ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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31 de agosto de 2013

Mês da Bíblia 2013 (1)


by ~aheathphoto

 
"O Evangelho segundo Lucas sob o prisma do discipulado-missionário", conforme o enfoque do Projeto de Evangelização "O Brasil na missão Continental", é o tema do mês da Bíblia de 2013. O tema escolhido releva o Evangelho do Ano Litúrgico C, e os cinco aspectos fundamentais do processo do discipulado: o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o seguimento, a comunhão fraterna e a missão propriamente dita. O lema indicado pela Comissão Bíblico-Catequética da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) é: “Alegrai-vos comigo, encontrei o que estava perdido” (Lc 15) [mais informações aqui].
 
A primeira ideia que aparece, ao associarmos o enfoque do tema e o lema deste Mês da Bíblia ("O Brasil na missão Continental" + “Alegrai-vos comigo, encontrei o que estava perdido”), é a (mencionada com mais frequência na ocasião da visita do Papa) perda dos fiéis católicos, principalmente aqueles que "mudam de religião" (na verdade, não é a religião, mas confissão, ou denominação cristã) e tornam-se evangélicos, além de todos os outros que, simplesmente, deixam a Igreja Católica de forma mais ou menos definitiva (entre eles estão aqueles que, ainda que se identifiquem com ela, deixam de praticar os atos religiosos e outros que, de maneira mais drástica, passam a se considerar como "pessoas sem religião").
 
Sem dúvida, em todos estes grupos de pessoas, estão os homossexuais que experimentam o preconceito, tanto de maneira prática e muito concreta, quanto em forma, digamos, teórica, ou seja, como um conflito interior que impede a união de duas identidades: a católica e a homossexual. É neste contexto que o atual Mês da Bíblia torna-se uma excelente oportunidade para refletir ainda mais sobre estes assuntos, procurando construir possíveis pontes. Este é o propósito de algumas próximas publicações neste blog.

A Comissão Bíblico-Catequética da propõe (em forma de um subsídio) 4 encontros e a celebração final, com os seguintes temas:

O primeiro encontro tratará sobre Lc 4,14-30 (a narrativa do início da missão pública de Jesus na Galileia que tem como centro a proclamação do cumprimento do texto do profeta Isaías [Is 61,1-2] sobre a missão do Messias e a salvação que é anunciada a todos).

O segundo encontro aborda temas da vocação, missão e as exigências do discipulado. Este tema está em ressonância com a perspectiva do tema deste ano, que é o discipulado-missionário em Lucas e objetiva mostrar a radicalidade, na resposta dos chamados ao discipulado (Lc 5,11) e acentua o desprendimento que é uma atitude própria de todo discípulo, no seguimento de Jesus e, sobretudo no Evangelho Segundo Lucas.

O terceiro encontro aprofundará o papel das mulheres, no seguimento de Jesus.

O quarto encontro tratará sobre os desafios e problemas no seguimento, priorizando Lc 15.
A celebração final será um resumo dos encontros baseado no texto de Lc 24,13-35. É um relato exclusivo de Lucas e descreve o caminho catequético-litúrgico, marcado pelo escutar e reler as Escrituras, à luz do Mistério Pascal de Jesus e o reavivar a certeza de que é no partir o pão, que o encontro com o Ressuscitado se faz sempre presente. É por meio desse encontro que somos chamados a anunciar a Alegre Notícia: Jesus ressuscitou e vive em nosso meio.

Aqui faremos também algumas reflexões no contexto da homossexualidade, vivida à luz da fé e sob a direção da Palavra de Deus. Para isso teremos a oportunidade de relembrar alguns métodos simples de leitura bíblica e de partilha em um grupo - vale lembrar que, de certo modo, um casal, também, pode se tornar um "círculo bíblico" e a leitura orante da Bíblia certamente irá reforçar os laços que unem aqueles que se amam.

30 de agosto de 2013

Quando fores velho

 
 
Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais moço, cingias-te e andavas aonde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres. (Jo 21, 18)
 
A ONU informa (leia aqui):
- nos próximos dez anos, o número de pessoas com mais de 60 anos no planeta vai aumentar em quase 200 milhões, superando a marca de um bilhão de pessoas.
- Em 2050, os idosos chegarão a dois bilhões de pessoas – ou 20% da população mundial.
-  Em 2000, a população idosa do planeta superou pela primeira vez o número de crianças com menos de 5 anos e em 2050, o número de pessoas com mais de 60 anos vá superar também a população de jovens com menos de 15 anos.
- No Brasil, a previsão é que o número de idosos triplique de hoje até 2050 – passando de 21 milhões para 64 milhões. Por essas previsões, a proporção de pessoas mais velhas no total da população brasileira passaria de 10%, em 2012, para 29%, em 2050.
 
O envelhecimento é um fato, mas não passa de estatísticas, enquanto não se tornar uma experiência própria. E quando isso acontece, pode ser assustador até um simples fato de olhar para um calendário. Pior ainda quando você começa a perceber que um simples resfriado que, há pouco, você curava com algumas doses de suco de laranja com acerola + uma aspirina, hoje em dia dura mais e exige, quem sabe, um antibiótico, ou pior, uma detestável visita ao médico. Mas a mais assustadora é a solidão. Se você (como eu!) não se sente realizado na "pegação", no sexo casual, mas procura um relacionamento duradouro e mesmo que você consiga tal façanha (digamos, com um jovem que curta os "maduros", ou "coroas"), a sensação de insegurança parece inevitável. "Será que consigo segurá-lo comigo, ou, qualquer dia desses, ele vai sair à procura de algo mais?". É a questão de baixa autoestima? Provavelmente. Muito provavelmente ela faz parte do processo de envelhecimento.
 
Assim chamada "consciência coletiva", reforçada bastante pela mídia, traz a imagem de um gay velho, uma figura bizarra, ridícula, certamente de um indivíduo frustrado, esquisito, inevitavelmente perverso: um palhaço cheio de rugas que ninguém leva a sério, a não ser como uma fonte de dinheiro fácil.
 
Ora, estou falando apenas de primeiras impressões, pois a realidade pode ser diferente. A diferença de idade (digamos, de uns 30 anos, por exemplo), evoca a relação entre pai e filho. O fato muito comprovado é que são inúmeros homossexuais que carregam profundos traumas em relação ao próprio pai. Não é, portanto, de se surpreender que a preferência de vários gays jovens seja direcionada às pessoas mais velhas. É uma natural busca de segurança, carinho, experiência e - porque não - uma estabilidade material. Tudo isso, porém, requer um cuidadoso discernimento. Somente o amor verdadeiro, profundo e comprovado será capaz de sustentar uma relação assim.
 
No blog "Grisalhos" encontrei um comentário interessante de um jovem ("Neto"): Bem, tenho 22 anos e comecei a me relacionar com homens há pouco mais de um ano…sempre gostei dos grisalhos, mas todos que eu conheci nem cheguei além de uma conversa, porque no bate papo mesmo eles me dispensavam logo depois que eu falava a minha idade, eles diziam: “22 anos?.. tô fora, não quero bancar malandro!”….mas eu não desisti…Há oito meses atrás conheci no Disponível meu atual esposo, tem 45 anos, moramos juntos, o salario dele é 10 vezes maior que o meu, mais tenho meu trabalho e nunca pedi um centavo dele. E temos também uma regra, nada de presentes caros, ele só pode me dar presentes que eu posso pagar., assim quando eu compro presente pra ele não me sinto tão envergonhado de dar um presentinho simples a ele.. mas isso é o de menos, amo meu esposo mais que tudo nessa vida, e esse amor sinto que é reciproco…
É uma das respostas à matéria que conta a história de Olívio, um gay de 70 anos. As suas palavras resumem a preocupação com a perspectiva (ou já realidade) de velhice: Querido, estou sozinho e vou morrer sozinho. Quem quer um velho gay? Todos que eu encontro querem o meu dinheiro. Sexo é coisa do passado… E o vento levou. (...) Apareceu glaucoma, labirintite, pressão alta e uma lesão interna que vou ter que fazer biópsia. Tô morrendo de medo, não da biópsia, mas por não ter ninguém para ir comigo. Acho que vou pagar um michê para me acompanhar no hospital. Ninguém merece né, um michê acompanhante de um velho gay doente. 
 
Termino com uma mensagem do Papa Francisco que, embora tenha vindo para um encontro mundial com a juventude, chamou atenção à realidade de idade avançada.
 
Como os avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante o encontro e o diálogo entre as gerações, principalmente dentro da família. (...) Esta relação, este diálogo entre as gerações é um tesouro que deve ser conservado e alimentado! Nesta Jornada Mundial da Juventude, os jovens querem saudar os avós. Eles saúdam os seus avós com muito carinho. Aos avós. Saudamos os avós. Eles, os jovens, saúdam os seus avós com muito carinho e lhes agradecem pelo testemunho de sabedoria que nos oferecem continuamente. (Angelus do Papa Francisco no Palácio São Joaquim, Rio de Janeiro, durante JMJ, 26. 07. 2013)

29 de agosto de 2013

A PAZ esteja na Síria!

 
 
Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: A paz esteja nesta casa!. Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; senão, ela retornará a vós. (Lc 10, 5-6)
 
Enquanto Barack Obama e seus aliados elaboram as estratégias de ataque à Síria, a UNESCO qualifica de "catastrófico" o nível a que chegou a destruição do patrimônio cultural na Síria, quem sabe, a Greenpeace lamenta sobre a poluição causada pelas armas químicas e outras, as ONGs protetoras de animais fazem contagem de cães e gatos... eu quero escrever algo sobre os gays na Síria. Seria bem mais fácil se tivesse um amigo gay sírio, ou pudesse viajar até lá e fazer uma pesquisa. Descartadas ambas as possibilidades, só me resta recorrer às profundezas da internet. Temos por aqui tudo, mas nem tudo é fidedigno. A primeira notícia que encontrei foi, justamente, sobre uma fraude "jornalística", já corrigida (leia a matéria no site da Revista Época).
 
Um estudante americano revelou que era a pessoa por trás do blog "A Gay Girl in Damascus", supostamente feito por Amina Abdallah Araf, uma garota síria, lésbica e que se opunha ao governo ditatorial de Bashar al-Assad. O golpe foi desfeito a partir de questionamentos iniciados no Twitter por um jornalista americano. Quem deu a dica ao jornalista sobre a grande chance de a história de Amina ser falsa foi um homem sírio, gay, que escreve sob o pseudônimo de Daniel Nassar. Daniel escreveu um artigo explicando que suspeitou porque situação dos gays na Síria é precária, não apenas por conta do governo, mas por preconceitos existentes na sociedade síria.
 
Eu vivi no Egito e no Líbano e visitei outros países árabes. Cada vez que eu viajei pelo mundo árabe, pude ver que a comunidade LGBT síria é o elo mais fraco na região. Socialmente, a Síria ainda está presa na década de 1980, protegendo-se de qualquer influência estrangeira. Esta prática tem ferido a comunidade gay: os meninos e meninas não podem ter uma escolha sobre identidade de gênero ou preferência sexual; elas simplesmente não estão expostas a informações sobre a luta global por direitos dos homossexuais. Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros na Síria estão lutando por conta própria, sem qualquer rede de segurança para cair. A ameaça de violência é real. Certa vez meu pai puxou uma arma e apontou-a para o meu rosto durante uma briga sobre a minha homossexualidade. Oito anos depois, o meu relacionamento com minha família ainda é tenso. Vivo sozinho desde os 17 anos, e sou monitorado pelo meu pai durante todas as conversas com os meus irmãos para ele se certificar de que eu não vou espalhar a homossexualidade. O pai imaginário da ficcional Amina, que apoiava tanto o seu lesbianismo, é algo que eu desejo. É algo que eu sonho.
 
Segundo Nassar, os gays na Síria são “fantasmas navegando na internet e em sites de namoro”, e pessoas como ele e outros poucos gays e lésbicas que saíram do armário são “os gays reais” do país. “Esses são os que lutam a luta boa – não um blogueiro falso enganando o mundo sobre a comunidade LGBT da Síria”.
 
A outra matéria ("Vida gay na Síria"), encontra-se no interessante blog "Grisalhos". Transcrevo algumas frases:
 
- Na Síria existem todos os problemas comuns dos gays árabes. A homossexualidade é ilegal e os gays são punidos com três anos de prisão. A exposição para a sociedade como homossexual ainda é impensável.
- A palavra árabe “shaz” era a única palavra para descrever um homossexual. A palavra “shaz” pode ser traduzida como “desviante” ou “anormal.” É uma palavra muito ofensiva em árabe. Por outro lado, as pessoas criativas em cada domínio na mídia, literatura e arte estão agora tentando trazer o assunto para discussão aberta. Infelizmente, quase a totalidade da população considera a homossexualidade um pecado. Enquanto isso, a palavra “gay” entrou no idioma falado, principalmente por causa dos filmes e programas de TV americanos, e é usado com frequência por jovens instruídos.
- A Síria ficou estagnada desde a década de 1980, protegendo-se de qualquer influencia estrangeira, e, portanto, pode ser considerado um país atrasado nas questões da diversidade sexual. A prática do protecionismo cultural tem ferido a comunidade gay aberta e não há perspectivas que evolução.
- Outro problema recorrente são os casamentos forçados e a pressão familiar, porque a cultura árabe vê na família o alicerce da sociedade. Nesse cenário as lésbicas são as mais afetadas. Isso fez com que surgissem algumas comunidades secretas compostas de lésbicas, principalmente na capital Damasco.
 
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Para mim, o nome da cidade de Damasco, sempre traz à memória a figura de Saulo.
 
Durante a viagem, quando já estava perto de Damasco, Saulo se viu repentinamente cercado por uma luz que vinha do céu.  Caiu por terra, e ouviu uma voz que lhe dizia: "Saulo, Saulo, por que você me persegue?"  Saulo perguntou: "Quem és tu, Senhor?" A voz respondeu: "Eu sou Jesus, a quem você está perseguindo. Agora, levante-se, entre na cidade, e aí dirão o que você deve fazer." (At 9, 3-6)
 
Peçamos ao Senhor, pela intercessão deste grande homem de Deus, o dom da PAZ na Síria e no mundo inteiro. A PAZ para todos!

João Batista e casamento

Saint John the Baptist (Guido Reni, 1637)
Dulwich Picture Gallery, London, UK
 
 
A Igreja celebra hoje a memória do Martírio de São João Batista. Há quem diga, nesta ocasião, que os ideais pelos quais ele derramou o seu sangue, hoje em dia tenham sido ameaçados pela postura usurpadora do movimento GLBSTT em relação ao matrimônio, quer dizer, "a união entre as pessoas do mesmo sexo equiparada ao matrimônio que, por sua natureza, é a união entre homem e mulher". A lógica apresentada pela Igreja é esta: "A sociedade deve a sua sobrevivência à família fundada sobre o matrimônio. É, portanto, uma contradição equiparar à célula fundamental da sociedade o que constitui a sua negação. A consequência imediata e inevitável do reconhecimento legal das uniões homossexuais seria a redefinição do matrimônio, o qual se converteria numa instituição que, na sua essência legalmente reconhecida, perderia a referência essencial aos fatores ligados à heterossexualidade, como são, por exemplo, as funções procriadora e educadora. Se, do ponto de vista legal, o matrimônio entre duas pessoas de sexo diferente for considerado apenas como um dos matrimônios possíveis, o conceito de matrimônio sofrerá uma alteração radical, com grave prejuízo para o bem comum." (Congregação para a Doutrina da Fé, "Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", Vaticano, 2003).
 
Interessante, porém, é o fato de ser, tranquilamente, equiparada a essa mesma "célula fundamental da sociedade", isto é, a família, tanta coisa que, também, pode ser considerada a sua negação. A própria humanidade é chamada de "família das nações", os cristãos de várias denominações são vistos como "a grande família cristã", a Igreja como "família de Deus", o Instituto das religiosas como uma "família em Cristo", sem falar de expressões mais populares, de fora do âmbito eclesial, como, por exemplo "família vascaína". É claro que trata-se apenas de interpretação de termos e expressões, mas o fenômeno em si (o de usar o mesmo nome para tantas realidades distintas) mostra que tal de "equiparação" não deve causar tanto escândalo. Pelo contrário: é, justamente, por ser a "célula fundamental da sociedade", que a família torna-se uma belíssima inspiração para muitas experiências, baseadas na convivência entre as pessoas. Se os funcionários de uma empresa chegam a dizer que o trabalho e todas as outras relações entre as pessoas lembram o clima familiar, o chefe só pode ficar satisfeito. O mesmo acontece dentro de uma escola, no clube esportivo, em qualquer equipe de trabalho, mesmo que nenhuma dessas entidades tenha "funções procriadoras". Falando nisso, vale a pena prestar atenção a um detalhe, relacionado ao Sacramento do Matrimônio. Não é verdade que - como tanta gente afirma - a procriação tenha sido a sua única, ou mesmo a mais importante finalidade e, portanto, a razão de existir. O mesmo pode ser dito sobre o ato sexual. Muitos adversários e críticos da Igreja citam essa "única razão" como prova maior da caducidade da doutrina católica sobre o Matrimônio. Há, entretanto, algo mais. O Papa João Paulo II, em sua Exortação Apostólica "Familiaris consortio", aponta quatro finalidades (deveres gerais) da família: 1) a formação de uma comunidade de pessoas;  2) o serviço à vida; 3) a participação no desenvolvimento da sociedade; 4) a participação na vida e na missão da Igreja (n. 17 e seguintes).
 
Contemplando a família composta por duas pessoas do mesmo sexo, percebemos que apenas no ponto 2) - no seu sentido mais literal possível - a sua participação (o cumprimento do dever) pode se realizar de forma diferente. O próprio texto da Exortação afirma: "A fecundidade do amor conjugal não se restringe somente à procriação dos filhos, mesmo que entendida na dimensão especificamente humana: alarga-se e enriquece-se com todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que o pai e a mãe são chamados a doar aos filhos e, através dos filhos, à Igreja e ao mundo." (n. 28).
A mesma verdade repete o Catecismo da Igreja Católica: "A fecundidade do amor conjugal se estende aos frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que os pais transmitem a seus filhos pela educação. Os pais são os principais e primeiros educadores de seus filhos. Neste sentido, a tarefa fundamental do Matrimônio e da família é estar a serviço da vida." (n. 1653) E acrescenta algo muito importante: "Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem, no entanto, ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando. O seu Matrimônio pode irradiar uma fecundidade de caridade, de acolhimento e de sacrifício." (n. 1654) [obs.: as citações do CIC acima foram corrigidas, de acordo com a edição brasileira]. Embora o Código de Direito Canônico afirme que "a impotência para copular, antecedente e perpétua, absoluta ou relativa, por parte do homem ou da mulher, dirime o matrimônio por sua própria natureza" (Cân. 1084 §1), logo depois declara: "A esterilidade não proíbe nem dirime o matrimônio" (Cân. 1084 §3), ou seja, a fecundidade biológica não é a condição sine qua non do Matrimônio, e/ou da família.
 
Voltando ao santo de hoje, João Batista acusou o rei Herodes de adultério (conf. Mc 6, 17-29), quer dizer de infidelidade conjugal que, diga-se de passagem, é algo que destrói, tanto o casamento hetero, quanto homossexual. É por isso que escrevi antes: a família, por ser a "célula fundamental da sociedade", torna-se uma belíssima inspiração para muitas experiências, inclusive para a união entre as pessoas do mesmo sexo.


28 de agosto de 2013

O direito de existir


 
Como de costume, o contexto desta reflexão é, digamos, multifocal. De um lado a comemoração dos 50 anos do discurso de Martin Luther King ("I have a dream"), de outro, a memória litúrgica de Santo Agostinho e, sempre como uma espécie de pano de fundo, a experiência de um homossexual que busca as respostas em Deus. Há uma analogia entre toda a batalha contra o racismo (simbolizada na trajetória e no martírio de Martin Luther King) e a luta, ainda em andamento, pelos direitos de GLBTT. Entre estes direitos destaca-se o reconhecimento da própria existência: "Sim, nós existimos, somos reais, ainda que diferentes, mas, justamente pelo fato de existir, temos o direito de sermos conhecidos e respeitados". Bem, no caso da luta contra o racismo, ninguém negava a existência real das pessoas com a cor da pele diferente daquela mais clara. O problema era (e, para muitos, infelizmente, ainda é) a ideia de que teriam sido seres inferiores, por isso não mereceriam gozar dos mesmos direitos. Em relação aos "não-heterossexuais", há quem duvide em sua existência, mas isso deve ter sido motivado pela burrice, ou má vontade (todas aquelas teorias sobre um "passageiro estado de confusão emocional" e outras ainda mais bizarras). Em geral, porem, já podemos dizer que a nossa existência é admitida. Agora a batalha é pelos direitos, pela igualdade, pelo respeito - tudo isso, como o primeiro grau para, finalmente, subir à altura de uma convivência verdadeiramente fraterna. Resumindo: quero que você admita o fato da minha existência, depois que você não me despreze, a fim de podermos, futuramente, conviver no estado de verdadeira harmonia, paz e - como Cristo quer - no amor mútuo.
 
É justamente neste contexto que trago aqui alguns trechos de uma grande obra de Santo Agostinho, "O livre arbítrio" (o arquivo em pdf, com o texto inteiro, pode ser lido aqui).
 
A ideia inicial é esta: "Todos os seres, pelo fato de existirem, são, com todo direito, dignos de serem apreciados. Porque, pelo simples fato de existirem, são bons" (Livro III, cap. 7, n. 21). Um pouco mais adiante, Agostinho continua: só a inveja poderia levar a dizer: "Esta realidade não deveria existir assim". Ou ainda: "Aquela deveria ser de outro modo". (...) E aquele que dissesse: "Esta aqui não deveria existir" seria igualmente mau e invejoso, visto que, ao recusar-lhe a existência, ver-se-ia forçado a considerar tal outra menos perfeita. Seria, por exemplo, como se dissesse: "A lua não deveria existir". Ora, a claridade de uma candeia que seja, ainda que bem inferior, continua bela em seu gênero e agradável, quando as trevas cobrem a terra, e assim mostra-se ela bem apropriada aos afazeres noturnos. Devido a tudo isso, meu interlocutor deve bem confessar que a referida candeia é digna de ser louvada em sua humilde limitação. Negá-lo, seria próprio de um doido ou de um obstinado. Como, pois, ousar dizer convenientemente: "A lua não deveria existir entre os seres", quando ao dizer: "A candeia não deveria existir", essa pessoa já é digna de zombaria? E caso não afirmasse: "A lua não deveria existir", mas sim: "Deveria ser semelhante ao sol", ela não se daria conta de que esse desejo reduz-se a : "A lua não deveria existir, mas deveria haver dois sóis". Nisso engana-se duplamente, porque acrescentar ao mesmo tempo nova perfeição às coisas que já são perfeitas em sua natureza é desejar como que outro sol. E diminuir a sua perfeição é como desejar eliminar a lua.
Talvez meu interlocutor dirá, a propósito desse exemplo, que ele não se lamenta de modo algum a respeito da lua, porque o esplendor menor que ela possui não é de natureza a torná-la infeliz. Mas que é a respeito das almas que ele se contrista. Não devido à obscuridade delas, mas, precisamente, por causa do seu estado de desgraça. Seja, mas que ele considere então, atentamente, que se a lua não é infeliz por sua opacidade, do mesmo modo o sol não é feliz por seu brilho. Pois, ainda que sendo corpos celestes, são contudo corpos e, pelo que diz respeito à luz, são capazes de serem percebidos por nossos olhos corporais: nunca, porém, os corpos como corpos podem sentir felicidade ou desdita, ainda que possam ser corpos de seres felizes ou infelizes. Mas a comparação tirada desses corpos luminosos ensina-nos o seguinte: contemplando a diversidade dos corpos, vês uns mais brilhantes do que outros, mas estarias no erro ao pedir a supressão dos mais obscuros ou o nivelamento com os mais brilhantes. Pois, se os consideras a todos em sua relação com a perfeição do universo, quanto mais eles diferem de brilho entre si, mais te é fácil constatar que todos eles existem. Aliás, o conjunto não te parece perfeito, senão porque coexistem corpos mais nobres com outros mais humildes. Considera, por aí, igualmente, a diversidade existente nas almas e encontrarás como compreender que essa miséria da qual te lamentas também possui seu papel na perfeição do universo. 
(Santo Agostinho, "O livre arbítrio"; Livro III, cap. 9, n. 24-25)
 

I have a dream


 
Para todos aqueles que sonham com um futuro melhor, o dia 28 de agosto tem grande significado. Há exatamente 50 anos, Martin Luther King, nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington, fez o seu mais famoso discurso. Muitos enxergam a figura do atual presidente dos E.U.A. como a encarnação (ou realização) deste sonho. Sem dúvida, grandes coisas aconteceram ao longo dos últimos 50 anos, mas muitos ainda continuam sonhando. Entre eles somos nós, os homossexuais (e outras minorias não heterossexuais). Será necessário mais sangue derramado para que o sonho se torne realidade? Proponho a leitura de alguns trechos do discurso de Martin Luther King:
 
“Ainda que enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, Eu tenho um sonho. Eu ainda tenho um sonho. Eu tenho um sonho no qual vejo que um dia esta nação se levantará e cumprirá o seu princípio mais importante: ‘Nós acreditamos que estas verdades são auto-evidentes: que os homens são criados iguais pelo seu Criador’ Eu tenho um sonho. (...)
Eu tenho um sonho de que um dia, `cada vale será exaltado, cada colina e montanha será rebaixada, os lugares ásperos serão tornados suaves, os lugares de maldade serão tornados honestos, e a Glória do Senhor se revelará, e toda a carne a verá ao mesmo tempo’.
Esta é a nossa esperança. É com esta fé que retorno ao Sul. Com esta fé, estamos dispostos a trabalhar juntos, a rezar juntos, a lutar juntos, a ir para a cadeia juntos, e a nos levantarmos juntos em defesa da liberdade, sabendo que seremos livres algum dia.
Este será o dia em que os filhos de Deus cantarão juntos : Meu país, doce terra de liberdade, para ti eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, de qualquer lado da montanha, que toque o sino da liberdade. Se a América quiser ser uma grande nação, então isto terá que se tornar verdadeiro. Que toque então o sino da liberdade. Quando permitirmos que toque o sino da liberdade, quando deixarmos que toque em qualquer cidadezinha de qualquer Estado, estaremos preparados para nos erguer neste dia, e todos os filhos de Deus, brancos ou negros, judeus ou gentios, protestantes ou católicos, daremos as mãos para cantar uma antiga canção negra religiosa: `Enfim livres. Enfim livres. Graças ao Senhor todo-poderoso. Estamos livres enfim”.
 
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"Rádio Vaticano - a voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo" [sic!] (aqui) divulgou hoje, 28 de agosto, a seguinte notícia: O sonho de Martin Luther King continua vivo, depois de 50 anos. Recordando os cinquenta anos do célebre discurso “Eu tenho um sonho” (I have a dream), de Martin Luther King, o Cardeal de Washington, Donald William Wuerl, ressalta o engajamento da Igreja Católica nos EUA com a justiça racial e social. “A magistral estátua de King, no novo memorial em Washington, nos lembra seu imponente compromisso em conduzir nossa nação à plena consciência da igualdade de todas as pessoas diante de Deus”, declara o cardeal, publicado no Osservatore Romano. “O seu sonho, tão enraizado na oração e na Sagrada Escritura, continua a nos encorajar a vermos uns aos outros como irmãos e irmãs, filhos do mesmo amoroso Deus”, continua.

27 de agosto de 2013

Cura gay pelo olhar da mãe de gay


 
Ainda no contexto de Santa Mônica que traz a reflexão sobre a experiência de uma mãe aflita, reproduzo aqui o excelente texto de Maju Giorgi, publicado no site do iG, no dia 23 de junho deste ano (aqui), em sua própria coluna "Mãe pela igualdade" (todos os textos da colunista estão aqui). O título "Não existe cura gay, o que existe é a cura da egodistônia e esse é um direito de qualquer um", fez com que procurasse o significado de um dos termos (a gente aprende a vida toda). Eis o que descobri (aqui - o site de Portugal que se apresenta como destinado aos homossexuais egodistônicos): Egodistônico significa que uma pessoa apresenta uma característica que não desejaria ter, que a torna infeliz, que vai contra os seus desejos e aspirações mais profundas. Por outro lado os homossexuais egosintônicos são aqueles bem adaptados e felizes com a sua condição homossexual. Feito este esclarecimento, vamos ao texto (vale a pena ler na edição original, especialmente por causa das ilustrações que acompanham o texto). Ao transcrever o artigo, mantenho a escrita original...
 
Não existe cura gay, o que existe é a cura da egodistônia e esse é um direito de qualquer um...
Esta é a cura gay pelo viés, olhar da mãe de gay. Hoje, vocês vão ter que ter paciência comigo, porque vou falar muito. Os LGBTT carregam uma carga imensa de estigmas culturais históricos: não nascem em famílias bem constituídas, OPTARAM, são todos ateus e da esquerda radical e fazem parte ou são uma arma da agenda esquerdopata, são mal educados pelos pais que os criam para serem gays, promíscuos, marginais, drogados, doentes, condutores de doenças, transtornados, endemôniados e nem sei mais quantas tarjas e rótulos colocam no povo LGBTT. Me expliquem, de que forma, um pai ou uma mãe hétero, que muitas vezes tem mais de um filho ou muitos filhos e um deles é gay, faz? Escolhemos um aleatoriamente e dizemos: você vai ser “O filho gay”. E aí ensinamos meninos a brincar de boneca ou meninas a jogar futebol? Sorrimos, batemos palmas e gritamos: hora da aula, vem aprender a ser gay? Ou então, resolvi que você vai ser trans, e aí ensinamos meninos a se vestir “de mulher”, se maquiar, ou meninas a ter aversão dos seios e a se vestir “de homem”. Ou ainda… você vai ser Bi, porque hoje eu acordei com raiva dos evangélicos neopentecostais, então resolvi te escolher para ser o pior de todos, os que ficam de cá e de lá carregando os vícios e as doenças.
 
Você consegue imaginar este cenário? Me diga… Você se lembra em qual dia ou a que horas você resolveu ser hétero? Você resolveu sozinho ou foi uma escolha da sua família? Você foi ensinado? Porque com LGBTTs, funciona assim… Eles levam um choque na tomada do ventilador, na quarta feira de tarde, na mesma hora que um raio risca o céu, passa um ônibus para o centro e cai um galho de arvore no chão, e aí, eles resolvem: VOU SER GAY. Tô achando esse negócio muito bacana, tá na moda, deve ser incrível ser torturado, exilado, rejeitado pela família, religião, amigos, sociedade, mercado de trabalho, ser massa de manobra política, cortina de fumaça para os desmandos de certo parlamento proselitista. Tô ansioso para levar a pecha de promíscuo, marginal, doente, transtornado, drogado, vagabundo, condutor de doenças, para ser jogado no gueto, passar fome, ser levado à prostituição, passar pela dolorosa experiência de adequar meu corpo à minha identidade, ser culpado por ser a vítima de crimes hediondos, tô super querendo levar uma lâmpada nos olhos ou um tiro… Nossaaa, não vejo a hora. A-DO-REI esse script, é essa a vida que eu quero.
 
Vamos raciocinar?
A CURA GAY, que os fundamentalistas podem fantasiar do que quiserem, olhar por qualquer prisma ou fazer qualquer discurso numa tentativa de amenizar ou suavizar o ABSURDO, continuará sendo EXATAMENTE isso: “CURA GAY”. A promessa de que profissionais evangélicos de psicologia têm o poder de mudar a CONDIÇÃO SEXUAL de alguém é MENTIRA de qualquer ângulo, lado ou ponto de vista.
Para quem não entendeu qual é a nossa luta: Ao contrario do que querem fazer crer o presidente da CDHM e seus asseclas, nenhum gay é proibido ou privado do direito de fazer terapia, de buscar apoio psicológico, de falar de sua sexualidade com seu psicólogo, ou mesmo de não assumir sua sexualidade. Mesmo porque não temos essa autoridade e, mesmo que tivéssemos, jamais privaríamos alguém de DIREITOS; ou, não estaríamos sendo coerentes com nossa luta. O psicólogo alias, é importantíssimo na função de colocar o ego em sintonia com a sexualidade, trazendo aceitação e conforto, então mais que não proibirmos, como se espalha por aí, incentivamos . Não assumir a sexualidade é um martírio voluntário, mas é inegavelmente um direito que assiste ao ser humano. A luta do movimento LGBTT é única e exclusivamente contra o CHARLATANISMO que promete a CURA ou MUDANÇA de sexualidade, a CURA GAY. E nessa luta temos aliados como a OMS (Organização Mundial da Saúde), o CFP (Conselho Federal de Psicologia), OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) e a SBG (Sociedade Brasileira de Genética). Não existe cura, o que existe é um teatro, o desempenhar eterno de um papel que não é o seu, e, para isso, você não precisa de psicologia. Talvez uma escola de artes cênicas cumprisse melhor esta função e fosse menos contraindicada.
As terapias de CURA GAY desencadeiam a egodistonia e levam à homofobia internalizada, ao suicídio, a depressão, a fobia social e, em casos mais amenos, apenas a infelicidade. Faz com que pessoas se casem e tenham filhos para, de repente, resolverem dar um grito de liberdade abandonando mulher e filhos e desfazendo a família. Tem o direito esses pseudo-curados de envolver mais pessoas nos seus dramas pessoais?
O único intuito da Cura gay é reafirmar o preconceito, desmoralizar homossexuais, taxá-los de doentes, transtornados, aberrações. É uma manobra do oásis da lisura social, dos arautos da moralidade, dos fundamentalistas que teimam em dizer HOMOSSEXUALISMO no ano de 2013, quando a Organização Mundial de Saúde aboliu o termo em 1990.
A EGODISTÔNIA é sim passível de cura, a SEXUALIDADE, não.
Uma das vítimas da CURA GAY é o ex-pastor batista e teólogo Sérgio Viúla, que hoje é um dos maiores militantes da causa LGBTT e que escreveu o livro “Em busca de mim mesmo”, leitura mais que indicada para quem quer saber mais e se informar sobre a CURA GAY.
E, semana passada, ainda tivemos o plus da entidade americana que oferecia a CURA GAY há 37 anos (a maior do mundo) se desculpar com a comunidade LGBTT por todos os anos de pré-julgamento da Igreja, encerrando suas atividades.
Você é um dos que acha que tem direito a OPINIÃO? Você tem OPINIÃO sobre o quê? Sobre um assunto do qual você nada sabe, nunca estudou, nunca leu? Sobre uma realidade que você nunca viveu, nunca sentiu, que nunca foi sua? Você conhece algum gay ou transgenêro? Sabe o que se passa no coração deles? Sabia que qualquer uma das letras LGBTT tem sentimentos, anseios, sente dor, sofre e morre por causa do seu preconceito? Você é daqueles que pensam que se eles se suicidam é porque estão infelizes com sua condição e por isso tem que ser curados, mesmo sendo essa cura um blefe, sem nunca pensar que talvez estejam infelizes com a hostilidade de uma sociedade da qual você faz parte, que por isso se matam e que, talvez, o que precise ser curado seja o seu preconceito? Você já fez alguma coisa para ajudar, acolher ou incluir algum LGBTT… ou até mesmo, já conheceu algum, conversou, viu de perto? Já ofereceu uma oportunidade, um emprego, uma chance? Algum dia você fez alguma coisa para entender esta realidade além de cuspir A PALAVRA que é uma escolha sua, uma OPÇÃO sua e de mais ninguém? Você sabia que seu preconceito na forma de piadinha e opinião é o amolador da faca que ali adiante vai levar pessoas ao suicídio, destruir famílias, empurrar seres humanos para a marginalidade, torturar moralmente, fisicamente e matar? Você sabia que sua crença é opção e sua sexualidade é condição? Não? Não sabia de nada disso? Então me desculpe, mas você não deveria ter direito a “OPINIÃO”. OPINIÃO sobre o quê? Sobre o que você nada sabe? NÃO EXISTE CURA GAY, O QUE EXISTE É CURA DA EGODISTONIA, QUE É UM DIREITO DE QUALQUER UM…
 

As lágrimas de Mônica


 
É famosa a frase do bispo Santo Ambrósio, dirigida à mãe de Santo Agostinho, Santa Mônica. É o próprio Agostinho que, em suas "Confissões", traz esta citação: "Vai-te em paz, mulher, e continua a viver assim, que não é possível que pereça o filho de tantas lágrimas". (Santo Agostinho, "Confissões", L. III, cap. XII). As lágrimas da mãe, por sua vez, aparecem quase sempre no momento daquela revelação feita pelo filho, ou filha: "Mãe, eu sou gay/lésbica". É claro que as lágrimas em si podem ter diversos motivos, tais como a comoção, tristeza, medo, decepção, raiva. Não preciso dizer que as mais esperadas seriam aquelas provocadas pela comoção, misturada com a admiração e até alegria ("Até que enfim! Eu já sabia, mas fico comovida com a coragem e a sinceridade do meu filho!"). Infelizmente, com mais frequência, misturam-se a surpresa, a decepção, a vergonha e a raiva. E não é tanto pela decepção do tipo: "Ah, eu queria tanto ter netos e agora o que eu faço?!". Nessas horas - o que comprovam os testemunhos dos filhos, bem como uma longa lista de livros e filmes - o maior argumento é a opinião dos outros, mais especificamente, a opinião sobre ela, a mãe, sobre ambos os pais e sobre toda família. Não preciso, de novo, dizer que mais aceitável seria a preocupação da mãe com a opinião alheia a respeito de seu filho, tipo: "Ai, meu Deus! Existe tanto preconceito contra os homossexuais! Como o meu filho/a minha filha vai viver neste mundo cruel?!". Na pior - e mais frequente - versão, o filho, ou filha homossexual, torna-se uma mancha na imaculada até então imagem daquela família. É a questão da vizinhança e, no caso de uma família cristã, a convivência na própria comunidade religiosa.
 
O próximo passo, depois de tal descoberta - no caso de uma mãe, ou de um pai, membro de uma comunidade cristã, mais especificamente, católica - será recorrer ao magistério da Igreja. Seja em forma de um aconselhamento feito pelo sacerdote, seja através da busca de documentos oficiais, relacionados ao assunto, muito provavelmente a mãe, ou o pai, irá encontrar as "Orientações educativas sobre o amor humano - linhas gerais para uma educação sexual", emitidas em 1983 pela Sagrada Congregação para a Educação Católica (na íntegra aqui).
 
Uma das afirmações iniciais parece encorajadora: A família, de fato é o melhor ambiente para cumprir a obrigação de garantir uma gradual educação da vida sexual. Ela tem uma carga afetiva capaz de fazer aceitar sem traumas mesmo as realidades mais delicadas e a integrá-las harmonicamente numa personalidade equilibrada e rica (n. 48).  O afeto e a confiança recíproca que se vivem na família são necessários ao desenvolvimento harmónico e equilibrado da criança desde o seu nascimento. Para que os laços afetivos naturais que unem os pais aos filhos sejam positivos no grau máximo, os pais sob a base de um sereno equilíbrio sexual, instaurem uma relação de confiança e de diálogo com os filhos, adequada à idade e desenvolvimento deles (n. 49).
 
Um pouco mais tarde aparece o que nos interessa mais: A homossexualidade, que impede à pessoa de alcançar  a sua maturidade sexual, seja do ponto de vista individual, como interpessoal, é um problema que deve ser assumido pelo sujeito e pelo educador, quando se apresentar o caso, com toda a objetividade. «Na ação pastoral estes homossexuais devem ser acolhidos com compreensão e sustentados na esperança de superar as suas dificuldades pessoais e sua desadaptação social. A sua culpabilidade será julgada com prudência; porém não se pode usar nenhum método pastoral que, julgando estes atos conformes à condição daquelas pessoas, lhes atribua uma justificação moral. Conforme a ordem moral objetiva, as relações homossexuais são atos carentes da sua regra essencial e indispensável». Será tarefa da família e do educador procurar antes de mais nada individualizar os fatores que levam à homossexualidade: descobrir se se trata de fatores fisiológicos ou psicológicos, se esta será o resultado de uma falsa educação ou da falta de uma evolução sexual normal, se provém de um hábito contraído ou de maus exemplos ou de outros fatores.  Muito particularmente, ao procurar as causas desta desordem, a família e os educadores, deverão ter em conta os elementos de juízo propostos pelo Magistério, e ao mesmo tempo servir-se do contributo que as várias disciplinas podem oferecer. Dever-se-á, de fato, levar em consideração, para avaliar, elementos de diversa índole : falta de afeto, imaturidade, impulsos obsessivos, sedução, isolamento social, depravação de costumes, licenciosidade de espetáculos e de publicações. E além de tudo isto, existe mais no profundo, a congênita fraqueza do homem, como consequência do pecado original; esta fraqueza pode levar à perda do sentido de Deus e do homem e ter suas repercussões na esfera da sexualidade. Descobertas e entendidas as causas, a família e os educadores devem proporcionar uma ajuda eficaz no processo de crescimento integral: acolhendo com compreensão, criando um clima de confiança, encorajando o indivíduo à libertação e domínio de si, promovendo um autêntico esforço moral para a conversão ao amor de Deus e do próximo; sugerindo, se for necessário, a assistência médico-psicológica de uma pessoa que atenda e respeite os ensinamentos da Igreja (n. 101-104).
 
Com outras palavras, o mesmo Magistério que, ao abordar o tema da homossexualidade, afirma que "a sua gênese psíquica continua em grande parte por explicar" (CIC, 2357), recomenda aos pais, como o primeiro passo, "procurar antes de mais nada individualizar os fatores que levam à homossexualidade" e descobrir de que se trata. "Descobertas e entendidas as causas, a família e os educadores devem proporcionar uma ajuda eficaz no processo de crescimento integral (...), encorajando o indivíduo à libertação". De qualquer maneira, o conflito interior parece inevitável. Ou a mãe/o pai seguirá a intuição do seu coração e aceitará a homossexualidade do filho/da filha, mas assim desobedecerá a ordem do Magistério, ou fará o contrário: em obediência ao Magistério deixará morrer o ingênuo amor materno/paterno em seu coração.
 
Como podemos ver, as lágrimas de Mônica podem ser provocadas de várias maneiras. Queira Deus que nenhuma mãe tenha coragem de enxugar as suas lágrimas com as lágrimas do filho, ou da filha...

Dilemas



Ele na minha casa?
Eu na casa dele?
Nós dois em uma casa nova?
...tudo isso, no caso de morarmos juntos...

Cada um independente no sentido profissional e financeiro?
Eu trabalhando e ele estudando?
Ele trabalhando e eu desempregado?

...e no caso de não morarmos juntos...
Encontros no final de semana?
Motel? ...tudo bem: Hotel, pousada?

De qualquer maneira é necessária a estabilidade financeira de, pelo menos, um de nós...

É claro, antes de tudo isso deve existir o Outro
e o amor entre nós.

Escrevi tudo isso como um ensaio.
Mas também para dizer que já estou pronto...

Para não ficar aqui só no nível de sonhos, transcrevo um interessante texto de Dom Aloísio Roque Oppermann, SCJ, Arcebispo de Uberaba, publicado na página da CNBB (aqui) no dia 14 de maio de 2011. Achei simpático...
 
Por que os casais hetero não querem e os gays querem?
 
Nos tempos atuais, sobretudo no meio urbano, moços e moças, não fazem muita força para se casar “de papel passado”. A multidão dos que apenas “ajuntam os trapos”, e vão morar juntos, cresce de ano para ano. Basta percorrer um bairro novo. Parece que os jovens temem assumir compromissos definitivos. O computador que hoje é o último grito, amanhã vai para o aterro sanitário. Os parceiros, convidados para uma “união no Senhor”, parecem preferir a provisoriedade. Ademais, as leis civis embaralharam tanto o direito da família, que ninguém mais precisa casar perante a lei. A legislação não favorece a estabilidade familiar. Caso queiram um documento de união civil, basta dirigir-se ao poder público, que o atestado será fornecido em pouco tempo. E logo em seguida, caso o considerarem necessário, podem obter o “divórcio instantâneo”, sem problema. Por que ainda casar, se a nova geração não sente mais utilidade no reconhecimento público da sociedade? E vejam que ainda nem estou falando do casamento religioso.
Agora vejam a luta dos gays. Querem que suas uniões sejam equiparadas às de uma família tradicional. Querem que existam leis que garantam a herança para o parceiro; que cada qual possa ter acesso ao sistema de saúde; que possam adotar crianças... Eles sabem se mexer. Mas não é este seu objetivo principal. Onde querem chegar, é obter o reconhecimento público da sociedade. É exatamente o que “homem e mulher”, no casamento tradicional, julgam poder dispensar. A aprovação pública de casamentos heterossexuais não é apenas útil, mas uma garantia para a estabilidade da família. A legislação civil não se ocupa em facilitar a perenidade da família. Sua maior preocupação é criar leis que facilitem qualquer veleidade de separação. Agora digo uma coisa. Para quem tem fé cristã, e tem verdadeiro amor ao parceiro, receber a bênção de Deus se torna um imperativo categórico. Isso vem em primeiro lugar. Também casar perante a lei civil é de grande valor. Mas vem em segundo lugar.

25 de agosto de 2013

O Natal fora da época

A "saída do armário" sempre está ligada a fortes emoções e, bem frequentemente, provoca acontecimentos dramáticos, às vezes, até, trágicos. Sem dúvida, este é o motivo principal pelo qual tantos e tantas homossexuais preferem adiar (ou, até, evitar) este momento. A vida e a arte, porém, trazem alguns exemplos positivos e encorajadores. É o caso do filme "Make the Yuletide Gay" (o título, traduzido para o português de Portugal, como "Tornar gay na época natalina"). Seria ótimo assistir este filme, justamente, na época de Natal, mas como o tema é urgente e o filme brilhante (em alguns momentos hilário), decidi divulga-lo aqui agora mesmo. Vale a pena assistir. Espero que existam na vida real as situações como essa...
 
 
 

A porta


 
Nem sempre, ao ouvir as pregações em nossas igrejas, percebemos que o Evangelho é a Boa Nova. Graças a Deus, temos hoje o primeiro entre todos os pregadores - o Papa Francisco - que nos ajuda a resgatar o verdadeiro sentido do Evangelho. Transcrevo aqui uma parte de sua meditação, feita na ocasião da oração do "Ângelus", hoje, no Vaticano. O texto na íntegra pode ser encontrado aqui.
O Papa Francisco disse:

A imagem da porta volta várias vezes no Evangelho e remete àquela da casa, do lar, onde encontramos segurança, amor, calor. Jesus nos diz que há uma porta que nos faz entrar na família de Deus, no calor da casa de Deus, da comunhão com Ele. Esta porta é o próprio Jesus (cf. Jo 10, 9). Ele é a porta. Ele é a passagem para a salvação. Ele nos conduz ao Pai. E a porta que é Jesus não está nunca fechada, esta porta não está nunca fechada, está aberta sempre e a todos, sem distinção, sem exclusão, sem privilégios. Porque, vocês sabem, Jesus não exclui ninguém. Algum de vocês poderia dizer-me: “Mas padre, com certeza eu sou excluído, porque sou um grande pecador: fiz tantas coisas más, fiz tantas, na vida”. Não, você não está excluído! Justamente por isso você é o preferido, porque Jesus prefere o pecador, sempre, para perdoá-lo, para amá-lo. Jesus está esperando você para te abraçar, te perdoar. Não tenha medo: Ele te espera. Animado, tenha coragem para entrar pela sua porta. Todos são convidados a atravessar esta porta, a atravessar a porta da fé, a entrar na sua vida e a fazê-Lo entrar na nossa vida, para que Ele a transforme, a renove, dê a ela alegria plena e duradoura.
Nos dias de hoje, passamos diante de tantas portas que nos convidam a entrar prometendo uma felicidade que depois percebemos que dura somente um instante, que é um fim em si mesma e não tem futuro. Mas eu pergunto a vocês: nós, por qual porta queremos entrar? E quem queremos fazer entrar pela porta da nossa vida? Gostaria de dizer com força: não devemos ter medo de atravessar a porta da fé em Jesus, de deixá-Lo entrar sempre mais na nossa vida, de sair de nossos egoísmos, dos nossos fechamentos, das nossas indiferenças com os outros. Porque Jesus ilumina a nossa vida com uma luz que não se apaga mais. Não é um fogo de artifício, não é um flash! Não, é uma luz tranquila que dura sempre e nos dá paz. Assim é a luz que encontramos se entramos pela porta de Jesus.
Certo, aquela de Jesus é uma porta estreita, não porque seja uma sala de tortura. Não, não por isto! Mas porque nos pede para abrir o nosso coração a Ele, para reconhecer-nos pecadores, necessitados da sua salvação, do seu perdão, do seu amor, de ter humildade para acolher a sua misericórdia e fazer-nos renovar por Ele. Jesus no Evangelho nos diz que ser cristãos não é ter uma “etiqueta”! Eu pergunto a vocês: vocês são cristãos de etiqueta ou de verdade? E cada um responda para si! Não cristãos, nunca cristãos de etiqueta! Cristãos de verdade, de coração. Ser cristão é viver e testemunhar a fé na oração, nas obras de caridade, no promover a justiça, no fazer o bem. Pela porta estreita que é Cristo deve passar toda a nossa vida.

24 de agosto de 2013

Descobrir o essencial


 
 
Lembro-me de um professor da minha faculdade que, em uma das aulas de metodologia, falava sobre o fenômeno de generalização. Há quem acredite - dizia ele - que os anões e as loiras são a causa de todos os males na  história da humanidade. As generalizações, além de comprovarem uma considerável falta de inteligência, costumam ser perigosas, o que nos mostra, justamente, a história da humanidade.
 
Feita essa ressalva e apesar da mesma, vou recorrer a uma generalização. Creio que a falta de reflexão mais profunda e a consequente incapacidade de compreender as coisas, ou até as palavras, são, de fato, a causa de uma enorme parte dos males que atingem a humanidade, inclusive e em particular, a nós, os homossexuais.
 
Vejamos a questão, talvez, mais delicada e dolorosa e que nos incomoda tanto, mas também nos inspira para retomarmos a briga, a luta, ou - melhor entre todas as opções - o diálogo. É um verdadeiro paradoxo. De um lado, aqueles que acreditam em Deus, em particular, os cristãos, têm o acesso à verdade sobre a vida, a natureza do ser humano, a sua origem e a meta de sua existência. Por outro lado, são os mesmos religiosos e, de novo, em particular os cristãos, que nutrem dentro de si o mais autêntico ódio em relação aos seres humanos que possuem uma orientação sexual diferente daquela que é considerada clássica (ou a única correta), isto é, a heterossexual. Aliás, o clássico nesta história é o próprio ódio que até mereceria ser chamado de "ódio cristão".
 
Vamos aos pormenores. Em vários momentos de sua pregação, Jesus usa o exemplo de administração dos bens que pertencem ao patrão, ou rei - no caso, ao próprio Deus. Constatamos com facilidade que um dos principais bens entre todos que nos foram entregues (arrendados) por Deus é a própria vida: em primeiro lugar, a nossa, mas também a vida de outras pessoas, neste caso, em graus diferentes, de acordo com a natureza dos laços que nos unem com aquelas pessoas. Destacam-se aqui, evidentemente, os laços entre pais e filhos, entre irmãos de sangue e outros parentes, entre cônjuges e assim por diante. Até aqui, como parece, não escrevi nada que tenha sido especialmente revelador. Acredito, porém, que seja necessário começar pelos fundamentos, por mais óbvios que pareçam.
 
Na celebração do Sacramento do Matrimônio, os noivos respondem afirmativamente à pergunta (entre outras) sobre os filhos. "Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja?". Com outras palavras: todos os seres humanos pertencem a Deus, são a sua propriedade exclusiva e é Ele quem entrega um, ou mais, a outros seres humanos que se tornam assim os administradores deste grande bem, a vida humana que, entretanto, continua a pertencer a Deus. É neste contexto que vale a pena reler todas as parábolas de Jesus, sobretudo aquelas que falam da vinha e dos agricultores. É claro que os agricultores lucram com a vinha e os seus frutos, mesmo assim, nunca se tornam verdadeiros donos, pois trata-se da propriedade de um senhor. Este, por sua vez, espera e cobra a parte que lhe cabe. Assim, os pais lucram com a vida dos filhos, bem como os esposos, irmãos, parentes, amigos, membros de uma comunidade... É claro que não se trate de um lucro material, mas sim, espiritual. Todos se beneficiam com a presença do outro e todos são responsáveis, diante de Deus, pela vida dos outros, repito: cada qual, no grau que é próprio para cada tipo de laço existente entre as pessoas. Na parábola do Bom Samaritano Jesus afirma que somos responsáveis, até mesmo pelos desconhecidos.
 
Há uma verdade, revelada em forma de pergunta, na parábola que conta a história de trabalhadores da vinha, contratados em diversos horários do dia. Na hora do pagamento e diante da murmuração daqueles que esperavam o prêmio adicional por terem suportado o calor do dia inteiro, porém acabaram sendo igualados a outros que trabalharam apenas uma hora, o patrão responde com simplicidade: "Companheiro, não estou sendo injusto contigo. Não combinamos diária? Toma o que é teu e vai! Eu quero dar a este último o mesmo que dei a ti. Acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja porque estou sendo bom?" (Mt 20, 13-15).
 
Acaso, Deus não tem o direito de fazer o que quer com a vida humana que lhe pertence e é apenas administrada por nós?
 
Com outras palavras: "Amados pais! Não combinamos a sua tarefa de acolher com amor e educar os filhos que me pertencem? Seguindo esta vocação vocês contarão com o meu auxílio e irão receber o prêmio da vida eterna. Tenho, porém, o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence. Posso fazer com que a vida do seu filho dure apenas alguns dias, ou muitos anos, que seja marcada por uma brilhante inteligência, pelos dons e talentos extraordinários, ou carregue algo que vocês chamam de deficiência, mas, aos meus olhos, é um carisma especial. Pode, igualmente, ser definida (ou, se preferirem o termo: permitida) por mim como hetero ou homossexual. Eu posso fazer o que quero com aquilo que me pertence. A vocês cabe acolher, amar e cuidar, para depois devolver a mim".
 
Como é que você, em primeiro momento, pede para ter filhos, fica feliz quando os recebe e, depois de certo tempo, afirma que não os quer mais, que não foi assim que você imaginava e por isso essa, ou aquela pessoa não é mais o seu filho, ou a sua filha? E tudo isso porque o filho é diferente da maioria. Um dos argumentos mais repetidos é: "o que os outros vão dizer de mi?". É tão fácil esquecer de que na prestação de contas, o que vai importar é aquilo que diz a nosso respeito Deus e não os outros. "Muito bem, empregado bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu confiar-te-ei muito mais. Vem participar da minha alegria!" (Mt 25, 21).
 
É como naquela história que contam sobre uma mulher que foi conversar com o padre, pois estava apavorada, ao descobrir que sua filha Catarina era lésbica. O padre ouviu o desabafo da mulher e pediu que ela orasse bastante, repetindo diante de Deus, com frequência e durante vários dias, uma pergunta: "Meu Deus! Quem é Catarina?". A mulher relatou depois que quando tentava ouvir a resposta de Deus nos momentos de silêncio, recomendados pelo padre, durante vários dias ouvia apenas o grito: "Catarina é lésbica, é pecadora, suja e nojenta! Catarina é uma vergonha!". Percebia, porém, que foi o seu coração, a sua mente e as suas emoções que lhe forneciam tal resposta. Depois de certo tempo começou a ouvir, cada vez mais nitidamente, a resposta: "Catarina é a minha filha". A própria memória ajudou-lhe a percorrer pelos momentos mais felizes que ela tinha experimentado com a filha, desde a sua gestação. Inicialmente, esta associação das recordações felizes com a "terrível descoberta", trazia desconforto, mas, finalmente, a mulher enxergou a verdade: "Em sua essência, Catarina é a minha filha. É minha filha amada e nada vai mudar isso!". Esta afirmação libertadora levou a mulher à descoberta ainda mais importante. Catarina, na verdade e antes de tudo, é a filha amada de Deus e foi Ele quem me encarregou a administrar este bem tão precioso que, ainda que sob os meus cuidados, pertence a Ele. Eu fui escolhida para cuidar dela com amor e, depois, devolvê-la nas mãos do Senhor. É isso que, a partir de hoje, vou fazer, em vez de julgar, criticar, condenar, ou rejeitar. Amar significa acolher e cuidar, tentar compreender, fazer de tudo para defender. É isso que vou fazer.
 
É bom acrescentar que esse processo não foi rápido, nem fácil, mas foi possível, porque a mulher não parou na superfície da reflexão. Ela avançou para as águas mais profundas e somente assim foi capaz de descobrir a verdade sobre Deus, sobre si mesma, sobre a sua filha e sobre o mundo em geral. Tornou-se uma mulher nova, foi curada de preconceito, cuja raiz - o egoísmo, reforçado pela soberba - foi arrancada do seu coração. Naquele dia a salvação entrou em sua casa (cf. Lc 19, 9).
 
Há um tempo, a telenovela "Amor à vida", exibida pela TV Globo, aborda, entre outros, o assunto da relação de um pai para com o seu filho gay. As cenas e as conversas chegam a ser irritantes. Provavelmente por terem sido muito reais...

22 de agosto de 2013

Os poloneses LGBT escrevem ao Papa

 
 
O grupo ecumênico polonês de cristãos LGBTQ  (lesbians, gays, bisexuals, transsexuals, queers)  "Wiara i Tęcza" (em português: "Fé e Arco-íris"), no último dia 20 de agosto, enviou ao Papa Francisco uma carta. No site do grupo (aqui), além da versão original em polonês, encontra-se, também, o texto em inglês. Pode ser localizada, também, a versão em inglês de um resumo sobre o Grupo (aqui).
 
Publico aqui uma tradução livre desta carta:
 
 
Varsóvia, 20 de agosto de 2013
Sua Santidade
Santo Padre Francisco
Papa
Segrataria di Stato
Palazzo Apostolico
00120 Città del Vaticano
 
"O Reino do Céu é ainda como uma rede lançada ao mar.
Ela apanha peixes de todo tipo".
Mt 13,47
 
 
Querido Santo Padre,
recebemos uma notícia feliz de que, ao retornar do encontro com a juventude no Brasil, o Senhor referiu-se com compreensão e simpatia às pessoas de orientação sexual diferente da heterossexual. Gostaríamos de lhe assegurar que existem na Igreja e diante das suas portas muitas pessoas que, há muito tempo, estavam esperando por estas palavras. Essas pessoas viviam, por muito tempo, com a sensação de injustiça, opressão, solidão e rejeição que experimentavam por parte da querida para elas  comunidade de sua própria Igreja. O exemplo de suas palavras, com certeza, irá ajudar a superar na Igreja tão dolorosa para nós desconfiança, o até aberta hostilidade, por parte dos nossos irmãos na fé.
 
Somos um grupo ecumênico polonês de cristãos LGBT, na maioria católicos romanos. Escolhemos o nome de "Fé e Arco-íris", para expressar as irredutíveis características de nossa identidade. Desejamos permanecer fiéis à comunidade da Igreja, porém não vemos a possibilidade de renunciar à específica da vida amorosa que nos foi concedida para compartilhar.
 
Acreditamos que com essa especial natureza da vida amorosa agraciou-nos, de acordo com a sua vontade, o próprio Deus, para que pudéssemos descobrir a sua misteriosa presença nos caminhos diferentes do que a maioria das pessoas. Cremos, também e nisso apoia-nos a convicção baseada no atual conhecimento científico sobre o ser humano, de que esse caminho da vida amorosa é de um direito igual ao do caminho das pessoas heterossexuais. Enxergamos a esperança no cumprimento dos ensinamentos revelados a nós por nosso Senhor Jesus Cristo, com os quais inspiram-se, geralmente, as pessoas de boa vontade que esperam a vinda do Seu Reino. Esses ensinamentos são: a amizade, o respeito mútuo, o cuidado, a fidelidade, a sinceridade e todas as outras regras, pelas quais os cristãos põem em destaque a dignidade humana em cada pessoa, as mesmas que menosprezaram em seu comportamento os habitantes da antiga Sodoma.
 
Há muito tempo aguardávamos as palavras de conforto e consolação - hoje agradecemos por elas a Deus, pois despertam em nós a esperança para o futuro. Continuaremos esperando, até passarem os tempos difíceis, assim como baixaram outrora as águas do dilúvio bíblico. Cansados com a inundação de intolerância, buscamos no horizonte o arco-íris de reconciliação e ternura, que encerrará os tempos, em que obriga-se nos a viver em isolamento e clandestinidade, com medo dos nossos próximos. Confiamos que chegarão dias, nos quais, em uma igualdade com os outros, poderemos, de maneira que nos é própria, experimentar o grande dom e sinal da presença de Deus no mundo - o insondável mistério do amor.
 
Pedimos, Santo Padre, a sua recordação e a oração - ao nosso Deus que é o próprio Amor.
Garantimos-lhe, também, a nossa oração na intenção de Vossa Santidade e de toda a Igreja.
 
Cristãos poloneses LGBT do Grupo "Fé e Arco-íris".
 
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OBS: A foto (uma montagem que inclui o logotipo do Grupo "Fé i Arco-íris") tem a finalidade de ilustrar a esperança de uma resposta. Afinal, o Papa Francisco - pelo que contam - costuma responder às cartas recebidas, inclusive de pessoas simples e pobres...