ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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12 de fevereiro de 2014

Sonhando com a casa


O meu sonho associa-se a uma casa. Não necessariamente no sentido arquitetônico. Pode ser um apartamento, inclusive bem pequeno. Digo "casa", pensando em uma morada, um lar. E, principalmente, em uma vida compartilhada. A casa é algo de casal e o casal é algo (melhor: é tudo) de amor. Um amor que evolui e, ao mesmo tempo, cultiva algum tipo de rotina própria. É um clima, um espírito, um ritmo. Neste sentido, a rotina não precisa ser o sinônimo de estagnação. Antes, é o sinal de uma profunda sintonia entre dois seres humanos que se conhecem a ponto de prever, intuir, o próximo passo do outro. Essa intuição, um dos principais frutos do amor, não aprisiona. Eu posso prever que o meu amado está prestes a me fazer uma surpresa, mesmo sem saber qual. Vou saber, porém, que aquela surpresa foi preparada para mim. Eu também faria surpresas. A vida pode ser intensa e, ao mesmo tempo, serena. Existe uma diferença fundamental entre os aborrecimentos, diferenças de opinião, correções - coisas mais naturais entre duas pessoas - quando se baseiam, ou não, em uma neurose. Os relacionamentos neuróticos vivem sacudidos por ciumes, cobranças e mentiras. A raiz, mais que provavelmente, situa-se em algum tipo de insegurança. Os estudiosos e os experientes afirmam que é a baixa autoestima que gera dúvidas em relação ao amor do outro. O medo e amar e o medo de não ser amado andam de mãos dadas, enquanto são as pessoas que deveriam andar assim. 

As cenas mais preciosas de uma vida conjugal não vêm das memórias da minha própria família. Pelo menos, não no sentido clássico e estrito da palavra. Os meus pais se separaram quando eu ainda era pequeno. Lembro-me de algumas brigas entre eles e daqueles períodos em que não se falavam direito. Lembro-me de ausências prolongadas do meu pai e de olhar amargurado da minha mãe. Até que essa ausência e essa amargura se tornarem permanentes. Ele saiu definitivamente de casa. Ela, com o tempo, aceitou a nova situação e conseguiu amenizar a sua amargura. Eu e o meu irmão mais velho, ambos pré-adolescentes na época, descobrimos, aos poucos, que a vida assumiu as formas diferentes. Ele nos visitava com frequência, mais tarde começou a nos levar para acamparmos juntos, até chegou a hora em que - por meio de uns esforços diplomáticos com a nossa mãe que só poderíamos imaginar - promoveu o nosso encontro com a nova esposa dele. Havia a questão da forma de chamá-la. Sem dúvida, não seria "mãe", nem "madrasta", ou "tia". Foi ela que deu a proposta de chamá-la, simplesmente, pelo nome. Confesso que nunca consegui, o que resultou em uma espécie de ginástica mental para poder conversar com ela de curiosa forma impessoal. Não vou tentar explicar isso aqui para não fugir do assunto principal. 

Não tenho como e também não pretendo fazer aqui as comparações e - ainda menos - qualquer tipo de julgamento. Digo apenas que nunca (antes e depois) e em nenhum outro lugar vi algo que, de fato, pode ser chamado "casa", um lar fantástico, para não dizer "perfeito". Vi e vivi na casa deles. Não, eles não eram perfeitos, mas o que os unia beirava a perfeição, ou melhor, uma incrível sintonia, uma confidencialidade, uma paz. Foi assim até a morte do meu pai. E eu, assim como o meu irmão, visitávamos aquela casa e, depois, aquela mulher, já sozinha, com bastante frequência. Ela sempre foi a "gerente" da casa e ele, a cabeça. Ela administrava o dinheiro, as compras e as contas, mas a verdadeira paixão dela (além do meu pai, é claro) era a própria casa que, em cada detalhe, levava a sua marca. Cozinheira talentosa e carinhosa e decoradora nata, mesmo sem ser profissional do ramo. Notava-se, a todo momento, o profundo e sincero respeito entre eles. Eu diria, uma reverência. Os dois se revezavam nas advertências dadas a mim e ao meu irmão: "Fala mais baixo! Ele está trabalhando agora e não gosta de ser interrompido" (meu pai era um jornalista e foi em casa que ele dava aquele último toque aos seus textos). Ou então: "Arruma a mesa! Ela não gosta de bagunça... E na próxima vez vê se traz algumas flores para ela!".

Bem... Eu não convivi com eles o tempo todo, mas também não acredito que tenha sido um teatro, feito por eles, só para criar uma aparência hipócrita de harmonia, diante dos nossos olhos. Aquela compreensão sem precisar explicar as coisas, o respeitoso e profundo conhecimento mútuo de costumes e gostos pessoais, a sintonia, a paz. Eles falavam com a mesma voz quando nos orientavam ou cobravam algo da gente. Eles se divertiam. Sim, as vezes um chamava atenção do outro, mas nem por isso o clima entre eles ficava alterado. As diferenças que cada um deles trazia, só serviam para completar o outro. Ele era bem mais velho, havia diferenças intelectuais e as histórias familiares distintas. Nada disso atrapalhava a sua união. Passavam muito tempo juntos, mas não se via aquele jeitão grudento que muitos casais apresentam. Finalmente, quando chegou a hora, foi ela quem cuidou dele, até o último suspiro.

Quando, então, fico sonhando com a minha casa, com o meu casamento... penso neles. Um relacionamento lindo, posso dizer perfeito, sem deixar de ser profunda e autenticamente humano.

2 comentários:

  1. Que texto bonito cara! Que lembrança boa e que casal inspirador, praticamente os vi enquanto lia.

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  2. Obrigado! Realmente, a lembrança deste casal me inspira e me leva a sonhar. Quem sabe, um dia eu consiga experimentar um pouco disso... Grande abraço!

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