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Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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20 de fevereiro de 2014

Os namorados em Roma


Não sei se entre aqueles milhares de namorados (noivos), reunidos com o Papa na Praça de São Pedro no último dia 14 de fevereiro (em vários lugares celebrado como o Dia dos Namorados - "Valentine's-Day"), estava algum casal homoafetivo. Juro que eu estaria lá, caso tivesse um namorado e estivesse em Roma. Os textos principais deste encontro, a saber: Diálogo do Papa com os casais e a Oração dos namorados, não tinham nada a ver com a condenação de "formas alternativas do amor humano" (que poderíamos esperar na época de Bento XVI), mas trouxeram a serenidade e o júbilo de um relacionamento projetado para "até que a morte os separe". Evidentemente, havia referências diretas e indiretas ao relacionamento tradicional, consagrado e sacramentado, isto é, heterossexual. Não se ouviu, portanto, qualquer menção "revolucionária" ao namoro gay (também seria difícil esperar, eu acho). Porém, os casais homoafetivos, a meu ver, podem fazer um excelente proveito com essas reflexões. 

As pessoas homossexuais que acreditam em Cristo e - de alguma maneira - identificam-se com a Igreja (neste caso, católica), têm alguns desafios a mais, em comparação com outras pessoas, por exemplo, os heterossexuais, os ateus/agnósticos e os seguidores de outras doutrinas (não vou detalhar aqui as diferenças entre as religiões). Em primeiro lugar aparece o desafio, talvez maior entre todos, que consiste em reconciliar em si mesmo as duas dimensões da própria identidade, quer dizer, a homossexualidade e a fé. O caminho não é curto nem fácil, porém possível. Aliás, é necessário para quem não se vê capaz de abrir mão de nenhuma dessas dimensões. A maior parte do trabalho a ser feito resume-se em superação (redefinição) de conceitos, opiniões, pontos de vista que tentam (com muito sucesso, infelizmente) apresentar as duas coisas, justamente, como irreconciliáveis, tipo água-fogo, água-óleo etc. A superação dessa visão do inferno é libertadora e não é nenhuma blasfêmia ou heresia. É uma descoberta, é uma ressurreição. Depois dese primeiro (mais longo, mais profundo e mais importante) passo, vêm outros, como a recuperação da alegria de um relacionamento com Deus-Amor, o novo gosto pela oração e a repensada, criativa e não menos alegre leitura da Palavra de Deus. A partir desta perspectiva, fica possível e muito útil, tomar nas mãos o texto da pequena oração dos namorados, composta especialmente para o encontro com o Papa:

Deus Pai, fonte de amor,
abre nossos corações e nossas mentes
para reconhecer em Ti
a origem e a meta
do nosso caminho de namorados.

Sim, sim! Ele é a origem e a meta do caminho de namorados que se entregam um ao outro no amor, cheio de confiança, dedicação, carinho, diálogo e tantos outros atributos, capazes de elevar uma relação interpessoal bem acima de um mero desejo carnal que (não esquecido nem ignorado) é muito mais uma consequência do que o motivo e a finalidade máxima dos dois. Dois rapazes e duas moças que creem em Deus Pai, podem conseguir enxergar nele a fonte do amor que os/as une, por mais que o seu relacionamento tenha sido taxado de diabólico ou antinatural. 

Jesus Cristo, esposo amado,
ensina-nos a vida de fidelidade e do respeito,
mostra-nos a verdade de nossos sentimentos,
faz-nos disponíveis ao dom da vida.

Embora essa parte da oração faça alusão direta à procriação, podemos entender que a disponibilidade ao dom da vida vai muito além desse significado restrito. Quanto mais sou capaz de reconhecer a minha vida e a vida do meu amado como um dom de Deus, haverá mais firmeza, zelo, cuidado e respeito pelo próprio relacionamento. E, se Deus permitir, a mesma disponibilidade ao dom da vida, levará à experiência da vocação à paternidade (maternidade), ainda que por meio de uma adoção. Além disso, a visão da vida como o dom, será suficiente para encarar, com fé e aceitação, a chegada da morte...

Espírito Santo, fogo do amor,
acende em nós a paixão pelo Reino,
a valentia para assumir
decisões grandes e responsáveis,
a sabedoria da ternura e do perdão.

Sem dúvida, os homossexuais batizados podem contribuir para a construção do Reino de Deus. Podem e devem, afinal, este Reino é de amor, de acolhimento, de louvor ao Criador, de libertação dos cativos e de cura dos feridos. E nem precisa dizer de quanta valentia se exige das pessoas homossexuais que levam a sério a sua própria visibilidade e a decisão de compartilhar sua vida com alguém. Tampouco é necessário frisar a importância da sabedoria da ternura e do perdão em um relacionamento de pessoas do mesmo sexo, pois neste ponto não há diferença entre as sexualidades.

Deus, Trindade do Amor,
guia os nossos passos.
Amém.

As mesmas linhas de pensamento encontramos nas respostas do Papa aos representantes dos casais reunidos na Praça de São Pedro. As três perguntas perfeitamente dizem respeito às nossas inquietações:

1) Santidade, muitos, hoje, pensam que prometer fidelidade para toda a vida é um compromisso muito difícil. Muitos sentem que o desafio de viver juntos para sempre é bonito, fascinante, mas muito exigente, quase impossível. Pedimos que sua palavra possa nos iluminar sobre esse aspecto. 

Se os namorados (noivos) heterossexuais têm essa preocupação, imagine-se os homossexuais. Além da onipresente "cultura do descartável", da qual o Papa fala com frequência, acrescenta-se a pressão interna e externa, experimentada por todos "não-heterossexuais" que têm muito mais dificuldades em acreditar que "isso pode dar certo". O Papa dá dicas simples e concretas que, de novo, servem muitíssimo bem às pessoas do mesmo sexo que queiram levar a vida em comum (leia aqui). Em resumo, trata-se de uma construção, dia após dia e não apenas sobre a base de sentimentos. O Papa recomenda também a oração pelo relacionamento: "Senhor, dá-nos hoje, o nosso amor cotidiano".

2) Santidade, viver juntos todos os dias é belo, dá alegria, sustenta. Mas é um desafio a ser enfrentado. Acreditamos que devemos aprender a nos amar. Há um "estilo" de vida conjugal, uma espiritualidade do cotidiano que queremos aprender. O Senhor pode nos ajudar nisso, Santo Padre?

Aqui a resposta do Papa é ainda mais simples e bastante prática. É a capacidade de usar, conscientemente, os termos (ou melhor, as posturas): "Posso?", "Obrigado!" e "Desculpe!". Nada de invadir, com as "botas de montanha", a vida e a intimidade do outro. Nada de ingratidão, mas muita sensibilidade e reconhecimento. Finalmente, a sincera humildade em admitir os próprios erros e pedir o perdão por eles. Literalmente o Papa disse (entre outras coisas): "A gentileza preserva o amor"; 'É necessário saber dizer 'obrigado' para caminhar bem juntos"; "Jesus, que nos conhece bem, nos ensinou um segredo: nunca terminar um dia sem pedir perdão...".  

3) Santidade, nestes meses, estamos nos preparativos para o nosso casamento. O Senhor pode nos dar algum conselho para celebrar bem o nosso matrimônio?

Bem... No momento, esta é a questão que preocupa exclusivamente os casais heterossexuais, sobretudo no contexto do Sacramento do Matrimônio. Caberia aqui a pergunta sobre a celebração de uma bênção nupcial para os casais homoafetivos (enquanto o Sacramento está fora de qualquer cogitação). Mas, a resposta do Papa vai além e é, de fato, a continuação do tema de um "estilo de vida conjugal", mencionado anteriormente. O Papa Francisco disse (aqui vai a resposta inteira):

Façam de um modo que seja uma verdadeira festa, uma festa cristã, não uma festa social! A razão mais profunda da alegria desse dia nos indica o Evangelho de João: vocês se recordam do milagre nas bodas de Caná? Em um certo momento, o vinho faltou e a festa parecia arruinada. Por sugestão de Maria, naquele momento, Jesus se revela pela primeira vez e realiza um sinal: transforma a água em vinho e, assim, salva a festa de núpcias.
O que aconteceu em Caná há dois mil anos acontece, na realidade, em cada festa de núpcias: o que fará pleno e profundamente verdadeiro o matrimônio de vocês será a presença do Senhor que se revela e dá a sua graça. É a sua presença que oferece o “vinho bom”, é Ele o segredo da alegria plena, que realmente aquece o coração.
Ao mesmo tempo, no entanto, é bom que o matrimônio de vocês seja sóbrio e faça sobressair o que é realmente importante. Alguns estão mais preocupados com os sinais exteriores, com o banquete, fotografias, roupas e flores… São coisas importantes em uma festa, mas somente se forem capazes de apontar o verdadeiro motivo da alegria de vocês: a bênção do Senhor sobre o amor de vocês. Façam de modo que, como o vinho em Caná, os sinais exteriores da festa revelem a presença do Senhor e recorde a vocês e a todos os presentes a origem e o motivo de vossa alegria.

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