Em vários momentos de sua pregação, Jesus usa o exemplo de administração dos bens que pertencem ao patrão, ou rei - no caso, ao próprio Deus. Constatamos com facilidade que um dos principais bens entre todos que nos foram entregues (arrendados) por Deus é a própria vida: em primeiro lugar, a nossa, mas também a vida de outras pessoas, neste caso, em graus diferentes, de acordo com a natureza dos laços que nos unem com aquelas pessoas. Destacam-se aqui, evidentemente, os laços entre pais e filhos, entre irmãos de sangue e outros parentes, entre cônjuges e assim por diante. Até aqui, como parece, não escrevi nada que tenha sido especialmente revelador. Acredito, porém, que seja necessário começar pelos fundamentos, por mais óbvios que pareçam.
Na celebração do Sacramento do Matrimônio, os noivos respondem afirmativamente à pergunta (entre outras) sobre os filhos. "Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja?". Com outras palavras: todos os seres humanos pertencem a Deus, são a sua propriedade exclusiva e é Ele quem entrega um, ou mais, a outros seres humanos que se tornam assim os administradores deste grande bem, a vida humana que, entretanto, continua a pertencer a Deus. É neste contexto que vale a pena reler todas as parábolas de Jesus, sobretudo aquelas que falam da vinha e dos agricultores. É claro que os agricultores lucram com a vinha e os seus frutos, mesmo assim, nunca se tornam verdadeiros donos, pois trata-se da propriedade de um senhor. Este, por sua vez, espera e cobra a parte que lhe cabe. Assim, os pais lucram com a vida dos filhos, bem como os esposos, irmãos, parentes, amigos, membros de uma comunidade... É claro que não se trate de um lucro material, mas sim, espiritual. Todos se beneficiam com a presença do outro e todos são responsáveis, diante de Deus, pela vida dos outros, repito: cada qual, no grau que é próprio para cada tipo de laço existente entre as pessoas. Na parábola do Bom Samaritano Jesus afirma que somos responsáveis, até mesmo pelos desconhecidos.
Há uma verdade, revelada em forma de pergunta, na parábola que conta a história de trabalhadores da vinha, contratados em diversos horários do dia. Na hora do pagamento e diante da murmuração daqueles que esperavam o prêmio adicional por terem suportado o calor do dia inteiro, porém acabaram sendo igualados a outros que trabalharam apenas uma hora, o patrão responde com simplicidade: "Companheiro, não estou sendo injusto contigo. Não combinamos diária? Toma o que é teu e vai! Eu quero dar a este último o mesmo que dei a ti. Acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja porque estou sendo bom?" (Mt 20, 13-15).
Acaso, Deus não tem o direito de fazer o que quer com a vida humana que lhe pertence e é apenas administrada por nós?
Com outras palavras: "Amados pais! Não combinamos a sua tarefa de acolher com amor e educar os filhos que me pertencem? Seguindo esta vocação vocês contarão com o meu auxílio e irão receber o prêmio da vida eterna. Tenho, porém, o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence. Posso fazer com que a vida do seu filho dure apenas alguns dias, ou muitos anos, que seja marcada por uma brilhante inteligência, pelos dons e talentos extraordinários, ou carregue algo que vocês chamam de deficiência, mas, aos meus olhos, é um carisma especial. Pode, igualmente, ser definida (ou, se preferirem o termo: permitida) por mim como hetero ou homossexual. Eu posso fazer o que quero com aquilo que me pertence. A vocês cabe acolher, amar e cuidar, para depois devolver a mim".
Como é que você, em primeiro momento, pede para ter filhos, fica feliz quando os recebe e, depois de certo tempo, afirma que não os quer mais, que não foi assim que você imaginava e por isso essa, ou aquela pessoa não é mais o seu filho, ou a sua filha? E tudo isso porque o filho é diferente da maioria. Um dos argumentos mais repetidos é: "o que os outros vão dizer de mi?". É tão fácil esquecer de que na prestação de contas, o que vai importar é aquilo que diz a nosso respeito Deus e não os outros. "Muito bem, empregado bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu confiar-te-ei muito mais. Vem participar da minha alegria!" (Mt 25, 21).
É como naquela história que contam sobre uma mulher que foi conversar com o padre, pois estava apavorada, ao descobrir que sua filha Catarina era lésbica. O padre ouviu o desabafo da mulher e pediu que ela orasse bastante, repetindo diante de Deus, com frequência e durante vários dias, uma pergunta: "Meu Deus! Quem é Catarina?". A mulher relatou depois que quando tentava ouvir a resposta de Deus nos momentos de silêncio, recomendados pelo padre, durante vários dias ouvia apenas o grito: "Catarina é lésbica, é pecadora, suja e nojenta! Catarina é uma vergonha!". Percebia, porém, que foi o seu coração, a sua mente e as suas emoções que lhe forneciam tal resposta. Depois de certo tempo começou a ouvir, cada vez mais nitidamente, a resposta: "Catarina é a minha filha". A própria memória ajudou-lhe a percorrer pelos momentos mais felizes que ela tinha experimentado com a filha, desde a sua gestação. Inicialmente, esta associação das recordações felizes com a "terrível descoberta", trazia desconforto, mas, finalmente, a mulher enxergou a verdade: "Em sua essência, Catarina é a minha filha. É minha filha amada e nada vai mudar isso!". Esta afirmação libertadora levou a mulher à descoberta ainda mais importante. Catarina, na verdade e antes de tudo, é a filha amada de Deus e foi Ele quem me encarregou a administrar este bem tão precioso que, ainda que sob os meus cuidados, pertence a Ele. Eu fui escolhida para cuidar dela com amor e, depois, devolvê-la nas mãos do Senhor. É isso que, a partir de hoje, vou fazer, em vez de julgar, criticar, condenar, ou rejeitar. Amar significa acolher e cuidar, tentar compreender, fazer de tudo para defender. É isso que vou fazer.
É bom acrescentar que esse processo não foi rápido, nem fácil, mas foi possível, porque a mulher não parou na superfície da reflexão. Ela avançou para as águas mais profundas e somente assim foi capaz de descobrir a verdade sobre Deus, sobre si mesma, sobre a sua filha e sobre o mundo em geral. Tornou-se uma mulher nova, foi curada de preconceito, cuja raiz - o egoísmo, reforçado pela soberba - foi arrancada do seu coração. Naquele dia a salvação entrou em sua casa (cf. Lc 19, 9).
Há um tempo, a telenovela "Amor à vida", exibida pela TV Globo, aborda, entre outros, o assunto da relação de um pai para com o seu filho gay. As cenas e as conversas chegam a ser irritantes. Provavelmente por terem sido muito reais...
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