ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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5 de outubro de 2013

Não brigo por este "gender"

 
Todos se lembram do caso de um policial que, durante o protesto dos professores no Rio, forjou a posse de morteiros para deter um jovem manifestante. Exceto a nota oficial da PM, todas as reações na mídia, nas redes sociais e em conversas particulares, são unânimes: é algo revoltante, vergonhoso, inaceitável e digno de punição. Certamente, os policiais recebem a formação profissional, inclusive a instrução sobre a conduta ética. Por outro lado, as situações extremas e estressantes, facilitam (ainda que não justifiquem) o fracasso moral, principalmente no caso de pessoas que, talvez, não tenham firmeza em sua própria estrutura psíquica, quem sabe, devido, por exemplo, às falhas na educação em casa. Não estou aqui para julgar as pessoas. Há instituições e autoridades para isso. Entretanto, gostaria de usar este exemplo como a introdução a outra questão que considero infinitamente mais grave, com todos os adjetivos já citados: revoltante, vergonhoso e inaceitável. Digo "infinitamente mais grave" porque não se trata de uns policiais despreparados que permitem a confusão externa tomar conta do seu interior. Falo de pessoas cultas, formadas em filosofia e teologia, conhecedores e adeptos (pelo menos assim se declaram) do Evangelho e dos mandamentos de Deus. Pessoas que sabem perfeitamente qual é o conteúdo do 8° Mandamento, ainda que tenham alguma obsessão doentia com o 6°...
 
Assisti - ou, melhor: tentei assistir - o programa do Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, fiel discípulo de Olavo de Carvalho e, também (suponho), de Jesus, sobre a "Ideologia de gênero". A minha dificuldade consistiu não apenas no fato de discordar de sua argumentação, mas também, em algum problema técnico do site que não permitiu (até agora) uma formatação melhor do vídeo [ATUALIZAÇÃO 07/10/2013: o programa editado está aqui]. O padre que gosta de usar a expressão "gayzismo", copiada do seu mestre Olavo de Carvalho, retrata o estudo (e a legislação) a respeito da identidade de gênero, como uma das mais poderosas armas da "ditadura gay(zista)", a mesma que tem por objetivo - segundo ele - a destruição da sociedade e da Igreja (através da destruição de família tradicional), bem como a introdução da "nova ordem mundial". Tudo isso tem o tom apocalíptico e, de fato, serve para difundir, ainda mais, a intolerância, em particular, a homofobia. O discurso do padre é eloquente e sempre inclui a citação de uma série de nomes e fontes internacionais. Essa eloquência, porém, não é capaz de ocultar o falso princípio que, ao ser detectado, desmascara a verdadeira intenção do ensinamento. Não é a defesa da família, nem da sociedade, mas sim, mais uma tentativa de desmoralizar as pessoas homossexuais, atribuindo a elas algo que não existe. É, justamente, como forjar o flagrante, como no caso daquele policial. Por isso digo: essa briga que o padre apresenta, não é minha. Eu não brigo por este "gender", até porque ele não existe, da forma apresentada por este padre.
 
Vou tentar explicar a questão de maneira mais breve possível. Para um estudo maior, recomendo assistir o discurso do padre e ler todos os materiais que ele indica. O resumo da aula encontra-se no texto, publicado junto ao vídeo. É uma espécie de panfleto, certamente preparado para os escudeiros do padre, para ser multiplicado e distribuído pelo Brasil afora (quem sabe, nas Paradas de orgulho gay[zista]). O título do panfleto, diga-se de passagem, pode ser perfeitamente aplicado, em resposta, a toda argumentação da aula: "Gênero" - Defina ou então não use! A palavra gênero foi politizada. Se ela for utilizada em um texto, deve ser definida para que todos possam estar conscientes do seu significado. Algumas feministas radicais usam "gênero" em contraposição ao "sexo". "Sexo" diz respeito à realidade biológica de masculino e feminino. "Gênero" diz respeito ao condicionamento social e às práticas culturais relacionadas com a masculinidade e a feminilidade. Os que defendem esta definição o fazem por crerem que todas as evidentes diferenças entre homem e mulher não são naturais, mas são produzidas pela "socialização opressiva de gênero" e a mulher será livre somente quando não seja obrigada a ser feminina por sua cultura. Além disso, creem que, enquanto o "sexo" é uma realidade fixa, o "gênero" é algo que se pode escolher. Esta interpretação é particularmente popular entre homossexuais e lésbicas [sic! - como se as lésbicas não fossem homossexuais]. Esta definição declara guerra à feminilidade natural.
 
No vídeo, o padre Paulo Ricardo, reforça esta afirmação: Na verdade, o que está por trás, é um outro conceito. O que está por trás é o fato que - segundo essas pessoas - o homem é uma massinha de modelar e você é construído como homem, ou é construída como mulher, ou é construído como homossexual, ou como lésbica, ou como transexual. Isto é uma questão de opção e não é sequer uma coisa fixa.
 
Quem não percebe, exatamente por trás deste discurso, a intenção de desmoralizar a luta GLBTTS pelos próprios direitos e pela dignidade, corre o risco de ser agredido, amanhã mesmo, em uma esquina qualquer, por um "católico" que - induzido ao erro - vai punir você, por ter escolhido ser gay. Afinal, a ira de Deus volta-se contra os infiéis. Certamente, ele não vai entender que você está sendo fiel a si mesmo, à sua identidade, ao seu gênero que, entretanto, não foi criado por você.
 
E quem pensa que a opinião deste padre é algo raro e individual, engana-se redondamente. Basta entrar nos sites "católicos" e conferir. Um deles, "Annales Historiae", publica o mesmo pensamento: A heterossexualidade está na base da complementariedade entre os homens e as mulheres. Mas outros preferem ver nisso um ponto de exploração, de dominação e de intolerância. Para combater esta situação, então eles trabalham incansavelmente para destruir o que eles consideram como um preconceito. (...) O indivíduo é intimado a escolher entre todas estas possibilidades (heterossexual feminino, heterossexual masculino, homossexual masculino, homossexualidade feminina, bissexualidade, transsexualidade e indiferenciado), com o direito fundamental de trocá-las, quando lhe apetece. (Obs.: Os conhecedores de língua portuguesa, ao menos em Portugal, sugerem que se use o termo "transexualidade" - com um "s")
 
É tão óbvia a falte de lógica na argumentação sobre a "opção" que, somente através de uma lavagem cerebral, é possível implantá-la na cabeça de quem quer que seja.
 
O Papa Bento XVI fez uma referência à "ideologia do gênero": [O rabino-chefe de França, Gilles Bernheim] cita o célebre aforismo de Simone de Beauvoir: «Não se nasce mulher; fazem-na mulher – On ne naît pas femme, on le devient». Nestas palavras, manifesta-se o fundamento daquilo que hoje, sob o vocábulo «gender - gênero», é apresentado como nova filosofia da sexualidade. De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente, enquanto até agora era a sociedade quem a decidia. (...) O homem contesta o fato de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida que é contestada.
 
Talvez existam pessoas que pensam assim, ou movimentos que queiram difundir tal teoria, mas com certeza não são os homossexuais. Repito: nenhum homossexual acredita ter o poder de decidir sobre a sua própria orientação sexual. A sociedade, tampouco, tem esse poder, porque, se tivesse, já não existiria um homossexual sequer na face da terra, graças à pressão da sociedade, em sua maioria, homofóbica. Quanto à "natureza pré-constituída", sempre pensei que a Igreja tivesse pregado a superioridade da alma em relação ao corpo e das coisas espirituais em relação às materiais. Pois, muito mais do que a minha corporeidade, é a minha psíquica e a afetividade, que definem a direção da minha sexualidade. O que "pré-constituiu" a corporeidade daquela criança que nasceu com 4 pernas na Índia? Ou de outra que nasceu com 4 braços e 4 pernas? Que era a encarnação do deus Vishnu, como tantos afirmavam? Não! Foram realizadas várias cirurgias, para que essas pessoas pudessem ter a vida normal. Foi a corporeidade que impedia essa normalidade de viver. E o que dizer sobre a Letícia Lanz que nasceu com o corpo masculino, mas, em sua essência, sempre foi uma mulher? Ela mesma diz: Por décadas, tenho vivido com um nome que não corresponde à pessoa que eu sou e que, como qualquer outra pessoa, eu também desejaria poder mostrar ao mundo, com orgulho e dignidade, em todos as ocasiões.
 
Pelo que sei, a ciência ainda não possui métodos para consertar o interior de um ser humano. Consegue, porém - e com grande sucesso - adequar o corpo à identidade da pessoa. E todas as tentativas de "adequar" a sexualidade foram desastrosas.
 
Acrescento, no final, mais uma observação. Eu creio, assim como o Papa Bento XVI e como a maioria das pessoas não-heterossexuais, que a criatura humana foi feita por Deus nessa dualidade de homem e mulher. Ser gay, não anula o fato de ser homem, assim como ser lésbica, não anula a feminilidade. Essa é a situação das pessoas transgêneras, a quem devemos o respeito, merecido por cada ser humano. Elas também, assim como todos os seres humanos, não escolheram a sua sexualidade por mero capricho. A dualidade do ser humano contém muitas identidades. Deus que, em Jesus, ordenou: Dizei somente sim, se é sim; não, se é não. Tudo o que passa além disto vem do Maligno (Mt 5, 37), não criou o mundo preto e branco, mas sim, muito colorido. Tentar corrigir a obra do Criador, ou negar a sua diversidade, é um ato de estupidez e a manifestação de soberba que resulta em violência. É, exatamente, por dizer "sim" a Deus e a si mesmo, que as pessoas não-heterossexuais defendem a sua identidade e lutam por seus direitos.
 
A ilustração que ajuda compreender a diversidade do ser humano, encontrei no blog do Vinícius:
 

4 de outubro de 2013

Ir ao encontro

 
O Papa Francisco está em Assis. É uma visita cheia de simbologia, por isso as palavras do Santo Padre ganham ainda mais peso, tornam-se "constituintes". Na verdade, a "Constituição" não é nova. É o Evangelho. Nova é a leitura, afim de promover uma nova prática. Exatamente como fez, há séculos, São Francisco de Assis. O próprio Papa disse: queridos amigos, eu não dei a vocês receitas novas. Não o fiz e não acreditem em quem diz que eu o fiz. Não existem. (...) Escutar a Palavra, caminhar junto em fraternidade, anunciar o Evangelho nas periferias! Quem escuta/lê as palavras do Papa, já percebeu que as periferias ocupam um lugar especial no seu coração. É a importância de sair para ir ao encontro do outro, nas periferias, que são lugares, mas, sobretudos, pessoas, situações de vida. Tudo isso o Papa disse aos membros do clero em Assis. E continuou: Quais são as vossas periferias? Procuremos pensar. Perguntemo-nos quais são as periferias desta Diocese. Certamente, em um primeiro sentido, são as zonas da Diocese que são suscetíveis de estar no limite, fora dos feixes de luz dos holofotes. Mas são também pessoas, realidades humanas de fato marginalizadas, desprezadas. São pessoas que talvez se encontram fisicamente próximas ao “centro”, mas espiritualmente estão distantes. Não tenham medo de sair e ir ao encontro destas pessoas, destas situações. Não se deixem bloquear pelos preconceitos, hábitos, rigidez mental ou pastoral, do famoso “se faz sempre assim!”. Mas se pode ir às periferias somente se se leva a Palavra de Deus no coração e se caminha com a Igreja, como São Francisco. Caso contrário, levamos a nós mesmos, e não a Palavra de Deus e isto não é bom, não serve para ninguém! Não somos nós que salvamos o mundo: é o Senhor que o salva!
 
 
 
A denúncia do "famoso «se faz sempre assim»" é um grito revolucionário. É preciso, porém, perceber a diferença entre a revolução e a anarquia. Encaixa-se aqui a frase bíblica: Examinai tudo: abraçai o que é bom (1 Ts 5, 21). Neste contexto podemos recordar o trabalho de um dos pioneiros que descobriram a "periferia da homossexualidade" e foram até lá para levar a Palavra de Deus. É o Padre José Trasferetti que assim conta esta história (o texto é de 2002):
 
Comecei a trabalhar com homossexuais em 1995. Eu trabalhava em uma paróquia de periferia em Campinas, São Paulo, e lá passei a ter contatos com homossexuais e travestis que moravam perto da igreja da paróquia. Foi uma amizade muito gostosa que eu criei com esse grupo e, a partir dessa data, comecei a me interessar pelo tema de forma teológica. Então, além do aspecto pastoral, eu quis incluir o aspecto teológico, ou seja, passei a estudar o tema. E aí então comecei a produzir. Saiu o primeiro livro "Pastoral dos homossexuais" [leia o resumo]; depois (...) "Deus por onde andas?" (...) [e] "Homossexuais e Ética Cristã". E estou preparando outros temas também. (em 2001 foi publicado o livro de Ademildo Gomes e José Trasferetti "Homossexualidade, orientações formativas e pastorais") Então, eu tenho muito interesse pastoral e também interesses teóricos sobre essa questão. Acho que precisamos evoluir mais nessa área e eu gostaria de contribuir educando as comunidades religiosas, os seminaristas, os padres porque eu sinto que existe uma grande ignorância ao redor desse tema. É preciso romper essa ignorância e ampliar nossos conhecimentos, porque somente ampliando nossos conhecimentos é que nós vamos combater a homofobia ainda reinante na sociedade e nas igrejas.
 
Estudar e escrever já é uma forma de ir às periferias. É claro, nada substitui a presença física, o "andar junto" do qual fala o Papa. Os livros ajudam na formação da consciência e facilitam a abertura do coração. Encorajam à ação. Assim como as palavras do Papa...

"A Igreja dos puros" é uma heresia

 
Confesso que me senti entalado, como que em uma lama pegajosa e fedorenta, ao ler vários textos nos sites, portais e páginas, onde escrevem aqueles que se declaram "guardiões da Santa Tradição Católica", repudiam o modernismo pós-conciliar e detonam cada nova fala do Papa Francisco. Evidentemente, depois da última entrevista do Santo Padre, os caras entraram em desespero e, praticamente, excomungaram Francisco. O meu alívio veio logo depois. Se alguém ainda duvida na ação do Espírito Santo, atribua isso, então, à intuição do Papa. Tenho certeza de que o Santo Padre não perde tempo para ler as matérias daquele tipo, menos ainda, os furiosos comentários que se multiplicam como uma praga, mas tudo o que foi dito na última catequese papal, durante a Audiência Geral no dia 02 de outubro, torna-se uma resposta direta e clara aos uivos dos fundamentalistas "católicos" (que, aliás, perderam a própria catolicidade, desde o momento em que contestaram as decisões da Santa Igreja, definidas no Concílio Vaticano II).
 
Como sempre, vale a pena ler o texto todo. Eu cito aqui alguns trechos:
 
Vocês poderiam dizer-me: mas a Igreja é formada por pecadores, vemos isso todos os dias. E isto é verdade: somos uma Igreja de pecadores; e nós pecadores somos chamados a deixar-nos transformar, renovar, santificar por Deus. Houve na história a tentação de alguns que afirmavam: a Igreja é somente a Igreja dos puros, daqueles que são totalmente coerentes e os outros seguem afastados. Isto não é verdade! Isto é uma heresia! A Igreja, que é santa, não rejeita os pecadores; não rejeita todos nós; não rejeita porque chama todos, acolhe-os, está aberta também aos mais distantes, chama todos a deixar-se envolver pela misericórdia, pela ternura e pelo perdão do Pai, que oferece a todos a possibilidade de encontrá-Lo, de caminhar rumo à santidade. “Mas, padre, eu sou um pecador, tenho grandes pecados, como posso sentir-me parte da Igreja?”. Querido irmão, querida irmã, é propriamente isto que deseja o Senhor; que você lhe diga: “Senhor, estou aqui, com os meus pecados”. Alguém de vocês está aqui sem os próprios pecados? Alguém de vocês? Ninguém, nenhum de nós. Todos levamos conosco os nosso pecados. Mas o Senhor quer ouvir que lhe digamos: “Perdoa-me, ajuda-me a caminhar, transforma o meu coração!”. E o Senhor pode transformar o coração. Na Igreja, o Deus que encontramos não é um juiz implacável, mas é como o Pai da parábola evangélica. Você pode ser como o filho que deixou a casa, que tocou o fundo do distanciamento de Deus. Quando tens a força de dizer: quero voltar pra casa, encontrarás a porta aberta, Deus vem ao seu encontro porque te espera sempre, Deus te espera sempre. Deus te abraça, te beija e faz festa. Assim é o Senhor, assim é a ternura do nosso Pai celeste. O Senhor nos quer parte de uma Igreja que sabe abrir os braços para acolher todos, que não é a casa de poucos, mas a casa de todos, onde todos podem ser renovados, transformados, santificados pelo seu amor, os mais fortes e os mais frágeis, os pecadores, os indiferentes, aqueles que se sentem desencorajados e perdidos. A Igreja oferece a todos a possibilidade de percorrer o caminho da santidade, que é o caminho do cristão: faz-nos encontrar Jesus Cristo nos Sacramentos, especialmente na Confissão e na Eucaristia; comunica-nos a Palavra de Deus, faz-nos viver na caridade, no amor de Deus para com todos. Perguntemo-nos então: deixamo-nos santificar? Somos uma Igreja que chama e acolhe de braços abertos os pecadores, que dá coragem, esperança, ou somos uma Igreja fechada em si mesma? Somos uma Igreja na qual se vive o amor de Deus, na qual se tem atenção para com o outro, na qual se reza uns pelos outros?
 
Conheço muitos homossexuais que se sentem indignos, até mesmo, de entrar na igreja para participar da Missa. Outros, já escutaram essa "sentença" (de não serem dignos), por parte dos pais, irmãos, amigos, colegas de escola, padres e muitos outros. Muitos desistiram de procurar o caminho para a Igreja, devido à leitura de alguns documentos oficiais dela. Não me surpreendo, portanto, ao ver um tipo de desconfiança, em relação às palavras do Papa. Uns insistem em afirmar de que não se trata de ensinamento oficial da Igreja, mas de opiniões pessoais de um tal de Bergoglio (que por acaso, ou talvez, por engano, ocupa o trono de Pedro). Outros imaginam (de certa forma, até esperam, assustados) um "cala-a-boca", dado ao Papa, por seus adversários da cúpula vaticana. Há quem pense: "eles vão acabar com ele". Realmente, quando se lê as declarações dos fundamentalistas "católicos", do tipo: "chegou a hora do combate", a gente começa a se preocupar. Mas, aqui, surpreendentemente, vou concordar - em um ponto - com os tradicionalistas: o Papa é o Papa e a Igreja é a Igreja. Um Papa não vai mudar a Igreja.
 
Tenho, porém, uma má notícia aos contestadores de Francisco. Na mesma medida, em que o Papa fala pela Igreja, é a Igreja que fala através do Papa. Não é o Papa que vai demolir, de repente, a Igreja. É a Igreja que se revela no Papa e em suas palavras. Ele apenas transmite a mudança (a conversão) da Igreja. Mesmo que alguém queira calar o Papa, é o Espírito Santo que conduz a Igreja à plena verdade. Basta ler a história! É uma ótima leitura, especialmente neste dia, dedicado a um outro Francisco... 

3 de outubro de 2013

proselitismo e consciência

 
Volto à última entrevista do Papa Francisco, concedida ao jornalista Eugenio Scalfari e às reações de alguns católicos que se apresentam como defensores da Tradição (entendida por eles como o sinônimo da verdade absoluta). Basta ler os comentários sobre a entrevista, no site "Fratres in Unum". O próprio portal publica, também, a sua opinião sobre a entrevista do Papa:
 
É muito difícil emitir um juízo sobre as intenções do papa a respeito. Pelo tamanho das “derrapadas doutrinais”, parece-nos que se trate mais de pouca inteligência misturada com a típica loquacidade achista episcopal latino-americana potencializada pelo próprio idealismo pauperista e espiritualista tão agradável à opinião pública e um certo surto de populismo ansioso, desejoso de aparecer e ganhar espaço nas manchetes. (...) Não nos assustemos com estes acontecimentos e com outros ainda piores que possam vir. Precisamos nos manter firmes na fé, pois o luxo da perplexidade já há muito tempo nos foi tirado, e agora nos resta o bom combate.
 
Os comentários sobre a entrevista e sobre o próprio Papa não são diferentes:
 
  • É pecado desejar que esse pontificado não demore?
  • Não é pecado pedir a Deus que nos livre do mal.
  • A coisa está ficando cada vez pior. Acho que nossa única arma é reclamar ao seu direto superior: Nosso Senhor, através de nossas orações. Também escreverei a quem o colocou lá, os cardeais, pelo menos os mais sensíveis à Tradição, para que tentem tomar providências para reduzir os danos…
  • Nossa, quando o Papa disse que não gostava de dar entrevistas fiquei até um pouco aliviado achando que não veríamos muito disso, mas infelizmente estava enganado. Com o número de católicos cada vez menor ele diz que proselitismo é bobagem? E olha que é jesuíta.
  • A entrevista é um desastre monumental. Eu não lembro de um Papa tão absurdamente fraco teologicamente. Proselitismo é besteira? A consciência sabe o certo e o errado? Política e religião são desconexas? Será que ele conhece o catecismo? Certa hora achei que o ateu tinha convencido o papa. Meu Deus!!!! Marana tha
  • Esse Papa não ama a Igreja. Ele só fala mal dela. Que humildade é esta que acha que tudo antes dele estava errado. Ele fala mal dos padres, dos bispos, dos que o antecederam, da cúria… ele não ama a igreja. Esse Papa não tem papa na língua. Fala demais
  • Considero irresponsável e imprudente o Summus Pontifex Ecclesiae Universalis conceder entrevistas. Será que não há ninguém no Vaticano para assessorar nosso Pontífice?
  • A casa caiu. É absolutamente claro que o Comunismo chegou enfim ao Papado.
  • Vivemos o momento histórico do inicio da Nova Era. A cada dia uma nova entrevista de preparação para ações que chocam os católicos. Voltemos para as catacumbas. Rápido!
  • Em breve começará as perseguições a quem ousar falar sobre tradição. Deus nos salve…..
  • Eu já visitei o túmulo de São Francisco de Assis. Se tivesse condições financeiras de voltar à Itália neste momento, voltaria a Assis e rogaria ao poverino para que o pontificado de Bergoglio seja o mais curto possível.
  • Li a entrevista com tristeza, incredulidade e, acima de tudo, com um sentimento de que fui abandonado por aquele que devia ser meu pai na Fé.
  • O Papa está confuso e eu muito mais!
Algumas pessoas expressam, de passagem, a sua admiração pelo Papa Bento XVI. Há quem lance uma ideia bastante curiosa:
 
Na época da renúncia de Bento XVI lembro ter lido em algum lugar que ao anunciar sua renúncia ele cometeu um erro em latim (não lembro se estava escrito ou se errou ao pronunciá-lo) e que isso invalidaria sua renúncia como tal. E se tal teoria for verdade? E se ocorreu mesmo esse erro que invalidaria a renúncia? Diversos acontecimentos nos fizeram e continuam a fazer pensar que o santo padre renunciou por pressões e influências externas… E se Bento XVI o fez de propósito para – mesmo tendo “renunciado” diante de todos – continuar a ser o verdadeiro papa. Pode parecer loucura mas diante dos acontecimentos recentes essa ideia não para de martelar minha consciência, isto é, a ideia de que Bento XVI continua a ser o verdadeiro papa.
 
Deixando de lado as opiniões mais extremas que consideram o Concílio Vaticano II uma heresia e a traição da verdadeira doutrina (como em um dos comentários que diz: A igreja conciliar do Vaticano II não é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana), vale lembrar o que disse sobre o proselitismo (um dos assuntos da entrevista que mais enfureceram os católicos fundamentalistas), o Papa Bento XVI:
 
A Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por “atração”: como Cristo “atrai todos a si” com a força do seu amor, que culminou no sacrifício da Cruz, assim a Igreja cumpre a sua missão na medida em que, associada a Cristo, cumpre a sua obra conformando-se em espírito e concretamente com a caridade do seu Senhor. (Missa de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, Aparecida, 13 de maio de 2007). Esta afirmação reforça o ensinamento do Beato João Paulo II que escreveu: A nova evangelização não deve de modo algum ser confundida com o proselitismo, sem com isto negar o dever do respeito da verdade, liberdade e dignidade de cada pessoa. (Exortação Apostólica Ecclesia in Europa, n. 32).
 
A própria Igreja, de forma oficial, traz a definição da palavra "proselitismo": Originalmente o termo «proselitismo» nasce em âmbito hebraico, onde «prosélito» indicava aquele que, proveniente dos «gentios», passava a fazer parte do «povo eleito». Assim também no âmbito cristão, o termo proselitismo foi, muitas vezes, usado como sinônimo da atividade missionária. Recentemente, o termo tomou uma conotação negativa como publicidade para a própria religião com meios e motivos contrários ao espírito do Evangelho e que não salvaguardam a liberdade e a dignidade da pessoa.
 
Outro assunto, abordado pelo Papa Francisco em entrevista e que tanto escandalizou os católicos fundamentalistas tradicionalistas, é a consciência. Literalmente, o Papa disse: Cada um de nós tem uma visão do bem e do mal. Temos que encorajar as pessoas a caminhar em direção ao que elas consideram ser o Bem. Eugenio Scalfari responde: Santidade, o senhor escreveu isso em sua carta para mim. A consciência é autônoma, o senhor disse, e todos devem obedecer a sua consciência. Creio que este seja um dos passos mais corajosos dados por um Papa. Santo Padre prossegue: E repito aqui: Cada um tem sua própria ideia de bem e mal e deve escolher seguir o bem e combater o mal como concebe. Isso bastaria para fazer o mundo um lugar melhor.
 
Digo o seguinte: se todos esses leitores-comentaristas, católicos tradicionalistas, fundamentalistas ignorantes, acham o pensamento do Papa uma blasfêmia, uma heresia ou um absurdo - e, ao mesmo tempo, usam a Palavra de Deus para embasar o seu espanto - por que não consideram uma "derrapada doutrinal" a afirmação do Apóstolo Paulo que diz a mesma coisa? Tudo o que não provém de uma convicção é pecado (Rm 14, 23), ou um princípio da própria Igreja, que foi sancionado pelo 4º Concílio de Latrão  (ao qual, diferentemente do Vaticano II, eles se consideram fiéis): "Tudo o que se faz contra a consciência, prepara a condenação" (quidquid fit contra conscientiam, sedificat ad gehennam), ou então, a sentença de Santo Tomás de Aquino: precisa-se seguir a consciência, mesmo contra a força da Igreja (Sent. IV., díst. 38).
 
Uma conclusão:
 

Meu zeloso guardador

 
No final deste dia, dedicado na Igreja aos Santos Anjos da Guarda (leia sobre este tema aqui e aqui), gostaria de prestar uma singela homenagem a meu amigo inseparável que nunca me abandona, pelo contrário, já me deu provas palpáveis de sua presença e de seu amor para comigo. Pois é, se não fosse um Anjo, eu o pediria para namorar comigo... pelo menos, de maneira mais visível. Bem... eu sei que os anjos do céu não se casam (cf. Mt 22, 30), portanto, certamente, não namoram, mas que o meu é um fofo, não tenho dúvida. Aliás, na minha opinião, ele faz parte do mundo GLBTTS, inserido no universo, pelo menos, correspondendo à letra "S", quer dizer, simpatizante - evidentemente simpatiza comigo. Só acho que ele se distrai no shopping... É, que eu sempre me perco no shopping. Mas, já passamos juntos no meio dos traficantes armados, já batemos com o carro, já apontaram em minha direção uma arma e - mais frequentemente - caminhamos nas madrugadas sem fim pelos bairros considerados perigosos e sempre chegamos bem em casa. Sim, nessas horas, particularmente senti a sua presença. Eu sei que o tal de Cupido, embora retratado como um anjinho, pertence a outra história, mas - como diz a Igreja - as sementes de verdade estão presentes e operantes nas diversas tradições religiosas e são um reflexo do único Verbo de Deus (veja aqui), portanto, não tenho certeza se não daria certo pedir ao meu Anjo da Guarda que me ajudasse a encontrar um namorado, fazendo o papel daquele Cupido. Ou, então, como fazia o Beato João XXIII, pedir ao eu Anjo da Guarda que conversasse com o seu colega, o Anjo da Guarda dessa ou daquela pessoa. Por exemplo, do Lucas ou do Gabriel... Falando nesses dois, eu acho que se o meu Anjo da Guarda assumisse um corpo, teria essa aparência, principalmente os cachos e aqueles olhos lindos que penetram a minha alma.
 
Essa coisa de assumir um corpo já aconteceu no passado (e deve estar acontecendo atualmente), basta ler o livro de Tobias, no qual a história com o anjo começa assim: Tobias encontrou um jovem de belo aspecto, equipado como para uma viagem. (Tb 5, 5) e termina dessa maneira: Então Tobit chamou seu filho e disse-lhe: Que havemos nós de dar a esse santo homem que te acompanhou? Meu pai, respondeu ele, que gratificação lhe havemos de dar? Que presente poderá igualar os seus benefícios? Ele levou-me e trouxe-me em boa saúde; foi receber o dinheiro de Gabael; fez-me ter uma mulher e afugentou dela o demônio; encheu de alegria os seus pais; livrou-me de ser devorado pelo peixe, e fez-te rever a luz do céu; enfim, ele cumulou-nos de toda a sorte de benefícios. Que presente poderia igualar a tudo isso? Rogo-te, meu pai, que lhe peças se digne aceitar a metade de tudo o que trouxemos. Chamaram-no, pois, o pai e o filho, e, tomando-o à parte, rogaram-lhe que aceitasse a metade de tudo o que tinham trazido. Então ele falou-lhes discretamente: Bendizei o Deus do céu, e dai-lhe glória diante de todo o ser vivente, porque ele usou de misericórdia para convosco. (...) Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor. (Tb 12, 1-6. 15) Notemos que uma das tarefas do Anjo parece muito com o trabalho de um Cupido.
 
Há quem considere as reflexões acima uma blasfêmia. Garanto, porém, que tenho o respeito profundo pelas coisas de Deus e acredito que a minha condição homossexual faça parte dos desígnios dele. A minha homossexualidade não anula a minha humanidade. A humanidade, por sua vez, contém o chamado ao amor, como a forma essencial de sua própria realização no plano de Deus. Evidentemente, posso me realizar amorosamente no serviço aos pobres, na dedicação generosa à ciência ou à arte. Posso, também, ter recebido uma vocação especial e sublime, ao celibato, mas tenho certeza de que não é todo homossexual que seja chamado a esta forma de vida. Aliás, a Igreja não admite, nem ao sacerdócio, nem à profissão religiosa nos conventos, "as pessoas com tendências homossexuais fortemente enraizadas". Logo, a plena realização humana, consiste em compartilhar o amor com outra pessoa. No caso de um/a homossexual, com a pessoa do mesmo sexo. E o meu Anjo da Guarda sabe de tudo e nem por isso me abandonou...
 
 
Quero terminar o texto com mais uma reflexão. Não sei se é uma questão de idade e, associada naturalmente a ela, a vocação à paternidade, mas reparo-me com um desejo que cresce no meu coração com o passar do tempo. É uma profunda, sincera e pura vontade de cuidar de alguém. Normalmente se pensa que a carência afetiva seja algo contrário, isto é, uma vontade de ter alguém que cuidasse da gente. Confesso, porém, que a minha visão de felicidade, aqui na terra, revela-se como a possibilidade de cuidar, de proteger. Assim imagino o meu namoro. Assim me sinto em relação a Lucas ou Gabriel. É uma sensação isenta de perversidade. É uma pena que ainda não aprendi a demonstrar isso de maneira mais clara e convincente. Talvez, um dia, o meu Anjo da Guarda me ensine essa arte, afinal é isso que ele faz comigo...
 
Todos os dias, antes de dormir, faço a saudação ao meu Anjo da Guarda, que aprendi ainda com a minha avó:

2 de outubro de 2013

O Papa entrevistado

 
O Papa Francisco não gosta de dar entrevistas.
Imagine, se ele gostasse!
 
Durante o voo ao Brasil para a JMJ, o Papa disse: Verdadeiramente eu não dou entrevistas, mas é porque não sei, não consigo. Sou assim! Sinto um pouco de dificuldade em fazê-lo, mas agradeço a companhia. Na viagem de volta a Roma, um dos jornalistas franceses, Antoine-Marie Izoard, retrucou: Para um Papa que não quer dar entrevistas, estamos-lhe verdadeiramente gratos. O padre Antonio Spadaro, SJ, assim relata o desabafo do Papa, antes de iniciar "oficialmente" a conversa: Pouco antes da audiência que concedeu aos jesuítas da "Civiltà Cattolica", o Papa tinha-me falado da sua grande dificuldade em dar entrevistas. Tinha-me dito que prefere pensar, mais do que dar respostas imediatas em entrevistas de momento. Sente que as respostas corretas lhe vêm depois de ter dado a primeira resposta.
 
Podemos ler hoje, na íntegra, uma nova entrevista do Papa. Desta vez é o relato de sua conversa com o jornalista italiano Eugenio Scalfari (fundador e primeiro diretor do jornal "la Repubblica", que - de acordo com várias fontes - "se autoidentifica ateu"). Antes de entrar ao mérito da entrevista, gostaria de lembrar que as declarações do tipo "entrevista inédita e histórica" ignoram a existência de entrevistas, inclusive em forma de livros, concedidas aos jornalistas por outros Papas. Os relatos de conversas papais de hoje inserem-se, sem dúvida, em um gênero literário escolhido pelos Papas na segunda metade do século XX: com uma série aberta em 1967 pelos "Diálogos" de Paulo VI com Jean Guitton, continuada por João Paulo II, em suas conversas com André Frossard e Vittorio Messori e pelo Papa Bento XVI, em suas conversas com Peter Seewald (iniciadas anda antes de sua eleição para ocupar a sede petrina). De fato, cada entrevista é única, inédita e exclusiva (o termo adorado pelos jornalistas), mas vale a pena reconhecer o trabalho e os méritos de outros colegas, entrevistadores dos Papas.
 
Em sua nova entrevista, o Papa repete os temas que o acompanham desde o início. Claro, é sempre uma abordagem nova, uma espécie de insistência de quem sente a necessidade de explicar, talvez porque perceba alguma dificuldade de ouvintes em compreender certas ideias. Mais ou menos assim, como você conversa com um estrangeiro e procura, com os gestos, a mímica e o tom de voz, ajuda-lo a entender do que você está falando. Temos, portanto, aqui - de novo - a cultura do diálogo, o amor ao próximo, as injustiças sociais, a necessidade de reformas na Igreja e no mundo.
 
Acho muito importante destacar o estilo da conversa que pouco ou nada tem de uma clássica entrevista jornalística. O tom, os temas, o senso de humor em cutucar o interlocutor e fazer piada, os desabafos muito íntimos sobre as experiências pessoais... tudo isso cria um clima de um bate-papo de velhos amigos, com o direito de um tapinha nas costas, entre um e outro puxão de orelha. Neste caso, a cordialidade não é banalidade, nem diplomacia superficial. Impressionam ripostas rápidas e certeiras, sem violar a profunda reverência de um para o outro. O início e o final da conversa me deixaram esperançoso por uma continuação. O Papa disse no início: Às vezes, após um encontro, desejo marcar outro porque novas ideias surgem e descubro novas necessidade. Isso é importante: conhecer as pessoas, ouvir, expandir nosso círculo de ideias. E termina com uma promessa: Eu lhe direi mais da próxima vez.
 
Recomendo a leitura de texto na íntegra e não apenas em fragmentos, fornecidos pela mídia (de diversas opções ideológicas). Quem quiser, leia também, os comentários de vários "católicos fundamentalistas" a-p-a-v-o-r-a-d-o-s, na mesma página, logo depois da entrevista. Certamente, entre os trechos mais criticados por eles, estão os que eu vou agora citar aqui.
 
  • O proselitismo é uma solene tolice ("nonsense" - outras fontes dizem besteira - "sciochezza" - seria bom verificar o original), não tem sentido. Nós temos que conhecer um ao outro, ouvir um ao outro e melhorar o nosso conhecimento do mundo ao nosso redor. Às vezes, após um encontro, desejo marcar outro porque novas ideias surgem e descubro novas necessidade. Isso é importante: conhecer as pessoas, ouvir, expandir nosso círculo de ideias. O mundo é cruzado por vias que se aproximam e se separam, mas o importante é que elas levem ao Bem.
  • Você sabe o que é ágape? É o amor pelos outros, como Nosso Senhor pregou. Não é fazer proselitismo, é amar. Amar o próximo, aquele fermento que serve ao bem comum.
  • Não gosto da palavra narcisismo. Ela indica um amor excessivo por si mesmo e isso não é bom, pode produzir sérios danos não só à alma do que dele sofre, mas também no relacionamento com outros, com a sociedade na qual se vive. O verdadeiro problema é que aqueles mais afetados por isso — que é, na realidade, um tipo de desordem mental — são pessoas que têm muito poder. Normalmente os chefes são narcisistas. Os líderes na Igreja frequentemente foram narcisistas, bajulados e negativamente influenciados por seus cortesãos. A corte é a lepra do Papado.
  • (...) quando encontro um clericalista, de repente, me torno anticlerical. O clericalismo não deveria ter qualquer coisa a ver com o cristianismo.
  • Pessoalmente, creio que ser uma minoria é realmente um ponto forte. Temos que se um fermento de vida e amor, e o fermento é infinitamente menor do que uma massa de frutas, flores e das árvores que nascem delas. Creio já ter dito que a nossa meta não é fazer proselitismo, mas ouvir às necessidades, desejos e desilusões, desespero, esperança.
  • Precisamos incluir os excluídos e pegar a paz.
  • Demos um passo à frente em nosso diálogo. Observamos que na sociedade e no mundo em que vivemos o egoísmo tem aumentado mais do que o amor pelos outros, e que os homens de boa vontade precisarão trabalhar, cada qual com os seus pontos fortes e experiência, para garantir que o amor aos outros aumente até que seja igual e possivelmente exceda o amor por si mesmo.
  • Pessoalmente creio que o chamado liberalismo irrestrito somente faz do forte mais forte e do fraco mais fraco e exclui os mais excluídos. Precisamos de grande liberdade, não descriminação, não demagogia e muito amor. Precisamos de regras para conduzir e também, se necessário, intervenção direta do estado para corrigir as desigualdades mais intoleráveis.

1 de outubro de 2013

+ Gefferson Ferrer



O Portal Gay1 informou ontem sobre a morte de um jovem, Gefferson Ferrer que se jogou do 3° piso, no shopping Taguatinga (Brasília, DF). Segundo o portal, Gefferson havia anunciado a sua morte no facebook. Nesta madrugada, o seu perfil ainda estava disponível, mas agora não existe mais. A sua despedida,
feita algumas horas antes do suicídio, expressa a profunda angústia e solidão. Uma das últimas postagens exibe o pensamento de Curt Cobain: "Se os meus olhos mostrassem a minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo" e a outra, traz a fase: "Tudo tem conserto menos a morte... a morte conserta tudo". Além dessas citações, havia as palavras do próprio Gefferson: "Obrigado gente pela força e pelo carinho de alguns, mas não tem volta, não... Um dia todos iremos embora e eu vou hoje!!!". Um pouco antes, o rapaz escreveu: "Só merece viver quem tem força pra enfrentar as armadilhas da vida e hoje eu não tenho mais força pra nada! Não tenho direito de amar muito menos de ser Amado. Viver com o coração cheio de dor eu não aguento por isso decidi partir pra nunca mais voltar". A página de notícias "Alto Paraíba" acrescenta a informação que o rapaz estava assistindo o filme "Invocação do mal" e, antes de terminar o filme, saiu e pulou.
 
 
Cada morte nos deixa perturbados, por mais que a cultura modera, justamente, a "cultura da morte", procure banaliza-la. Mais ainda, a morte suicida. Muitos sentem a tentação de julgar, outros de tentar explicar. Na verdade, estamos diante de um mistério, chamado "ser humano". O mistério é tão grande que até a Igreja (católica) que tem tanta dificuldade em modificar os seus pontos de vista e que, antigamente, negava às pessoas que tiraram a própria vida, o lugar na terra "benzida" e reservava um espaço à parte no cemitério para "tais pessoas". Hoje em dia, a Igreja diz: Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do  sofrimento ou da tortura, podem diminuir a responsabilidade do suicida. Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida (CIC, 2282-2283). Na prática, admite-se a suposição de que talvez, nos últimos instantes (entre o ato suicida e a morte efetiva), pela infinita misericórdia de Deus, ter-se-á arrependido de seu ato e obtido o perdão. Vale lembrar aqui o fato de que a Igreja que tenha declarado oficialmente a salvação eterna de muita gente (em forma de beatificação ou canonização), nunca se pronunciou a respeito da condenação no inferno de quem quer que seja.
 
Recentemente, o Papa Francisco, disse: Quantas pessoas tristes, quantas pessoas tristes, sem esperança! Pensai também nos muitos jovens que, depois de terem experimentado tantas coisas, não encontram sentido na vida e procuram o suicídio, como solução. Sabeis quantos suicídios de jovens há hoje no mundo? A cifra é alta! Por quê? Não têm esperança. Experimentaram tantas coisas e a sociedade, que é cruel — é cruel! — não nos pode dar esperança. A esperança é como a graça: não se pode comprar, é um dom de Deus. E nós devemos oferecer a esperança cristã com o nosso testemunho, com a nossa liberdade, com a nossa alegria. O dom da graça que Deus nos dá, traz a esperança. Nós, que temos a alegria de nos apercebermos que não somos órfãos, que temos um Pai, podemos permanecer indiferentes a esta cidade que nos pede, talvez também inconscientemente, sem o saber, uma esperança que ajude a olhar para o futuro com maior confiança e serenidade? Nós não podemos ser indiferentes.
 
Não sei como anda, neste sentido, a doutrina das Igrejas evangélicas. A morte de Gefferson trouxe a recordação de um outro jovem, Saulo Assis de Lima que se jogou de uma torre de telefonia em Porto Velho, Rondônia, em abril deste ano. Os relatos de amigos deste jovem de 23 anos não deixam dúvidas. Saulo foi expulso de casa pela família que é evangélica, por ele ter sido aidético e homossexual. De acordo com diversas fontes, o corpo de Saulo permaneceu muitos dias no IML da cidade. Surgiu, até, uma campanha no facebook: "Um funeral digno para Saulo".
 
Repito: não tenho o conhecimento suficiente sobre a doutrina evangélica e os seus "dogmas" sobre o suicídio. Talvez o ponto de partida tenha sido a história de Judas Iscariotes e uma associação inescrupulosa de versículos bíblicos, tais como: "Judas Iscariotes foi o traidor" (Mt 10, 4); "Satanás entrou em Judas" (Lc 22, 3); "Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!" (Mt 26, 24). Por sua vez, é mais que evidente, o discurso homofóbico da maioria dos pastores evangélicos. Voltemos, porém, ao contexto católico...
 
A Igreja católica que usa o termo "tendências homossexuais profundamente radicadas", na verdade revela a sua própria homofobia, profundamente radicada. Por mais que tente escondê-la sob uma veemente condenação de discriminação (injusta - sic!), logo acrescenta que quando é aceita a afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada e, por conseguinte, a atividade homossexual é considerada boa, nem a Igreja nem a sociedade em seu conjunto deveriam surpreender-se se depois também outras opiniões e práticas distorcidas ganham terreno e se aumentam os comportamentos irracionais e violentos. A Igreja não se surpreende com os comportamentos irracionais e violentos contra as pessoas homossexuais, mas é incapaz de admitir a sua própria contribuição para tais comportamentos. Vejamos alguns princípios que servem para a pregação da doutrina, nas igrejas e salas de catequese, nos encontros de oração e retiros, em formação de jovens e de todos os outros fiéis católicos. A Igreja afirma e ensina o seguinte:
 
Na "Carta sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais"
  • Como acontece com qualquer outra desordem moral, a atividade homossexual impede a autorrealização e a felicidade porque contrária à sabedoria criadora de Deus.
  • Quando se entregam a uma atividade homossexual, elas [as pessoas homossexuais] reforçam dentro delas mesmas uma inclinação sexual desordenada, caracterizada em si mesma pela auto-complacência.
  • Uma pessoa que se comporta de modo homossexual, age imoralmente.
  • São Paulo apresenta o comportamento homossexual como um exemplo da cegueira em que caiu a humanidade.
  • A própria inclinação deve ser considerada como objetivamente desordenada.
  • O Autor [do Livro de Levítico] exclui do povo de Deus os que têm um comportamento homossexual.
  • O  fenômeno do homossexualismo, em suas múltiplas dimensões e com seus efeitos sobre a sociedade e sobre a vida eclesial, é um problema que afeta propriamente a preocupação pastoral da Igreja.
  • A prática do homossexualismo [está] ameaçando seriamente a vida e o bem-estar de grande número de pessoas.
  • A opinião segundo a qual a atividade homossexual seria equivalente à expressão sexual do amor conjugal ou, pelo menos, igualmente aceitável, incide diretamente sobre a concepção que a sociedade tem da natureza e dos direitos da família, pondo-os seriamente em perigo.
  • A catequese poderá ajudar inclusive as famílias em que se encontrem pessoas homossexuais, a enfrentar um problema que as atinge tão profundamente.
 
Outros documentos:
  • Os atos homossexuais não se podem, de maneira nenhuma, aprovar. (...) Na Sagrada Escritura, as relações homossexuais são condenadas como graves depravações. (...) As legislações que favorecem as uniões homossexuais são contrárias à reta razão. A legalização das uniões homossexuais acabaria, portanto, por ofuscar a percepção de alguns valores morais fundamentais e desvalorizar a instituição matrimonial. (...) Há razões válidas para afirmar que tais uniões [homossexuais] são nocivas a um reto progresso da sociedade humana, sobretudo se aumentasse a sua efetiva incidência sobre o tecido social. (...) Todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. (...) O respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. (1)
  • Existem setores onde não se trata de discriminação injusta tomar em consideração a tendência sexual, por exemplo, na adoção ou no cuidado das crianças, nó trabalho dos professores ou dos treinadores atléticos e no recrutamento militar. (...) A passagem do reconhecimento da homossexualidade como fator, na base do qual é ilegal discriminar, pode facilmente levar, se não de modo automático, à proteção legislativa e à promoção da homossexualidade. (...) Existe o perigo de a legislação, que faz da homossexualidade uma base para certos direitos, encorajar deveras uma pessoa tendencialmente homossexual a declarar a sua homossexualidade ou até mesmo a procurar um parceiro, aproveitando-se assim das disposições da lei.(2)
  • Certamente, na atividade pastoral estes homossexuais assim hão de ser acolhidos com compreensão e apoiados na esperança de superar as próprias dificuldades pessoais e a sua inadaptação social. (...) Segundo a ordem moral objetiva, as relações homossexuais são atos destituídos da sua regra essencial e indispensável. Elas são condenadas na Sagrada Escritura como graves depravações e apresentadas aí também como uma consequência triste de uma rejeição de Deus. Este juízo exarado na Escritura Sagrada não permite, porém, concluir que todos aqueles que sofrem de tal anomalia são por isso pessoalmente responsáveis; mas atesta que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados e que eles não podem, em hipótese nenhuma, receber qualquer aprovação. (3)
  • O caminho formativo [dos candidatos ao sacerdócio] deverá ser interrompido no caso do candidato, apesar do seu empenho, do apoio do psicólogo ou da psicoterapia, continuar a manifestar incapacidade para enfrentar de modo realista, ainda que com o progresso do crescimento humano, as suas graves imaturidades (fortes dependências afetivas, notável falta de liberdade nas relações, excessiva rigidez de carácter, falta de lealdade, identidade sexual incerta, tendências homossexuais fortemente enraizadas, etc.). (4)
  • Será tarefa da família e do educador procurar antes de mais nada individualizar os fatores que levam à homossexualidade: descobrir se se trata de fatores fisiológicos ou psicológicos, se esta será o resultado de uma falsa educação ou da falta de uma evolução sexual normal, se provém de um hábito contraído ou de maus exemplos ou de outros fatores. (...) Existe mais no profundo, a congênita fraqueza do homem, como consequência do pecado original; esta fraqueza pode levar à perda do sentido de Deus e do homem e ter suas repercussões na esfera da sexualidade. (5)
  • Uma problemática particular, que se pode manifestar no processo de maturação-identificação sexual, é a da homossexualidade, que, aliás, se difunde cada vez mais nas culturas urbanas. (...) Os jovens precisam de ser ajudados a distinguir os conceitos de normalidade e de anomalia, de culpa sugestiva e de desordem objetiva, evitando induzir hostilidade e, por outro lado, esclarecendo bem a orientação estrutural e complementar da sexualidade em relação à realidade do matrimônio, da procriação e da castidade cristã. (...) Muitos casos, especialmente quando a prática de atos homossexuais não se estruturou, podem ser ajudados positivamente por meio de uma terapia apropriada. (...) Os pais, por seu lado, no caso de advertirem nos filhos, em idade infantil ou adolescente, o aparecimento de tal tendência ou dos comportamentos com ela relacionados, façam-se ajudar por pessoas especializadas e qualificadas para darem todo o auxílio possível. (6)
Se estas afirmações não incentivam os atos violentos de homofobia e não agravam o estado de depressão e angústia em pessoas que não conseguem aceitar a própria homossexualidade, então... eu sou o Papai Noel. A Igreja que se declara, tão firmemente, como a "defensora da vida e dos direitos humanos", precisa fazer um sincero e humilde exame de consciência.