Nestes dias correu na mídia a notícia sobre um questionário, enviado pela Santa Sé a todas as dioceses do mundo e relacionado ao Sínodo dos Bispos, previsto para o mês de outubro de 2014 que será dedicado aos "Desafios pastorais da família no contexto da evangelização". Os nossos amigos portugueses do Grupo "Rumos Novos" (organização que trabalha no acompanhamento, oração e partilha com homossexuais católicos portugueses) emitiram a nota à imprensa, expressando o júbilo com o qual receberam tal notícia: Como católicos não podemos deixar de reconhecer a atuação do Espírito Santo no seio da sua Igreja, pois é a primeira vez que o Vaticano pediu tal tipo de opiniões aos católicos de base, pelo menos desde o pós-Vaticano II.
Quem acompanha a dinâmica pastoral da Igreja católica aqui no Brasil e - suponho - em outros países da América Latina, sabe que esta metodologia, pelo menos de vez em quando, está sendo aplicada no nível diocesano. Aqui, no Rio, podemos ver isso, por exemplo, na elaboração dos sucessivos "Planos de Pastoral de Conjunto". Há sempre um questionário prévio e, mais tarde, as "assembleias gerais" que recolhem - ao menos em teoria - as conclusões das reuniões no nível paroquial. O que chama atenção é a participação direta dos leigos, principalmente no nível paroquial. As assembleias contam com a presença de 2-3 delegados leigos por paróquia e - evidentemente - com a maciça participação do clero que, no final, elabora o texto conclusivo. Tive a oportunidade de participar de alguns trabalhos em preparação do penúltimo (10°) Plano de Pastoral de Conjunto da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro e pude constatar que, na prática, nem sempre as ideias e as intervenções diretas dos leigos estavam sendo contempladas. Foi também nessas horas, diga-se de passagem, que senti mais profundamente a falta de uma estruturada Pastoral de Homossexuais. Outra coisa que pode ser observada sempre nessas ocasiões, tanto no nível paroquial, quanto no arquidiocesano, é - digamos - onipresença do típico comodismo, além de todas as dificuldades em compreender as questões propostas. No nível paroquial, antes de serem promovidas as assembleias para reunir a representação de toda comunidade, os questionários são encaminhados aos grupos, movimentos e pastorais que atuam na paróquia. Os fenômenos citados acima (o comodismo, a falta de compreensão) fazem-se presentes já naquele nível básico. Não raramente, o maior problema é o prazo que costuma ficar "em cima da hora", devido à demora em entregar o questionário (porque o padre guardou o papel e se esqueceu dele, ou não deu a menor importância), depois, em reunir as pessoas e, finalmente, em ter a vontade, a coragem, a paciência e a inteligência, para responder a todas as perguntas. Ainda que, em alguns casos, tudo corra bem e tenha sido levado a sério, aquela imensidão de papeis chega à Comissão Arquidiocesana que procura redigir as conclusões que correspondam à maioria das respostas. É claro que, nessas horas, perdem-se algumas ideias. Aí sim, acontece a Assembleia Arquidiocesana, na qual são apresentadas e votadas aquelas conclusões da Comissão. Há possibilidade de entrar com as intervenções que, caso aceitas pela mesa diretora, também estão sendo submetidas à votação. Encerrada a Assembleia, a mesma Comissão elabora o texto final. Lembro-me daqueles trabalhos do 10° Plano de Pastoral de Conjunto que o livrinho ("documento final") tinha-me surpreendido com algumas imprecisões.
Escrevi tudo isso para expressar certa preocupação com a aplicação desta metodologia nos trabalhos do Sínodo dos Bispos. Afinal, trata-se agora de uma dimensão incomparável, mundial. Além disso, por mais que se negue a sua existência, a "inquisição", ou pelo menos, a censura, não deixou de funcionar, em todos os níveis da realidade eclesial. A questão torna-se ainda mais delicada por causa de um assunto específico que foi inserido no texto da Santa Sé de maneira bastante corajosa e inédita.
Não consegui localizar o questionário na íntegra em nenhum dos sites oficiais da Igreja do Brasil, transcrevo aqui os temas principais do documento e as quatro perguntas referentes às pessoas homossexuais e às uniões entre as pessoas do mesmo sexo, baseando-me em uma fonte de Portugal (aqui).
Resta-nos confiar na graça do Espírito Santo e contar com a honestidade de todos os envolvidos neste Sínodo dos Bispos, em todos os níveis, desde agora até a sua conclusão e aplicação na vida prática da Igreja.
II Assembleia
Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos
DESAFIOS
PASTORAIS DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO
DOCUMENTO
PREPARATÓRIO
Vaticano
2013
I
– O SÍNODO: FAMÍLIA E EVANGELIZAÇÃO
II
– A IGREJA E O EVANGELHO SOBRE A FAMÍLIA
O
projeto de Deus Criador e Redentor
O ensinamento da Igreja sobre a família
III
– QUESTIONÁRIO
1.
Sobre a difusão da Sagrada Escritura e do Magistério da Igreja a
propósito da família
2.
Sobre o matrimônio segundo a lei natural
3.
A pastoral da família no contexto da evangelização
4.
Sobre a pastoral para enfrentar algumas situações matrimoniais
difíceis
5.
Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo
a) Existe
no vosso país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas
do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimônio?
b) Qual é
a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado
civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer
perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?
c) Que
atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram
viver em conformidade com este tipo de união?
d)
No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças,
como é necessário comportar-se
pastoralmente, em vista da transmissão da fé?
6. Sobre a educação dos filhos no contexto das situações de
matrimônios irregulares
7.
Sobre a abertura dos esposos à vida
8.
Sobre a relação entre a família e a pessoa
9.
Outros desafios e propostas (vale a pena citar a última pergunta)
Existem
outros desafios e propostas a respeito dos temas abordados neste
questionário, sentidos como urgentes ou úteis por parte dos
destinatários?
Este actual pontificado é mais aberto à mudança. Contudo, não acredito em grandes revoluções no seio da Igreja. Todos conhecemos a posição católica perante a homossexualidade, o aborto, a concepção, o divórcio, temas estruturantes e basilares de toda a hierarquia daquela organização. Em relação ao divórcio, eu li algures de que o Papa afirmou que os divorciados devem ser acolhidos no seio da Igreja. É um avanço.
ResponderExcluirA Igreja Católica dá passos no sentido de uma maior abertura, mas são passos lentos, graduais, que nem sempre se coadunam com aquilo que esperamos.
Um abraço, teleny, e obrigado pelas palavras no meu blogue. :)
Realmente, o ritmo das mudanças na Igreja é um pouco desanimador, mas - talvez por isso - cada sinal de abertura é digno de atenção. Acredito que a divulgação desses pequenos sinais possa ajudar a transformar, aos poucos, a mentalidade de várias pessoas.
ExcluirObrigado pela visita e pelo comentário!
Abraço!