A telenovela, enquanto um dos gêneros da arte cinematográfica, tem recebido muito mais críticas do que elogios. Basta lembrar as discussões, ou melhor, verdadeiras batalhas verbais (com o direito a xingamentos e anátemas em nome de Jesus), depois do último capítulo da obra, exibida recentemente pela TV Globo, "Amor à vida". Eu acredito, porém, que uma reflexão mais serena pode nos levar a outras conclusões, mais objetivas e, sobretudo, construtivas. Em primeiro lugar, vale a pena analisar um pouco o próprio estilo desse trabalho. É como a leitura de um livro, misturada com a peça teatral (ou, talvez, várias peças entrelaçadas). A própria dinâmica de capítulos faz com que o telespectador assimile sem pressa o conteúdo da obra. Não preciso dizer que é, justamente, essa dinâmica da telenovela que se torna o alvo de críticas daqueles que enxergam ali a "destruição da família cristã e dos mais nobres valores morais da sociedade". Lembro-me de um padre que, alguns anos atrás, dizia "Dessa vez eles acertaram com o título da novela: 'Suave veneno'! Toda novela é esse veneno que eles suavemente injetam na alma do nosso povo!"...
Volto à serenidade como o atributo necessário em cada conversa sensata e racional. Deixo de lado as "teorias de conspiração" de todo tipo (a "Nova Ordem Mundial" e até a "obra do maligno") que tanta gente consegue enxergar nas telenovelas. Tampouco pretendo, por outro lado, fazer aqui a ingênua apologia desse fenômeno. Apenas gostaria de apontar algumas questões. As estatísticas, bem como a simples observação pessoal do cotidiano, mostram que uma enorme parte da sociedade, de fato, acompanha as telenovelas, principalmente as da TV Globo. Podemos afirmar, com toda honestidade, que as histórias retratadas nessas tramas não se distanciam tanto da vida real, a não ser pelo acúmulo (necessário para os fins artísticos) de personagens, ou personalidades, fortes e situações encharcadas de emoções. O encontro da ficção com a realidade torna a telenovela, de um lado, mais próxima ao telespectador e por outro lado, mais suportável. Quem sabe, um dia alguém tenha a ideia de retratar apenas a vida real, sem um pingo de fantasia, tendo por exemplo, alguns capítulos dedicados a um dos personagens dentro do ônibus municipal, e ao outro fazendo compras no supermercado (e tudo isso em tempo real). Pode até ser uma ideia legal, mas por enquanto temos essa mistura. Uma outra questão é o nível profissional dos atores e atrizes que conseguem, com frequência, estragar as mais belas ideias do autor (neste momento não vou perder o meu tempo para isso)...
Vivemos, graças a Deus, nos tempos em que não é mais tão fácil negar a existência das pessoas não heterossexuais. Há quem diga que a telenovela também "entrou na onda da moda", ao que eu respondo que - na minha opinião - este tipo de arte retrata mais do que influencia a vida. E aqui está o grande mérito da telenovela. Exatamente através de sua dosagem lenta e duradoura, a telenovela é capaz de não apenas sinalizar a existência de um fenômeno ignorado (neste caso, o amor entre as pessoas do mesmo sexo), mas, de fato, retratar, passo a passo. Simplesmente dizer: "É assim que funciona". "Sim, a pessoa se apaixona de forma muito parecida como no caso de um casal heterossexual". Para mim e para vários Leitores deste blog, é a coisa mais óbvia na face da terra. Mas, para muita gente, não é. Por isso mostrar um ser humano, cheio de dilemas, mas também capaz de amar, com todo o seu ser e não apenas procurar o sexo, é tão importante. Essas cenas de ternura e de aflição revelam algo inédito para muitos: a homossexualidade não é luxúria desnaturada, mas é um mistério de emoções, sonhos, conquistas e realizações. É uma realidade tão profunda e tão humana ao mesmo tempo que pode, ao ser assistido com um pingo de boa vontade, curar de preconceitos e ensinar a olhar às pessoas diferentes em sua sexualidade, com mais compreensão.
Foi neste contexto que fiquei muito feliz com as cenas na nova telenovela da TV Globo "Em família" que mostraram (e prometem continuar mostrando) o surgimento de uma "química" entre duas mulheres, Marina (Tainá Müller) e Clara (Giovanna Antonelli). Para mim foi fabulosa a frase da Marina que disse: "Eu acho que estou me apaixonando por ela. Não sei se vai dar certo...". Repito: quem de nós, LGBT, já não experimentou esse tipo de coisa? Mas para uma mãe de homossexual, de travesti, de transgênero etc., assistir tal cena pode ser uma verdadeira revelação, uma descoberta que beneficiará, em geral, todos os relacionamentos dentro da própria família. Sei que não estou inventando, pois até hoje podem ser encontrados os testemunhos daqueles que experimentaram verdadeiros milagres em casa, na hora do beijo de Félix e Niko.
Deixo aqui, portanto, os meus parabéns, para todos os autores, diretores, atrizes e atores que abraçam o desafio e procuram retratar, por meio de sua arte, a nossa realidade - tão próxima e ainda tão distante - do resto da sociedade!
Nenhum comentário:
Postar um comentário